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Para investir em inovação você deve refletir sobre si mesmo, transmitir seu propósito e escutar seu cliente.

Fernando Bittencourt Luciano

Fernando Luciano é diretor da Hotmilk, ecossistema de inovação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), professor e pesquisador da área de Biotecnologia também na PUCPR. Graduado em Farmácia e Bioquímica de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também é doutor em Food and Nutritional Sciences pela Universidade de Manitoba, no Canadá, onde foi bolsista do governo canadense. Atuou também como pesquisador no Guelph Research and Development Centre, no Canadá, e como docente convidado na Universidade de Valência, na Espanha. No campo do empreendedorismo, é CEO do NASSLE Group, focado em P&D, sua terceira startup.

Rumos da inovação

Sua empresa reservou orçamento para tecnologia e inovação em 2021. E agora?

04/02/2021 09:00
Entramos em
2021 e muitas empresas separaram uma quantia substancial de recursos para
investir em novas tecnologias na busca de manutenção e, possivelmente, de uma
retomada de crescimento em seus negócios. As lições da pandemia foram claras e,
segundo o International Data Corporation (IDC), 42% das companhias devem
aumentar seus investimentos em TI neste ano. Essa necessidade fica ainda mais
clara em países que possuem uma defasagem tecnológica.
Em 2020, todos os países desenvolvidos reduziram o seu investimento em tecnologia baseados na previsão de gastos feita no pré-pandemia, enquanto a América Latina foi a recordista em crescimento — saindo de uma previsão de aumento de 5% sobre 2019, antes da Covid-19, e realizando uma expansão de quase 15% em 2020. Como não poderia ser diferente, o home office alavancou os gastos com computadores pessoais e softwares que mudaram o nosso modo de trabalhar — e que vieram para ficar.
A vacinação já está dando sinais (como a queda brusca de casos graves em indivíduos vacinados em Israel) de que devemos retornar a uma “semi-normalidade” em um futuro próximo. Um ponto, porém, não vai mudar: o consumidor está mais exigente e as empresas precisam estar centradas nele. Responda rápido ou perca mercado, ano após ano, até se tornar irrelevante. Não adianta, então, apenas ter o recurso financeiro para transformar digitalmente a sua empresa; é preciso usar o recurso com sabedoria.
O principal ensinamento de quem está crescendo rapidamente, como Nubank, Magalu e Netflix, é escutar o seu cliente. Nem sempre essa escuta é necessária quando você cria um produto ou serviço. É o caso clássico de Henry Ford, que disse que, se perguntasse às pessoas o que elas gostariam, a resposta seria cavalos mais rápidos em vez de carros. Mas ouvir é importante para moldar o seu produto constantemente a fim de suprir necessidades atuais e também não se perder na sua importância do passado.
A Tesla, a BYD e a NIO (as duas últimas são chinesas e certamente muita gente nunca ouviu falar) ocupam as posições número 1, 3 e 5 em valor de mercado entre as montadoras de carro. Elas vendem um percentual muito menor de carros do que General Motors (GM), Hyundai, Honda e Ford, as quais ocupam, respectivamente, as 7a, 13a, 14a e 15a posições em valor de mercado. Todas produzem carros, mas as primeiras estão muito mais conectadas com o futuro da locomoção.
Eu tive o prazer de conhecer a fábrica da BYD (acrônimo para Build Your Dreams) em Shenzhen no ano de 2018. A empresa não está preocupada só em fazer carros. Ela investe pesadamente em tecnologia e é uma das maiores produtoras de baterias de lítio do mundo. Os meios de locomoção incluem caminhões, navios e metrôs (incluindo o monotrilho de Salvador).
Outro fato curioso: a GM e a Ford são centenárias e Honda e Hyundai já possuem mais de meio século. Por outro lado, Tesla e BYD são de 2003, enquanto a NIO foi fundada em 2014! Claro que o grupo mais sênior de montadoras também investiu em carros elétricos. Mas elas detêm a tecnologia das baterias? E o que estão criando de novo?
Sabe qual é a missão da GM? “Ganhar clientes por toda uma vida por meio da construção de marcas que inspiram paixão e lealdade através de não somente tecnologias inovadoras, mas também servindo e melhorando as comunidades onde vivemos e trabalhamos ao redor do mundo” (tradução livre). É bonito, tem cunho social, mas dá sono no meio do texto. Já a missão da Tesla diz: “Acelerar a transição do mundo para a energia sustentável”. Uau! Fala exatamente quem são e por qual razão existem.
Você pode estar se perguntando o porquê de eu estar me enrolando tanto com essa história das montadoras e como ela se conecta com o título desta coluna. Pois bem, para ser sábio sobre como gastar o seu suado dinheiro alocado para inovação, você precisa primeiro olhar para dentro e saber quem é. Depois, deve conseguir transmitir esse propósito para as pessoas que trabalham na sua empresa. Aí sim você pode preparar o terreno para conseguir inovar.
Invista, então, no que chamamos na Hotmilk de innovation skills. Como consigo sair da ideia e caminhar até a implementação de maneira ágil? Não foque a capacitação apenas nos setores de TI, Marketing e Pesquisa & Desenvolvimento, mas também nas áreas jurídica, compliance, contábil e financeira.
Somente promovendo esse tipo de preparo sistêmico que as famosas respostas “não pode” ou “entrego em 10 dias úteis” vão se transformar em “vou encontrar o melhor caminho para te ajudar” e “entrego ASAP (as soon as possible, o quanto antes)”.
Sei que muitos desafios tecnológicos são gritantes e não podem esperar, mas somente investindo nas pessoas é que a mudança ocorrerá com velocidade e de maneira constante.
Além disso,
inovação tem método, que pode usar ferramentas diferentes conforme a realidade
e a adaptação de cada empresa. Se você ainda não tem o seu, não espere mais.
Caso contrário, é bem possível que boa parte do seu orçamento de inovação irá
para o ralo sem maximizar os seus resultados. Isso gera frustração e
descrédito. Ainda, o que muita gente trata como inovação diz muito mais
respeito a ganhos de eficiência processual do que realmente mirar o futuro de
um mercado. Invista nas duas coisas, pois uma garante o pão de hoje e a outra,
o banquete de amanhã.
É muito comum que as empresas tenham receio de apostar em relacionamentos com startups ou com instituições de ciência e tecnologia, como universidades e institutos de pesquisa. Nosso conselho é que, se essa for a primeira vez em que sua empresa está se relacionando com alguém, teste pequeno e colete aprendizados rápidos.
A equipe entrega o esperado (ou supera)? Tem indicadores claros do que é sucesso? São bons de relacionamento? Sua equipe deu conta de apoiar a implementação? Se você respondeu “sim” para todas as perguntas, aumente o valor do cheque na próxima parceria. Se alguma resposta for “não”, você precisa mudar o parceiro ou preparar melhor a sua equipe. O mais importante é não perder muito tempo nem dinheiro para obter essas respostas.
E se o parceiro atingiu os indicadores, é bom de relacionamento e sua equipe trabalhou bem, mas o projeto não deu certo? Bem, existe contratação de serviço e existe aposta em inovação. O primeiro tem uma entrega funcional, que pode lhe trazer uma vantagem de eficiência e melhora no seu ROI (return on investment). A inovação traz risco, que pode ser mitigado com bons parceiros e um time interno preparado e engajado. Testar e aprender e rapidamente deve ser o seu mote.
Entre projetos que dão errado e que morrem rapidamente, e os que vão evoluindo a partir de pequenas apostas e mudam o rumo da sua empresa, temos o ROI2, ou return on innovation investment. Este segundo ROI tem potencial muito maior para manter a perenidade da sua empresa e a satisfação de seus clientes.