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O futuro urbano já começou: IA, gêmeos digitais e habitação estão redefinindo as cidades. Mas quem controla o algoritmo? Crédito: Smart City Expo World Congress (SCEWC).

Rucelmar Reis

Rucelmar Reis

Rucelmar Reis é empreendedor, com vasta experiência em tecnologia e negócios digitais. Fundador e sócio de diversas empresas, atua como mentor e conselheiro de startups. Formado em ESADE Barcelona e MIT, une visão estratégica e prática no desenvolvimento de negócios.

Na Veia

Seu próximo chefe deve ser um algoritmo urbano

07/11/2025 08:24
Estou em Barcelona, como falei no meu último texto, e, já no primeiro dia da Smart City Expo World Congress (SCEWC), nesta quinta-feira (6), vi algo diferente: a transição de smart cities de um conceito de dashboards bonitos para uma realidade de automação total.
Se você pensava que as cidades inteligentes eram apenas sobre Wi-Fi público e aplicativos de transporte, prepare-se para evoluir a forma de ver o que uma cidade pode de verdade interferir na vida do cidadão. O que está sendo discutido aqui não é mais sobre tecnologia, mas sobre poder. E esse poder está sendo transferido para agentes autônomos.

O fim do semáforo burro

O trending topic que domina os corredores é a ascensão das Cidades Habilitadas por IA e dos Gêmeos Digitais Urbanos.
Não estamos falando de um assistente virtual que te diz a hora do ônibus. Estamos falando de um sistema que opera a cidade. 
Gêmeos Digitais Urbanos (UDTs) são a ferramenta que torna isso possível. Eles criam réplicas virtuais da cidade para simulações em tempo real, permitindo que gestores tomem decisões preditivas sobre tráfego, energia e até mesmo alocação de recursos em desastres. O UDT não apenas vê o engarrafamento; ele decide mudar a frequência do semáforo, desviar rotas e otimizar o consumo de energia em tempo real.
Aqui está o insight que você precisa absorver: De alguma forma, teremos um novo chefe, o responsável por decidir se você chega no horário no trabalho, se o lixo é recolhido na sua rua ou se o ônibus passa no seu ponto, será um algoritmo.

O dilema da governança: quem manda no algoritmo?

A transição de "cidades de dados" para "cidades de decisão" levanta uma questão importante: quem é o dono do agente urbano?
Se a IA passa a operar a mobilidade, a segurança e os resíduos, as decisões sobre a sua vida deixam de ser tomadas por um candidato eleito e passam a ser tomadas por um código. Isso é positivo ou negativo?
A Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA) e diversas instituições já alertam para a necessidade urgente de Governança Responsável da IA. O debate aqui em Barcelona não é se a IA deve ser usada, mas como, e quem fica com a chave do cofre. Exemplos de questões levantadas:
• Viés Algorítmico: O algoritmo que decide a alocação de segurança é neutro ou ele perpetua um viés social?
• Transparência: Como auditar uma decisão tomada por uma "caixa-preta"? O cidadão tem o direito de saber o porquê de uma decisão que afeta sua vida.
A promessa de eficiência é sedutora, mas a possibilidade de ausência de transparência é o preço caro da liberdade. E não estou fazendo o papel aqui da crítica por crítica. O avanço proposto é significante e pode trazer muitos benefícios. A questão é que até o odiado imposto poderia ser algo bom, se tivesse o uso adequado. E isso também se aplica a IA. Então, a discussão não é nova. Muda apenas o tema.

O foco no trivial: habitação e o fim do "NIMBY"

Outro trending topic que me chamou a atenção é a Habitação como pilar de smart city.
Enquanto a IA e os Gêmeos Digitais parecem ficção científica, e talvez acessível apenas a poucas cidades, a habitação é o problema mais real e urgente. A tecnologia está sendo aplicada para resolver o problema da burocracia: licenciamento digital, uso de dados abertos de estoque e aluguel, e incentivos ao adensamento perto de transporte.
O foco é usar a tecnologia para acelerar a entrega de moradias e combater o "NIMBY" (Not In My Backyard), a resistência local a novos empreendimentos. A tecnologia, neste caso, está a serviço de um outcome social, forçando a política pública a ser mais eficiente. No Brasil, também estamos implementando Cadastros de Imóveis e essas informações poderão ser mais bem usadas daqui para frente.

A escolha que define o futuro

Vou resumir o primeiro dia da SCEWC: mostrou que o futuro não está chegando; ele já está operando.
A pergunta que levo para o segundo dia não é se sua cidade será inteligente. Vai ser cada vez mais. 
A pergunta é: estamos prontos para sermos governados por um algoritmo?
Eu acho que a verdadeira inovação não está na tecnologia, mas na coragem de exigir que essa tecnologia sirva à democracia e à liberdade, e não apenas à eficiência e ao controle.