O TSE lançou no final de setembro um edital chamado Eleições do Futuro 2020.
Fernando Bittencourt Luciano
Fernando Luciano é diretor da Hotmilk, ecossistema de inovação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), professor e pesquisador da área de Biotecnologia também na PUCPR. Graduado em Farmácia e Bioquímica de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também é doutor em Food and Nutritional Sciences pela Universidade de Manitoba, no Canadá, onde foi bolsista do governo canadense. Atuou também como pesquisador no Guelph Research and Development Centre, no Canadá, e como docente convidado na Universidade de Valência, na Espanha. No campo do empreendedorismo, é CEO do NASSLE Group, focado em P&D, sua terceira startup.
O mês de novembro começou intenso e tenso, pois o destino político da nação mais poderosa do mundo estava para ser decidido. As eleições americanas talvez nunca tenham sido tão polarizadas, e o resultado precisava sair em meio a uma pandemia com cédulas de papel entregues por correio. Que paradoxo é esse? O país do Vale do Silício, de Harvard e MIT, da Apple, Google e Microsoft tem seu destino decidido na boa e velha caneta. Antes mesmo do início do processo eleitoral, o barulho sobre possíveis fraudes era enorme. O resultado foi definido depois de muitos dias, com os olhos do mundo atentos à vitória de Joe Biden. Mas o resultado ainda deve parar nos tribunais e só saberemos o real final da história daqui a algum tempo.
Enquanto isso, em terras tupiniquins, estaremos nos deslocando nesse domingo (15) para as zonas eleitorais de nosso país continental para eleger os governantes municipais. Os números divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são significativos: 147 milhões de eleitores, 550 mil candidatos, 2 milhões de mesários e milhares de seções distribuídas nos 5.568 municípios brasileiros. É preciso lançar mão de uma verdadeira tática de guerra para realizar a logística das eleições, que possuem um montante aprovado de R$ 1,28 bilhão pela Lei Orçamentária Anual. Um dos grandes custos de nossa eleição se refere, justamente, a uma inovação brasileira que já está completando 24 anos: a urna eletrônica.
O Brasil é pioneiro e referência no voto eletrônico. Ao mesmo tempo, ainda que mundo e tecnologia tenham mudado muito nos últimos 20 anos, os processos eleitorais ao redor do planeta não parecem ter se transformado tanto assim. Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, apresentou para a sua equipe o desafio de trazer mais criatividade e ousadia às eleições, pensando em um projeto de longo prazo.
“Vamos investir energia no projeto das eleições do futuro. O nosso sistema de urnas eletrônicas é inovador, revolucionário e mundialmente admirado, mas custa caro. Temos quase 500 mil urnas que precisam ser repostas periodicamente e isso custa muito dinheiro. Então, já estamos pensando em mecanismos para baratear o custo das eleições da perspectiva da Justiça Eleitoral. Portanto, vamos investir tempo e energia em mecanismos de utilização de ferramentas que as pessoas já possuem, como celular, tablet ou computador pessoal. Alguns países do mundo já adotam esse modelo a distância. E nós vamos aprender o que tem sido feito mundo afora e desenvolver nossas próprias tecnologias”, disse Barroso em uma coletiva de imprensa no fim do primeiro semestre.
Com a missão em mãos, centros de inovação do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) se uniram para definir o escopo de necessidades e buscar alternativas tecnológicas no mercado. Em um processo de inovação aberta que é regido por regras públicas, o TSE lançou no final de setembro um edital chamado Eleições do Futuro 2020, que busca conhecer empresas que possuam soluções tecnológicas capazes de:
Identificar o eleitor;
Contabilizar o voto do eleitor identificado apenas uma vez, evitando que a mesma pessoa vote duas vezes;
Garantir o sigilo do voto;
Possuir mecanismos de transparência e auditoria.
Nesse edital, foram selecionadas 26 empresas de base tecnológica que irão apresentar suas soluções ao público geral no próximo domingo (15), nas cidades de São Paulo, Valparaíso de Goiás e Curitiba. Os visitantes poderão votar em candidatos fictícios e a Justiça Eleitoral irá acompanhar o processo para avaliar as soluções.
Para entender um pouco mais esse movimento de inovação aberta do TSE, conversei com Celio Wermelinger, assessor da Secretaria de Modernização do tribunal. Ele conta que há uma preocupação muito grande com o sigilo e a segurança do processo eleitoral, e que o desenvolvimento das urnas eletrônicas ocorreu internamente, mas que teve apoio de outras instituições, como a Agência Brasileira de Inteligência e Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer.
“A inovação está na veia da Justiça Eleitoral brasileira. Nós sempre observamos nossos problemas e fomos resolvendo com soluções internas, mas isso nunca foi muito bem estruturado dentro do TSE. Quando o ministro Barroso assumiu a presidência, ele criou uma Secretaria de Modernização, unindo-a com a já existente Secretaria de Gestão Estratégica e Socioambiental. Estamos criando dentro da secretaria uma estratégia de inovação com apoio de regionais que possuem laboratórios de inovação, como o TRE-PR. Essas unidades irão formar o ecossistema de inovação da Justiça Eleitoral. Esse é um projeto que está diretamente com a presidência”, comenta Wermelinger, que é gerente técnico desse projeto.
A ação deve ocorrer por um longo prazo e antes de ser iniciada, e Barroso vai firmar um acordo com os dois próximos presidentes do TSE, Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes, sobre a importância desse projeto ser de Estado e não de mandato. O desafio da Justiça Eleitoral é utilizar dispositivos comuns de mercado, mas garantir a segurança das urnas atuais, “que não são 100% seguras, pois esse é um número impossível de alcançar quando se trata de tecnologia da informação, mas a arquitetura de segurança da urna eletrônica busca inviabilizar a fraude, além de detectá-la”, diz Wermelinger.
As urnas possuem dispositivos físicos (hardware) de segurança e, se o eleitor for utilizar seu próprio celular ou tablet para votar, a segurança precisa se dar totalmente por meio de softwares. Esse é um grande desafio se o objetivo for ter segurança equivalente ao sistema vigente, uma vez que o software atual só funciona nas urnas e as urnas só funcionam com esse sistema. A urna eletrônica é um objeto com um único fim. Celulares e tablets usam softwares de jogos, vídeos, bancos, mídias sociais, comunicação, entre outras milhares de utilidades. Votar seria mais uma delas.
Nesse momento, o grupo de inovação formado por integrantes do TSE e de TREs estão trabalhando com métodos como design thinking para explorar ideias encontradas na literatura e no mercado para verificar o que o mundo online pode oferecer.
“Um primeiro resultado desse trabalho é a demonstração de soluções que será feita no próximo domingo (15)”, relata Celio. Nesse movimento, a Justiça Eleitoral quer aprender com o eleitor quais são suas percepções sobre a votação online. Uma das grandes preocupações ainda é a coação, um problema em nosso país e pode ser aumentado caso o cidadão possa votar com seu dispositivo de qualquer local. Para isso, ainda é necessária muita criatividade para mitigar qualquer risco.
Enquanto o voto online ainda não é realidade, outras inovações já estarão disponíveis para o eleitor, como a justificativa de ausência na votação de maneira eletrônica pelo aplicativo do e-Título. Segundo Claudia Afanio, servidora do TRE-PR, o app é capaz de usar geolocalização para saber que o eleitor está distante de sua zona eleitoral, permitindo que a justificativa seja feita pelo celular.
Futuramente, a tecnologia também não utilizará a biometria existente no celular, garantindo maior segurança. Wermelinger diz que nas eleições de 2022 o eleitor deverá registar um pequeno vídeo de sua mão que será reconhecido pelo banco de biometria da Justiça Federal, o maior banco biométrico do Brasil. O aplicativo do e-Título foi desenvolvido por outro laboratório regional de inovação, pertencente ao TRE do Espírito Santo. A tecnologia também estará a serviço do cidadão para responder a dúvidas por meio de chat bots pelo telefone (61) 9637-1078, que poderá ser acessado por mensagens de WhatsApp.
Para o cidadão que quiser conhecer as inovações apresentadas na capital paranaense, as visitas ocorrerão das 10 às 15h nos blocos amarelo e azul da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), no bairro Prado Velho. As empresas selecionadas foram Claro, Fidelity Mobile, Indra Company, Servix Informática, VSoft, Nova Opção Representação, Exsis, Perseu Software, Instituto Nacional de Excelência em Políticas Públicas (INEPP) e Lever Tech.
Os trabalhos de inovação no TSE e nos TREs não devem parar após as eleições, sob a luz do tripé “sigilo, segurança e eficiência”. O controle da solução ainda permanecerá com o TSE. Mas que a integração de outro tripé, composto por “governo, mercado e academia”, gere muitos frutos a fim de trazer processos mais convenientes para o cidadão e mais leves aos cofres públicos.