China se movimenta para tentar evitar o estouro do que acredita ser uma bolha das criptomoedas
Andre Inohara
Andre Inohara é cofundador e CEO da Inovasia, consultoria de educação executiva que ajuda empresas brasileiras a se conectar aos modelos mais disruptivos de negócios na Ásia. Antes de criar a Inovasia, André atuou como assessor de comunicação na Amcham, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil, e ajudou a criar o conteúdo multiplataforma da entidade. É jornalista e administrador, com MBA em Informações Financeiras pela FIA (Fundação Instituto de Administração) e pós-graduação em Comunicação Digital pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Criptomoedas: China age para tentar evitar o estouro de uma bolha
04/06/2021 18:17
Digna de um eletrocardiograma, a oscilação extrema que o mercado de criptomoedas experimentou esse ano assustou governos do mundo todo.
O Bitcoin, criptomoeda mais negociada do mundo, abriu o ano cotado a US$ 29 mil, ultrapassou a máxima histórica de US$ 64 mil em abril e, em seguida, despencando para US$ 30 mil em maio. No começo de junho, valorizou para US$ 36 mil.
Diante da montanha-russa do criptoativo, o governo da China decidiu atuar com firmeza na última semana de maio para conter o que acredita ser um grande movimento especulativo capaz de gerar uma bolha.
Criptomoedas são as novas tulipas?
O Comitê de Estabilidade Financeira e Desenvolvimento Financeiro do Conselho de Estado determinou que o setor privado não pode receber criptomoedas como pagamento ou oferecer serviços e produtos relacionados a ativos digitais. Medidas que um estrategista chinês considerou necessárias para não repetir um episódio histórico do mercado de capitais.
“Se a escalada especulativa das criptomoedas não for contida, pode se transformar em uma bolha parecida com a Mania das Tulipas”, frisa Chen Jiahe, chefe de investimentos da assessoria Novem Arcae Technologies.
As tulipas, que hoje são facilmente encontradas nos jardins residenciais e floriculturas de bairro, foram o estopim da primeira crise especulativa da história do mercado financeiro.
Isso aconteceu no século XVII, e a flor marcou o emblemático episódio da Mania das Tulipas. Mas por que Chen foi tão longe ao fazer paralelo com algo acontecido há tanto tempo, quando houve casos mais recentes de bolha financeira?
Porque a Holanda medieval enriquecia rapidamente, assim como a China moderna.
Holanda Medieval e China Moderna
Com poder de compra nas alturas, houve uma corrida desenfreada dos holandeses para comprar tulipas que, na época, representavam riqueza e status social.
Em um espaço de três anos, os bulbos passaram a ser negociados na bolsa de valores a preços superiores aos de um sobrado na capital Amsterdã. Tudo ia bem até os comerciantes perceberem que não conseguiam mais inflacionar os preços por causa do pico de demanda. Daí começaram a vender maciçamente e causaram pânico no mercado, além de quebradeira geral. O resto é conhecido.
Quatro séculos depois, a China ligou o sinal de alerta. Autoridades regulatórias viram indícios de que a valorização galopante das criptomoedas nos últimos meses tem potencial para causar uma nova crise financeira, assim como aconteceu no passado.
Diante da forte valorização das moedas virtuais causada por notícias de mercado, houve desconfiança sobre a base sustentável desse crescimento.
Embora a China tenha fechado o seu mercado de negociação de criptomoedas em 2017, análises mostram que ela é responsável por 70% da produção mundial de criptomoedas via mineração. O que não impede a existência de corretoras chinesas de moedas virtuais operando em outros países.
Além de um eventual “crash” no mercado de criptomoedas atingir a China, devastando as atividades correlacionadas, a mineração causa profundos impactos financeiros e ambientais na economia.
Nem tudo são flores
No pior cenário de um eventual estouro de bolha, nada seria salvo.
“A única diferença é que depois que a bolha de tulipas estourou, ainda restaram algumas flores bonitas. Se uma bolha de moeda virtual estourar, vai sobrar apenas códigos de computador", compara Chen.
Neste início de junho, um único bitcoin está cotado a US$ 36 mil. Convertido ao valor da moeda brasileira, a cripto equivale a quase R$ 190 mil. A quantia é suficiente para comprar uma casa de dois andares em uma cidade do interior do Brasil.
Seria exagero? Até que não, se considerarmos que o bitcoin valia muito mais em abril, quando atingiu o pico recorde de US$ 65 mil (algo como R$ 340 mil), impulsionado pela notícia de que o megaempresário Elon Musk disse que aceitaria bitcoins como pagamento pelos carros elétricos da Tesla. Isso foi em fevereiro.
Dois meses depois, Musk revogou a medida alegando que os bitcoins são responsáveis pela emissão de grandes quantidades de gases poluentes decorrentes da sua mineração.
A decisão provocou uma forte queda na cotação das moedas virtuais. Em questão de 24 horas, a capitalização total do mercado de criptomoedas em todo o mundo perdeu cerca de US$ 310 bilhões — ou R$ 1,6 trilhão. Algumas corretoras de criptomoedas quebraram e colocaram governos mundiais em alerta.
Fed monitora movimentos especulativos
A preocupação com a negociação de criptomoedas é ecoada até nos Estados Unidos. Lael Brainard, uma das diretoras do Fed (o banco central americano), disse que a oferta de criptomoedas não é lastreada com dinheiro real, o que abre caminho para especulação financeira e até cibercrime.
Na última semana de maio, o vice-premiê chinês, Liu He, anunciou que o país vai desestimular atividades de mineração e negociação de moedas virtuais, sejam legais ou ilegais, alegando que elas trazem sérios riscos financeiros.
O aviso de Pequim repercutiu imediatamente no mercado de moedas virtuais. O bitcoin desvalorizou 30% e o Ethereum, segunda criptomoeda mais negociada, despencou 40%.
Quase que imediatamente, três das maiores mineradoras mundiais de criptoativos — a Huobi (que opera no Brasil), BTC.TOP e HashCow — anunciaram a suspensão de atividades em solo chinês e redirecionamento de operações para mercados externos.
Impacto ambiental das criptomoedas
Não existe apenas consequências financeiras. Para minerar criptomoedas é preciso consumir muita energia, o que confronta as metas de neutralidade de carbono da China. O presidente chinês Xi Jinping já declarou que o país vai atingir a neutralidade de emissões até 2060.
Mineradores criam redes de computadores especialmente projetados para produzir criptomoedas, como o bitcoin. Isso exige muitos equipamentos funcionando sem parar.
Segundo a revista científica Nature Communications, o consumo anual de energia dos mineradores de criptomoedas da China deve atingir o pico em 2024, com algo em torno de 297 terawatt-hora. Isso é mais que todo o consumo de energia da Itália no ano de 2016.
O problema se agrava em regiões menos desenvolvidas da China, como a província da Mongólia Interior, no norte do país. A energia barata tornou o ambiente propício para a mineração, mas como ela é proveniente de usinas termelétricas (principalmente carvão, combustível fóssil muito poluente), os governantes da região foram pressionados pela autoridade central a encerrar a mineração no território.
E o Brasil com isso?
Por aqui, há registros de crescente mineração de criptomoedas. Não existem estatísticas confiáveis de aumento da atividade, mas desde o começo do ano tem se verificado o aumento de buscas sobre o tema, comunidades e tutoriais de mineração de criptomoedas nas redes sociais.
Em maio, o Google Trends registrou pico de pesquisas para como “minerar criptomoedas” e “minerar bitcoin” no País.
O motivo é o desemprego e a atratividade do preço dos ativos. No entanto, existe uma grande barreira de entrada em função da energia cara e necessidade de importar placas de vídeo e processadores poderosos com preços altíssimos e atrelados ao dólar.
Seja como for, ao analisar o histórico de bolhas financeiras, a China preferiu não pagar para ver e decidiu fazer sua parte como ator global para regular o mercado.
Se isso foi exagerado ou não, o tempo vai dizer. Mas é sabido que justamente a falta de limites operacionais é que incentivou a ganância e provocou os “crashs” da Holanda medieval, além dos mais recentes de 1929 e 2008.