Há muito tempo o futuro da educação superior vem sendo discutido. A educação à distância já era uma realidade crescente em nosso país – o Ministério da Educação (MEC) já autorizava que 40% das aulas de cursos presenciais fossem realizadas virtualmente. Na prática, poucas instituições utilizavam desse recurso, principalmente as universidades públicas.
O processo de aprendizagem virtual é muito diferente do presencial. Além disso, dá muito trabalho mudar o que já está bem estabelecido – ou imaginava-se estar. O último ano e meio não nos deu escolha. Todos tiveram que se reinventar, inclusive as universidades públicas. Para as instituições de ensino superior privadas, adaptar-se era questão de sobrevivência. As públicas, por outro lado, em geral, relutaram e muitas atrasaram o ano letivo. Com três semestres de pandemia persistente e necessidade de isolamento social, contudo, não havia muito o que ser feito e todos abraçaram o mundo virtual de alguma maneira.
A experiência em si não tem sido das melhores na maior parte das universidades, com índices de satisfação baixos se comparados ao modelo presencial, tanto para estudantes quanto para professores. Não basta usar ferramentas de videoconferência apenas para mostrar o conteúdo de um Power Point empoeirado.
No meio de tudo isso, uma nova discussão vem à tona com mais força. Qual é o real valor das universidades? A reposta não é simples e depende de que “valor” estamos falando. Elas são o principal berço da ciência mundial e trouxeram contribuições gigantes durante a crise de Covid-19. Desenvolveram vacinas, proliferaram conhecimento contra a enxurrada de “fake news” que recebemos todos os dias em mídias sociais, criaram dispositivos médicos para prevenir um número ainda maior de mortes, promoveram pesquisas para um melhor entendimento da doença e trabalharam em novas possibilidades de tratamento.
Em tempos de muita incerteza, as universidades ainda cumprem um papel de extrema relevância, moldando nossas sociedades. Elas são “think tanks” para grandes descobertas e para o desenvolvimento cultural, tecnológico e econômico mundial. Os grandes polos de inovação relacionam-se fortemente a universidades: Vale do Silício, Boston, Xangai, Tel Aviv, Berlim, Toronto. Há também os brasileiros: Porto Digital (Recife), ACATE (Florianópolis), Vale de São Pedro (Belo Horizonte), Pacto Alegre (Porto Alegre), AgTech Valley (Piracicaba) e o nosso Vale do Pinhão (Curitiba). As universidades ensinam professores em todas as áreas do conhecimento. Dessa maneira, são a força motriz que cria o nosso sistema educacional e a maneira como as sociedades operam.
Por outro lado, o mundo mudou muito nos últimos tempos. A maioria das universidades se desconectou dos grandes desafios da sociedade. A fórmula de uma graduação de quatro ou cinco anos, com currículos imutáveis por décadas, não atende mais às vontades e necessidades de cada indivíduo e do mercado. Nessa toada, vemos uma avalanche de iniciativas que vêm suprir a velocidade e a conexão com o mercado que são difíceis de se encontrar nas universidades atuais. Por muito tempo, a área de educação superior ficou um pouco de lado no mundo das startups, mas a pandemia exponencializou os negócios dessas empresas, que já nasceram com mentalidade digital. Elas ofertam um ensino voltado ao mercado de trabalho, com baixo custo, de curto prazo e flexível. São as melhores escolas, com os melhores professores disponíveis? Provavelmente não. Mas preenchem um gap no qual as universidades ainda não conseguiram desempenhar um bom papel.
Nesse sentido, vimos um movimento forte do mercado nos últimos dois meses: o grupo educacional
Ânima comprou a startup Gama Academy; a
Wiser – de Flávio Augusto, fundador da Wise Up – comprou a curitibana Conquer; mais supreendentemente, a startup Descomplica comprou uma universidade, a UniAmérica. Quais são as características dessas startups que as tornam tão relevantes para o mundo atual?
A Gama Academy não se considera uma escola. Ela trabalha com uma metodologia de mão na massa, não possui campus e tem uma equipe 100% remota. Eles oferecem cursos imersivos e rápidos para profissões de grande demanda de mercado, como Design de Produto, Dev Fullstack e Growth Marketing. Elas entregam as habilidades que o mercado está buscando e não necessariamente a formação de um profissional mais amplo, assim como são formatados os cursos de universidades tradicionais.
O mesmo acontece com a Conquer e a Descomplica, que ouvem primeiro o mercado e o público para daí criarem seus cursos. Na pandemia, a Conquer ultrapassou 1 milhão de alunos no mundo virtual. O Descomplica tem mais de 5 milhões de estudantes por mês. A Faculdade Descomplica, com cursos de graduação e pós-graduação, possui mais de 50 mil estudantes. Segundo o seu fundador, Marco Fisbhen, o Descomplica quer se posicionar como o maior player de pós-graduação do Brasil. São poucas as universidades de nosso país que possuem esse número de alunos, contando todas as modalidades de ensino. Agora com a compra da UniAmérica, a startup poderá abrir um número muito maior de cursos, gerando um novo salto em seus negócios.
As universidades e o mercado de trabalho
Sinais como esses demonstram que as universidades tradicionais precisam se redesenhar, com uma maior colaboração dentro e fora de seus campi. Seus silos de conhecimento devem ser quebrados e integrados, pois é a união de disciplinas que tem o real potencial de entregar valor para estudantes e para a sociedade. Além disso, elas precisam construir relações mais profundas com as comunidades em que estão inseridas, atuando diretamente para responder a demandas locais de formação e desenvolvimento.
O Brasil tem taxas preocupantes de desemprego e informalidade no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a nova economia tem centenas de milhares de postos disponíveis que não conseguem ser preenchidos por falta de mão de obra qualificada. Muitos esforços têm surgido nas universidades para mudar essa realidade, mas eles ainda não são suficientes. Algumas universidades brasileiras já têm se transformado nos últimos anos para oferecer sua tradicional qualidade de ensino construída ao longo de décadas adaptada ao que estudantes e mercado buscam. Como exemplos, temos as tradicionais PUCRS, Unisinos, Insper, Saint-Paul, Fundação Dom Cabral e PUCPR, que vêm oferecendo cursos que muito mais se parecem com uma startup do que com a sala de aula comum que conhecemos das universidades. Iniciativas da PUCPR como
Pós-Digital,
Slash Education,
Pós-Flex e
Hotmilk Academy buscam suprir as necessidades de flexibilidade, custo, tempo, acessibilidade e habilidades da nova economia.
Outra prática muito importante para universidades tradicionais é a criação de conselhos nos quais haja a participação ativa de empresas. Essa é uma prática que temos adotado com muito sucesso na PUCPR. Ouvir os executivos do mercado ajuda na orientação de currículos e práticas mais adequadas às necessidades atuais da sociedade. Isso aumenta a empregabilidade, reduz taxas de turn over nas empresas e traz para as universidades a oportunidade para estudantes conhecerem a cultura das empresas que estão em seu entorno. Este movimento traz a oportunidade para que empresas e universidades criem juntos. A universidade não é o início, e as empresas não são o fim. Elas são início, meio e fim juntas. Essas instituições precisam entender que essa relação é de extremo valor para possibilitar o desenvolvimento sustentável de nossas comunidades.
Para que essa caminhada seja possível, as universidades precisam se abrir. Devem ouvir mais. O que está posto não está completamente errado, mas não é suficiente.