Faço parte de uma comunidade de conselheiros de inovação que defende uma governança jovial. Nas nossas discussões, na GoNew, falamos sobre o espaço para o contraditório e defendemos a importância de Conselhos Corporativos diversos, que tenham entre os seus membros pessoas com visão de inovação, tecnologia e da complexidade da nova economia.
O tema governança não é novo, mas também não está obrigatoriamente na pauta de toda empresa, bem como a importância do Conselho Corporativo.
No cenário pós-guerra, a expansão e o dinamismo da economia nos Estados Unidos apontavam para uma crescente complexidade nas estruturas organizacionais das empresas, especialmente aquelas com ações listadas em bolsa. A centralização das decisões nas mãos dos proprietários representava um risco para as empresas.
Em 1976, Jensen e Meckling apresentaram uma pesquisa que destacava a propensão dos executivos e conselheiros contratados pelos acionistas a agirem em benefício próprio, em detrimento dos interesses da empresa, dos acionistas e demais partes envolvidas.
Como resposta a essa problemática, os autores propuseram que as empresas e seus acionistas adotassem uma série de medidas para alinhar os interesses de todas as partes envolvidas, priorizando, acima de tudo, o sucesso da empresa.
Entre as principais recomendações estavam práticas de monitoramento, controle e ampla divulgação de informações. Esse conjunto de práticas passou a ser conhecido como Governança Corporativa.
De lá para cá, esse tornou-se um assunto obrigatório também no Brasil, com legislações, instrumentos de controle e a criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) para apoiar os atores dessa, cada vez mais dinâmica, estrutura das organizações.
O conjunto de práticas que deu origem à Governança - adoção de práticas transparentes, responsáveis e equânimes na administração das organizações - se mostra cada vez mais necessária, atual e complexa.
Fiz esse resgate histórico para abordar o fato que esquentou as discussões em Conselhos na última semana e promete continuar quente nesta. Na sexta-feira (17), o Conselho de Administração da OpenAI (dona do ChatGPT) demitiu o CEO Sam Altman da liderança da empresa, e do Conselho. O argumento foi de que ele não era consistentemente sincero nas suas comunicações com o Conselho que, por sua vez, perdeu a confiança na sua liderança.
A notícia da demissão de Altman nem tinha esfriado quando uma “recontratação” do executivo foi anunciada. Motivos? O mercado e a própria organização não reagiu positivamente à sua saída, entendendo a importância de Sam Altman para a OpenAI.
A imagem da corporação e de seu líder se misturam - pelo papel que o ChatGPT ocupou na mundo e também pela sua presença forte à frente de discussões importantes sobre o avanço da inteligência artificial para o futuro da sociedade (ele, inclusive, esteve entre grandes líderes debatedores no senado americano para discutir aspectos do avanço da inteligência artificial -
falei disso em um artigo aqui).
Não pretendo entrar, aqui, em questões técnicas, muito menos fazer análises sobre o caso que ainda está em andamento (e por ainda não ter informações suficientes para poder aprofundar o assunto). Mas quero chamar a atenção ao fato de como andam na corda bamba o potencial criativo e disruptivo de empreendedores que trazem novos produtos, serviços, formas de pensar e agir para a sociedade - e a responsabilidade que as empresas devem ter para se manterem produtivas, confiáveis e éticas.
É claro que questões de desalinhamento entre as decisões do Conselho e o empreendedor líder da organização são muito graves e podem comprometer significativamente os negócios. É claro que a condução equivocada do CEO deve ser tratada com senso de urgência pelos membros do Conselho.
O mercado amadurece com situações que trouxeram aprendizados importantes sobre isso, como o afastamento do fundador da WeWork, Adam Neumann, em 2019. A WeWork chegou a valer mais de US$ 47 bilhões, agora tem valor de mercado de apenas US$ 44 milhões. Na época, o Conselho tomou a decisão tardiamente, quando os problemas de governança e financeiros já eram gravíssimos.
O comportamento excêntrico do fundador claramente era um problema, mas sua habilidade de construir mais que uma empresa, uma comunidade é inquestionável. Ele liderava um movimento. Hoje, Adam Neumann é CEO da Flow, uma startup do ramo imobiliário que já captou US$ 350 milhões.
Outro exemplo é o clássico afastamento de Steve Jobs da Apple, em 1985. O Conselho deliberou de maneira unânime pelo seu afastamento e pela reformulação da empresa. Jobs ficou durante 12 anos afastado da empresa que ajudou a fundar. Em 1997, voltou à Apple e devolveu os grandes números à companhia, tornando-a novamente uma das empresas mais disruptivas e valiosas da história.
O mercado cada vez mais maduro, exige dos fundadores e empreendedores que avancem seus negócios com entregas que sejam produtivas, com sustentabilidade econômica e preocupação com o social.
A governança jovial de que tanto falamos não é uma governança imatura e sem regras. Mas questiona (o contraditório) a tomada de decisões baseadas apenas no que se conhece. A visão de futuro nos obriga a tomar riscos.
Como equilibrar esses dois lados? Não tolher a criatividade, o ímpeto e a capacidade desses empreendedores diferenciados dando liberdade para a disrupção e ao mesmo tempo assegurar a governança, que tem compromisso com todos os stakeholders e com a sociedade?
Novamente, não tenho a pretensão de trazer lições aprendidas dos casos, trago mais uns centavos nas discussões que são tão fundamentais. Trago mais perguntas que respostas aqui. As perguntas certas, às vezes, são as melhores contribuições que podemos dar.