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Instalação de uma das cerca de 1,9 mil câmeras que integram a Muralha Digital de Curitiba, sistema de monitoramento da prefeitura em áreas com grande fluxo de pessoas na capital. Crédito: Divulgação.

Foco nas pessoas

Comunidade inteligente: qual a importância do conceito que colocou Curitiba e Assaí entre as sete melhores do mundo no ranking do ICF

Fernando Henrique de Oliveira
Fernando Henrique de Oliveira
11/10/2024 18:10
No início de novembro, será revelada qual a comunidade mais inteligente do mundo de 2024 pelo Intelligent Community Forum (ICF), a instituição global que estabeleceu o conceito de cidades inteligentes há quase 30 anos. Neste ano, duas cidades paranaenses competem pelo título: Curitiba, que pelo quarto ano consecutivo figura entre as sete finalistas, e Assaí, cidade do Norte Pioneiro que conquistou a maior autoridade em comunidades do mundo, o alemão radicado no Canadá, John Jung.
Jung é fundador do ICF, cujas iniciativas começaram a ser desenhadas em 1995 para, em 1999, começar a trilhar o caminho que fez dela uma das mais prestigiadas instituições mundiais empenhadas na divulgação do conceito de comunidades inteligentes. 
Foi no mesmo ano que a premiação surgiu - no início, apenas com a eleição da comunidade mais inteligente do mundo. Logo depois, ela cresceu e, desde 2002, o ICF entrega dois rankings anuais com as comunidades mais inteligentes do mundo antes do anúncio da vencedora: o primeiro com 21 cidades e, o segundo, com sete, que são as finalistas ao prêmio.
Pela primeira vez, Assaí entrou no seleto ranking das 21 comunidades - Curitiba já figurava entre elas há seis anos. Quando a cidade de pouco mais de 15 mil habitantes foi anunciada, houve quem pensasse nas razões que fizeram dela uma das comunidades mais inteligentes do mundo. No fim, haviam várias - e elas a levaram até o Top7, com as finalistas ao prêmio de 2024.
Curitiba já colecionava o título de cidade mais inteligente do mundo de 2023, concedido pelo World Smart City Awards, premiação anual do Smart City Expo World Congress, realizado em novembro do ano passado também em Barcelona. Na quinta-feira, foi a vez de a cidade sair com a prata do Seul Smart City Prize, outra das mais prestigiadas premiações globais sobre cidades inteligentes. Agora, ela mira no troféu do ICF.
O fundador do ICF, John Jung, em visita às obras do Novo Bairro do Caximba ao lado do secretário de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Inteligência Artificial de Curitiba, Dario Paixão, no início de setembro. Crédito: José Fernando Ogura/SMCS.
O fundador do ICF, John Jung, em visita às obras do Novo Bairro do Caximba ao lado do secretário de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Inteligência Artificial de Curitiba, Dario Paixão, no início de setembro. Crédito: José Fernando Ogura/SMCS.
Mas, mais que concorrentes, Curitiba e Assaí vão juntas a Barcelona na esperança de trazer o título não apenas para o Paraná, mas também para a América Latina, que ainda não teve nenhuma comunidade eleita a mais inteligente do mundo pelo ICF. Na bagagem, ambas carregam elogios do próprio fundador da organização, que esteve no Paraná no início de setembro para visitas técnicas nas duas cidades, parte final do processo de avaliação da comunidade vencedora.
Em Curitiba, dentre os projetos apresentados, o Bairro Novo do Caximba foi o que mais chamou a atenção de Jung. A total revitalização da zona de invasão - que começou em 2010 e chega, agora, a aquele que é tido como o maior projeto socioambiental da história recente da cidade - inclui a entrega de mais de 1,1 mil novas moradias à população local, a regularização de outras 546 - beneficiando 1.673 famílias - e novo zoneamento da região. "Isso é planejar com o coração", disse Jung na ocasião.
Novas moradias em construção no Bairro Novo do Caximba. Crédito: José Fernando Ogura/SMCS.
Novas moradias em construção no Bairro Novo do Caximba. Crédito: José Fernando Ogura/SMCS.
E por falar em coração, o de John ficou cheio nos dois dias que passou em Assaí. A cidade, que tem na educação seu principal ativo de inovação e aposta no desenvolvimento sustentável, o recebeu de braços abertos. A cada visita às escolas do município, ele era recebido com aplausos. 
Mas se isso o encantou, a percepção de como a cidade prioriza a educação e o desenvolvimento de talentos o deixou muito animado. “Construir comunidades diversificadas e prósperas envolve engajar as pessoas a favor do desenvolvimento sustentável. E isso começa pela educação. Assaí está na direção certa. Certamente, por estar no Top7, está promovendo o seu exemplo para o mundo”, comentou.
Assaí e Curitiba são finalistas ao lado de mais cinco comunidades: Coral Gables, na Flórida, e Hilliard, em Ohio, ambas nos Estados Unidos; Durham Region, na região de Ontário, no Canadá; Fredericton e New Brunswick, também no Canadá; e Yunlin County, de Taiwan.
John Jung em conversa com alunos do Centro Estadual de Educação Profissional Profª Maria Lydia Cescato Bomtempo em Assaí. Crédito: Murilo Leonardi.
John Jung em conversa com alunos do Centro Estadual de Educação Profissional Profª Maria Lydia Cescato Bomtempo em Assaí. Crédito: Murilo Leonardi.
No ano passado, Binh Duong, no Vietnam, foi eleita a comunidade mais inteligente de 2023. Em Assaí, Jung teve a oportunidade de fazer um breve discurso sobre o ICF e sua premiação anual, dando exemplos de como comunidades inteligentes podem evoluir com a intenção concreta de beneficiar a população local, implementando tecnologias e inovações que aprimorem a qualidade de vida das pessoas. 
A campeã do ano passado foi um dos exemplos trazidos por ele, já que Binh Duong, assim como Assaí, também era uma comunidade essencialmente rural, mas que, em um momento recente, quis avançar no desenvolvimento tecnológico e social. Para isso, foram em busca de outras comunidades inteligentes nas quais se basear. O ICF colaborou neste sentido e os avanços vieram - e o reconhecimento da instituição faz parte de uma etapa importante da sua história.

Por que falar em comunidade inteligente é importante?

Curitiba é uma smart city (cidade inteligente). Isso significa que ela aposta na implementação de tecnologias digitais e conectividade para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, aprimorando os serviços públicos e promovendo a sustentabilidade. 
Porém, segundo Jung, embora o conceito de “comunidade inteligente” também considere a tecnologia e a conectividade como forma de melhorar a vida das pessoas em uma cidade, há algo que o diferencia do conceito de smart city. “As prioridades se invertem”, diz ele.
Para o ICF, que implementou o conceito, os cidadãos estão em primeiro lugar - e a tecnologia deve contribuir para o desenvolvimento econômico e social de uma sociedade, tendo as pessoas como foco principal.
Igor Oliveira, secretário municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, e John Jung em visita a um dos colégios rurais de Assaí. Crédito: Murilo Leonardi.
Igor Oliveira, secretário municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, e John Jung em visita a um dos colégios rurais de Assaí. Crédito: Murilo Leonardi.
“É tudo sobre pessoas”, ressalta Jung. Para o ICF, o conceito de comunidade inteligente vai além da simples adoção de tecnologias digitais ou da presença de grandes empresas de tecnologia em uma cidade. O que realmente define uma comunidade inteligente é o uso estratégico da conectividade digital e da tecnologia para promover o desenvolvimento econômico, social e cultural de maneira inclusiva, focada no bem-estar dos cidadãos.
Jung elenca os seis fatores definidos pelo ICF para eleger uma comunidade como inteligente: infraestrutura e conectividade, mão de obra qualificada, inovação, inclusão digital, sustentabilidade e, claro, a educação, que seria a base para todas as outras, segundo ele.
Estes seriam os fatores que ajudam cidades e regiões a prosperarem em uma economia digital em rápida evolução. O principal diferencial dessas comunidades é que elas, além de colocarem os cidadãos em primeiro lugar, também criam conexões sociais, integram a população a oportunidades de emprego e renda, criam parcerias para alavancar o desenvolvimento local, e investem em inovação como forma de acelerar o crescimento econômico - e transformá-lo em algo realmente sustentável.
“Quando falamos em comunidades inteligentes, estamos falando em criar uma melhor qualidade de vida para as pessoas, usando tecnologias digitais para o ganho econômico, social e cultural, tendo em vista um futuro sustentável”, diz Jung.

Networking entre comunidades inteligentes

Organização sem fins lucrativos, o ICF busca mobilizar uma rede global de comunidades e parceiros, incentivando a troca de experiências e soluções bem-sucedidas entre diferentes cidades, criando um ciclo virtuoso de inovação e progresso. 
Dessa maneira, sendo o seu fundador, o ICF ajuda as comunidades a aprenderem umas com as outras, compartilhando práticas que contribuem para a criação de ambientes mais favoráveis aos negócios e ao desenvolvimento da sociedade como um todo. 
Além disso, a organização oferece dados robustos sobre as comunidades avaliadas por ela para a elaboração dos seus rankings, o que, muitas vezes, supera as análises de empresas especializadas contratadas por grandes corporações - o que pode trazer economia para as comunidades e oferecer melhores resultados sobre boas práticas administrativas.
Fortalecer uma rede de comunidades inteligentes, que se destacam não apenas por suas conquistas tecnológicas, mas também pela qualidade de vida que oferecem a seus cidadãos e pelo potencial de atrair novos negócios seria um exemplo disso.
O ICF é uma organização de networking. Nós promovemos a troca de experiências entre comunidades globais, criando um ciclo virtuoso de inovação. Em, todos esses anos, desenvolvemos uma relação íntima com várias cidades, facilitando um processo contínuo de aprendizado e crescimento. Mesmo quando os governos mudam ou o contato diminui, a organização mantém suas listas de comunidades inteligentes, que servem como fonte de referência para outras comunidades ou para empresas que desejam se estabelecer em locais inovadores e comprometidos com o futuro sustentável
, explica Jung.
Para ele, essa conexão com as comunidades contribui para que elas continuem sendo reconhecidas e promovidas globalmente, além de possibilitar o compartilhamento de inovações que podem beneficiar negócios e a própria qualidade de vida dos cidadãos.
Assim, o ICF promove o uso da tecnologia digital como ferramenta para criar oportunidades, desenvolver economias dinâmicas e inclusivas, e transmitir esse legado de inovação e progresso para as próximas gerações.
Depois de conhecer Assaí, Jung constatou que, neste ano, o ICF tem um “excelente Top7”. Tanto ela, como Curitiba, já podem se beneficiar das experiências de outras comunidades. Mas, segundo ele, o que mais importa é que “o exemplo delas já está sendo visto pelo mundo”.