Ricardo Voigt*
Decisões cruciais
A equação do foguete: uma analogia com gestão de crises
Nos minutos que antecedem o lançamento de um foguete rumo ao espaço nenhum astronauta está com os dedos cruzados. Toda a equipe está preparada com base em anos de experiência e dedicação total para aquele momento.
Quanto mais você sabe, menos você teme, diz o astronauta Chris Hadfield, experiente profissional do espaço que retrata em vídeos no Youtube como é a vida na gravidade zero. Em sua mensagem é possível identificar o propósito escondido por trás da exploração espacial, um mergulho em um universo de probabilidades, muitas vezes negativas e ainda não conhecidas.
No momento da decolagem, em que a contagem regressiva chega a zero, o astronauta só é capaz de focar na leitura completa da situação. Em minutos estuda cada indicador de um complexo sistema no cockpit que está à sua frente. Devido ao conhecimento adquirido em anos de treinamento exaustivo, ele consegue colocar em uma página todo o cenário e as probabilidades dos minutos seguintes.
Nessa hora, esse profissional é capaz de tomar decisões assertivas com apenas uma inspiração, ou se preferir no sentido literal da palavra, o primeiro movimento do processo de respiração. Isso tudo comprimido em uma cadeira em aceleração constante, para alcançar a velocidade aproximada de 28 mil km/h necessária para atingir a atmosfera.
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São tomadas de decisão em equipe, como no caso dos astronautas Alexei Ovichinin (Rússia) e Nick Hague (Estados Unidos), que tiveram 2 minutos e 45 segundos para identificar um problema incomum no motor do foguete de propulsão quando se dirigiam para a Estação Espacial Internacional (ISS). Realizaram os cálculos e decidiram, com suporte da equipe de terra, abortar a decolagem a 7,5 mil km/h, visando garantir o pouso seguro em terra.
Nesse pico de stress, como dos astronautas que estavam a seis vezes a velocidade do som, se justifica todo o foco anterior e a intensidade da avaliação completa de todos os indicadores, a gestão de riscos e probabilidades. Principalmente, a experiência e habilidades deste nível de profissional. Para ser um astronauta, a Nasa exige graduação e pós-graduação na área das ciências exatas, como engenharias, matemática ou física, ou ainda ciências biológicas - além, claro, de habilidades adicionais como relacionamento e trabalho em equipe, comunicação escrita e oral e o domínio de uma língua adicional. Isso sem mencionar o exaustivo processo de seleção e treinamento.
Após esse período intenso da decolagem e o foguete sair da atmosfera, os motores desligam, você enxerga o cenário da situação com mais clareza e a equipe já tomou as decisões que deveria. Chega então o momento de seguir o plano traçado e monitorar constantemente os indicadores, pois eles certamente mudarão devido aos elementos e às inúmeras probabilidades de alteração comportamental e sistêmica - interna e externa - que fogem do controle.
A mesma lógica é aplicada ao início de um processo de gestão de crises de imagem. Atuo há muitos anos nesse setor e, a cada nova situação extrema, é possível entender as lições que tiramos dos profissionais com traje espacial.
Organização e monitoramento são os pontos principais: para gerenciar de forma eficaz, é necessário monitorar os fatores, se preparar para respostas em todos os cenários possíveis e apostar na transparência. Durante uma crise, é fundamental para a gestão adotar a verdade como política, não esconder fatos nem se esconder da crise.
Durante a crise do novo coronavírus, algumas lições podem ser tiradas dos foguetes. Neste cenário, a gestão tem o desafio de se manter focada e responsiva com a precisão dos astronautas.
A McKinsey publicou a análise “Leadership in a crisis: Responding to the coronavirus outbreak and future challenges”. Para muitos executivos, a pandemia de coronavírus é uma crise diferente de qualquer outra nos últimos tempos. Cinco práticas de liderança podem ajudá-lo responder de forma eficaz.
A primeira delas é se organizar para responder à crise. Em seguida, a equipe deve estabelecer respostas além da operação normal, bem como fazer ajustes na rotina de atividades do negócio. Além disso, é preciso elevar líderes durante a crise: ressaltar o valor da calma e do otimismo. Outra prática é demonstrar empatia: lidar com a tragédia humana como a maior prioridade. Por último, comunicar-se de forma eficaz: manter a transparência e oferecer atualizações frequentes.
Estabelecer novas práticas é necessário porque o surto de Covid-19 é diferente de qualquer crise anterior: abordagens tradicionais de resposta a crises não serão suficientes. Os CEOs precisam agir agora e agir de forma agressiva. É o que diz a análise da Bain & Company “A CEO Plan for Coronavirus: Actions to Take Now”: ela delineia um cronograma de seis semanas com um planejamento baseado em um modelo de “war-room”, começando com organizar e gerenciar o processo, até chegar ao ponto de planejamento de médio a longo prazo.
Assim, se o cenário mudar, da mesma forma que se altera para os astronautas no momento da decolagem, você terá novamente a capacidade de colocar rapidamente tudo em uma página só. E tomar decisões cruciais ao mesmo tempo em que inicia o primeiro movimento do processo de respiração.
*Ricardo Voigt é jornalista com especialização em Marketing, é diretor da V3COM, agência de Comunicação Empresarial. Possui experiência de 15 anos com gerenciamento de crises de imagem e coordenação de projetos de relações públicas e reputação.