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Barcelona, na Espanha, sede do Smaert City Expo, maior evento de cidades inteligentes do mundo. Crédito: Tsichlis Georgios.

Rucelmar Reis

Rucelmar Reis

Rucelmar Reis é empreendedor, com vasta experiência em tecnologia e negócios digitais. Fundador e sócio de diversas empresas, atua como mentor e conselheiro de startups. Formado em ESADE Barcelona e MIT, une visão estratégica e prática no desenvolvimento de negócios.

Na Veia

Cidades inteligentes e uma pergunta na bagagem

06/11/2025 18:34
Quando embarquei para Barcelona, com destino ao Smart City Expo World Congress (SCEWC), integrando a delegação da startup curitibana Mapzer, tinha como objetivo observar de perto o maior palco global da inovação urbana, que começou nesta quinta-feira (6). A feira promete um espetáculo de otimismo: cidades mais eficientes, sustentáveis e seguras, onde a tecnologia apareceria como solução para problemas que a política não conseguiu resolver. Esta é a terceira vez que participo do evento anual.
O que a feira promete? Soluções: um futuro em que a tecnologia é a cura para a ineficiência urbana.
O que eu espero ver durante o evento? Não apenas gadgets urbanos. Espero ver a coragem de debater o elefante na sala. Espero que a promessa de eficiência não mascare a realidade da vigilância.

O preço da eficiência

Minha grande inquietação nesse assunto é o preço que pagamos por essa eficiência de controle das cidades inteligentes. A narrativa oficial é clara: sensores, Big Data e inteligência artificial são ferramentas neutras. Mas quem poderia ser contra a eficiência, não é verdade?
O problema é que a eficiência tem um preço, e esse preço pode ser pago com o ativo mais valioso do século XXI: nossa privacidade.
A diferença entre um paraíso tecnológico e uma prisão de dados não está na tecnologia utilizada. Está na governança e na ética de quem a controla.
A coleta massiva de dados transforma o cidadão em um "produtor de dados". Cada passo, cada semáforo, cada transação se torna um input para o sistema. Aqui está o meu desconforto que torço para resolver: Se a tecnologia é tão eficiente, por que ela não está sendo usada para resolver os problemas mais urgentes, como a desigualdade? Ou será que a eficiência que buscamos é apenas a eficiência do controle?
Os dilemas que procuro em Barcelona
A Smart City Expo não pode ser apenas uma vitrine. Ela precisa ser um fórum de debate ético. E há dois dilemas centrais que preciso ver sendo colocados na veia da discussão nos corredores de Barcelona nesses dias:

1. Vigilância e opacidade: o risco do controle total

O uso de câmeras de reconhecimento facial e sensores de comportamento é o ponto mais sensível. A promessa é segurança, mas a realidade é o risco de um controle social sem precedentes. O caso mais emblemático que ecoou na SCEWC em edições passadas foi o projeto da Sidewalk Labs (Google) em Toronto, paralisado pela intensa controvérsia sobre a coleta de dados e o risco de um "Capitalismo de Vigilância".
Além disso, a IA que opera a smart city funciona como uma caixa-preta (opacidade algorítmica). Como podemos confiar em um sistema que não podemos auditar? A transparência algorítmica é o pilar da democracia urbana, e a própria feira tem reconhecido a necessidade de focar no "desenvolvimento urbano ético".

2. A fragilidade cibernética: o alvo de alto valor

A interconexão de todos esses sistemas (IoT) cria uma superfície passível de ataque cibernético gigantesca. Já ouvi muitos especialistas em segurança alertando que a dependência de uma vasta rede de dispositivos interconectados torna as cidades vulneráveis. Um ataque bem-sucedido pode paralisar o transporte, cortar a energia ou contaminar o abastecimento de água.
Outra inquietação: Ao tornar nossas cidades mais "inteligentes", não as estamos tornando, ironicamente, mais vulneráveis? A pressa em implementar soluções sem padrões de segurança robustos transforma a cidade em um alvo de alto valor para hackers

A escolha que define o futuro

O Smart City Expo World Congress é um palco de ideias brilhantes. Mas a verdadeira inovação não está nos sensores ou nos algoritmos. Está na coragem de fazer as perguntas difíceis.
O futuro da cidade não será definido pela quantidade de dados que ela coleta, mas pela ética com que ela os utiliza.
Precisamos perguntar se as cidades inteligentes podem causar o efeito de serem cada vez mais exclusivas e ao mesmo tempo excludentes. Mas isso, tem tantas variáveis que nem ouso ter a resposta em apenas um evento desses.
A escolha é nossa: construir cidades que nos servem ou cidades que nos controlam.
A pergunta final que trouxe para Barcelona não é se sua cidade será inteligente.
A pergunta que vou carregar durante todo o evento é: ela será livre?