Felipe Zmoginski
Felipe é ex-head de marketing do gigante tech chinês Baidu e fundador da Inovasia, consultoria de negócios Brasil - Ásia.
Dinheiro virtual
China amplia uso de criptomoeda e gestão pública por blockchain
Após dois meses de testes em cidades médias e grandes do Sul do país, a China anunciou que ampliará o uso de sua criptomoeda soberana, o renminbi digital, para as principais áreas de negócios do país. Pessoas, empresas e órgãos públicos na capital Beijing e a vizinha Tianjin, todas as cidades no entorno de Xangai e Hangzhou, além do que os chineses chamam de Greater Bay Area poderão realizar transações com o cripto renminbi. A região da “Grande Baía” inclui Hong Kong, Macau, Guangzhou e Shenzhen.
O anúncio é relevante por colocar a China, uma sociedade que praticamente aboliu o dinheiro de papel, substituindo-o por mobile payment, como a primeira grande economia a transacionar dinheiro, de modo amplo, via criptomoedas.
Segundo comunicado do Banco do Povo, o equivalente local ao Banco Central, um dos objetivos é incluir a população não bancarizada Oeste chinês no sistema financeiro, além de reduzir custos com emissão de papel moeda e, claro, controlar a influência de empresas privadas no país, como o Alibaba e o Tencent, o duopólio que controla os pagamentos digitais na China, via serviços como Alipay e WeChat Pay.
Analisando os efeitos domésticos, o renminbi digital tem potencial para aumentar a inclusão financeira de 225 milhões de chineses que, segundo o Banco Mundial, não tem acesso a serviços financeiros. Uma vez que a moeda virtual vai funcionar sem necessidade de vinculação com alguma conta bancária, o que não ocorre hoje com as wallets digitais de Alibaba e Tencent.
Ou seja, para comprar ou pagar algum produto com o renminbi digital, basta ter um celular capaz de ler um QR code. Não é necessário, sequer, ter acesso à internet, uma vez que valores podem ser trocados via NFC, o protocolo de comunicação por “proximidade” dos aparelhos.
Ao contrário do que ocorre com outras criptomoedas, como o BitCoin, por exemplo, o renminbi em blockchain tem seu valor de troca garantido pelo Banco do Povo, que controlará sua emissão.
A ampliação de uso da moeda virtual também deve incentivar a concorrência doméstica. Em tese, bancos e fintechs se sentiriam mais incentivados a desenvolver novas plataformas de pagamento o que, na prática, diminui a influência do duopólio Alibaba-Tencent nos serviços financeiros digitais chineses.
No médio prazo, as autoridades chinesas esperam, ainda, aumentar a supervisão do sistema financeiro e monetário. A expectativa de Pequim é que o seu programa de dinheiro virtual ajude a identificar com mais precisão a origem de recursos e combater a lavagem de dinheiro. Não há informações detalhadas sobre como o governo controlará a troca de moedas eletrônicas, mas, tecnicamente, sabe-se que é possível no código de uma criptomoeda registrar seu histórico de transações. Não à toa, os primeiros chineses a receber salários pagos na moeda digital, que pode ser sacada em dinheiro de papel se o usuário quiser, são altos funcionários públicos. O método visa inibir casos de corrupção.
O uso de criptomoedas, previsto para se tornar o padrão de trocas monetárias na China até o fim de 2022, de acordo com cronograma do Banco do Povo, tem múltiplas vantagens. Uma delas, por exemplo, é permitir que pessoas pobres e sem conta em bancos possam simplesmente criar um cadastro via app para ter uma carteira virtual. Isto permitiria, por exemplo, acessar facilmente pessoas em situação de pobreza e executar programas de transferência de renda. Uma das metas definidas pelo governo local é acabar com a pobreza no país. Atualmente, cerca de 7 milhões de chineses ainda são considerados “muito pobres”, de acordo com critérios das Nações Unidas.
O uso de blockchain nas transações financeiras é apenas uma das múltiplas aplicações desta tecnologia no país. A cidade de Pequim, Distrito Federal na China, por exemplo, deseja implementar a tecnologia para validar o pagamento de impostos, emissão de documentos públicos e otimizar a administração de escolas e hospitais públicos, em um amplo projeto de administração chamado de blockchain-based governament.
Para muitos analistas, uma criptomoeda soberana chinesa poderá servir, no futuro, de meio de pagamento para o comércio internacional, já que a China é a maior exportadora mundial e a segunda maior importadora do mundo. Na prática, isto teria o efeito de diminuir a força do dólar americano como “padrão” para o comércio global, em mais uma ação que confronta os interesses geopolíticos de Washington.