De uns anos para cá, começamos a observar um fenômeno estranho de padronização estética. As casas perderam suas janelas de madeira e filtros de barro para serem substituídos por armários brancos e paredes sem personalidade. Os móveis de madeira que atravessavam gerações deram lugar a hackers de MDF ripado e luzes de LED.
Os carros coloridos dos anos 80 foram substituídos por SUVs cinzas, pretas, brancas ou, se o dono for muito ousado, um vermelho-bordô.
Essas tendências estéticas, obviamente, vão muito além de um padrão arquitetônico. Penso que elas refletem uma mentalidade do nosso tempo: uma tentativa de padronizar nossas vidas, de modo que fiquem mais “instagramáveis” limpas, impecáveis, ao mesmo tempo, chatas e sem identidade.
O problema vai um pouco além da estética insustentável de uma vida teatralizada. A questão é que tudo isso serve não para si, mas para os outros. Para que os outros achem que sua vida é impecável, para que acreditem que sua rotina é extraordinária.
E aí entramos em outra seara igualmente problemática, engatilhada pelas mídias sociais: estamos consumindo conteúdo de pessoas com vidas inventadas, para parecerem mais ricas, mais magras, mais fortes, mais novas do que realmente são.
Por exemplo: Em 2023, o mercado de luxo atingiu a incrível marca de 74 bilhões de dólares no Brasil. Mas o interessante nesse dado é que o aumento do faturamento de marcas mundialmente conhecidas por seus altos preços não foi movido apenas pelas altas castas sociais, e sim principalmente pela classe média: mais de 70%.
Paralelamente, a geração Z sofre com um dos maiores índices de inadimplência. As causas dessa inadimplência são, em sua maioria, compras de itens visíveis: eletrônicos, roupas e carros importados.
Outro levantamento da ANBC mostra que 32% da geração Z (até 21 anos) já está endividada, com valor médio de dívida de R$ 1.676. Entre os millennials (22–37 anos), 40% têm dívidas, com tíquete médio de R$ 3.737. Tudo isso para sustentar uma suposta aparência de sucesso e riqueza que, na verdade, são apenas posts.
Essa padronização estética com ar “clean”, aliada ao consumo irresponsável de bens que não passam de dívidas de cartão de crédito, estão intrinsecamente interligados: são fruto de uma crise coletiva que, sendo justo, não começou com a geração Z, mas foi potencializada pelas mídias sociais e, portanto, possui maior impacto nas gerações mais jovens.
Estamos consumindo um estilo de vida de outras pessoas que sequer sustentam o estilo de vida que pregam. O coach de Alphaville que anda de Ferrari ou jatinho alugado, que vende cursos sobre como vender cursos para pessoas que querem vender cursos.
Enquanto isso, ficamos todos parecidos. Estamos morando em casas e apartamentos parecidos e perdendo nossa autenticidade para figuras igualmente inautênticas e endividadas.
Esse suposto ideal estético e instagramável tem um custo muito alto, para além das dívidas do cartão de crédito: o custo emocional e social de estarmos, coletivamente, caindo em uma vala comum, como brinquedos fabricados.
Talvez o futuro dos filtros de barro e dos sofás de camurça seja virar peça de museu, junto com o bom senso. A boa notícia é que, quando tudo for igual, o mínimo traço de autenticidade vai parecer uma revolução.