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Por Eduardo Oliveira Agustinho*

Confiança mútua

O Nó de Salomão do Marco Legal das Startups

10/12/2020 19:12
Os economistas Robert D. Cooter e Hans-Bernd Schäffer realizam
interessante abordagem sobre os desafios para o desenvolvimento socioambiental,
a partir da metáfora do Nó de Salomão, apresentando-a como uma resposta ao que
eles denominam de “dilema da confiança mútua”.
Esse dilema nada mais é do que a dificuldade das pessoas em realizarem
negócios em ambientes de incerteza. O efeito negativo da desconfiança recíproca,
que advém da incerteza, por sua vez, inibe oportunidades de negócios e a oferta
de novos produtos e serviços, dificultando o desenvolvimento econômico e social
em diversos países onde esse dilema prevalece.
Na perspectiva desses dois autores, o direito, em sentido amplo, e a
lei, em sentido mais específico, podem servir como instrumentos para o
desenvolvimento, permitindo a superação do “dilema da confiança mútua”.
O direito, portanto, seria como o Nó de Salomão, um nó marítimo popular entre os navegadores, conhecido justamente pela segurança que a sua amarra propicia no enfrentar de marés e tempestades.
Essa metáfora é usada por Robert D. Cooter e Hans-Bernd Schäffer de
forma proposital. Os autores comparam o ambiente de temores e incertezas que
pairavam sobre os capitães de caravelas e galeões na era das grandes navegações
aos mares revoltos de incerteza presentes nos ambientes de inovação tecnológica
que circundam as startups nos dias de hoje.
Dentro dessa perspectiva, o direito e a lei podem vir a servir de Nó de
Salomão para os aventureiros da tecnologia atual, na mesma forma como os nós marítimos
propiciavam segurança para os aventureiros da era das navegações.
A metáfora trazida por esses autores é extremamente oportuna para o momento atual, no qual se encontra em vias de votação pelo Plenário da Câmara de Deputados o Marco Legal das Startups e do empreendedorismo inovador (PLP 249/2020). A grande questão que se coloca, e que é o objeto da nossa fala nesse momento, é a seguinte: existe realmente a necessidade de um marco legal para as startups?
Para podermos contribuir para a compreensão da importância do assunto que
se encontra em debate no nosso legislativo, propomo-nos à trabalhá-lo a partir
de duas outras questões base, que nos auxiliam na resposta para essa pergunta
maior, sobre a necessidade desse regime jurídico próprio.
A primeira questão seria: Por que as startups justificariam um sistema
legal próprio para si? Isso nos leva à segunda questão: Quais seriam os pontos
de atenção em uma política pública para as startups, caso ela seja realmente justificável?
No tocante à justificativa em si, para a existência de um marco legal para as startups, a própria narrativa proposta por Robert D. Cooter e Hans-Bernd Schäffer já pode ser apresentada como referência para demonstrar a sua importância. Afinal, o direito e a lei podem permitir a redução do ambiente de incertezas e induzir o desenvolvimento.
Vale, contudo, somar-se à essa visão mais abrangente, as observações provenientes de estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, que apontam que, nas economias contemporâneas, o modelo de operação das startups são essenciais na criação de novos empregos, no aumento de produtividade agregada e na difusão tecnológica e do conhecimento. Além disso, sob o aspecto, tanto de oportunidades de trabalho, como de empreendedorismo inovador, as startups são socialmente mais inclusivas que as empresas tradicionais.
Nesse contexto, considerando que existe no Brasil atualmente, segundo números da Associação Brasileira de Startups, 13.364 empresas dessa natureza, sendo o Paraná o quinto estado em número de startups, um sistema legal para impulsionar esse ambiente se apresenta como algo efetivamente propício e digno de incentivo em sua aprovação.
Contudo, uma outra questão também precisa ser enfrentada nessa avaliação. É preciso se considerar o custo-benefício social de uma política pública para as startups. Afinal, nem todas as startups se convertem em unicórnios!
Faria então, sentido, destinar esforços para o incentivo público a esse
ambiente, para que, ao final, apenas algumas poucas startups se configurem como
negócios de sucesso? Pode-se ir além nessa dúvida. Justifica-se esse
investimento de esforços públicos sem que seja possível direcioná-los, já que
não é viável identificar quais empresas ou mercados serão os mais promissores? Neste
aspecto, entende-se que a mensagem que deve prevalecer envolve a importância da
oportunidade da experimentação. Esse é o ponto de atenção!
Uma vez compreendido, e demonstrado por diversos estudos, que um ambiente com a participação de startups é propício para a criação de novos empregos, para a profusão de novos produtos e serviços, para a difusão tecnológica e para o aumento da produtividade, tem-se que esses atributos, por si só, já justificam uma política pública específica como o marco legal das startups.
Desse modo, o fato de que nem todas essas empresas inovadoras virão a se tornar unicórnios, em verdade, não traz prejuízo algum à proposta. Em verdade, para que algumas flores possam florescer, há que se cultivar! É nesse contexto que cabe ao Estado, na mesma forma como já ocorre com as microempresas, proporcionar mecanismos legais para a facilitação da criação de um ambiente propício ao empreendedorismo inovador e ao florescimento de startups.
É exatamente em um ambiente favorável ao empreendedorismo inovador que
será possível a experimentação. Empreendedores de potencial sucesso poderão,
literalmente, experimentar estratégias e tecnologias enquanto se capacitam e se
habilitam para que seus negócios possam ganhar escala, pivotear, ou
declinar, em um ciclo de virtuosidade coletiva, pontuado por sucessos e
insucessos individuais.
Um exemplo nesse mesmo sentido, que tem tido resultados significativos,
vem da experiência italiana. Os italianos estabeleceram para as suas startups
um sistema legal próprio, buscando, sobretudo, reduzir as formalidades
registrais para a constituição de empresas, provendo regimes jurídicos
especiais para relações trabalhistas e de acesso à crédito, desenhando modelos
tributários de incentivos fiscais para investidores e para a constituição de garantias
públicas para empréstimos bancários para negócios inovadores.
Indo nesse mesmo sentido, o marco legal das startups brasileiro, que está prestes a ser votado, traz expectativas promissoras para o empreendedorismo nacional no fechamento de um ano tão árduo para todos nós. Uma das principais inovações propostas pelo marco legal brasileiro envolve a facilitação no emprego de Sociedades Anônimas por startups, além de permitir que essas possam divulgar seus balanços e demais informes financeiros legais exclusivamente na internet.
Na mesma linha de pontos de atenção observados pelos legisladores
italianos, o marco legal brasileiro procura, dentre outros avanços, estabelecer
um regime de tributação especial de startups. Ainda, dentro de uma preocupação
bem pertinente à realidade brasileira, estabelece-se a proibição de que
investidores de startups respondam com seus patrimônios pessoais no caso dos
empreendimentos malsucedidos, bem como a criação de um rito sumário de abertura
e fechamento dessas empresas.
Em suma. Os pontos de avanço trazidos pelo marco legal proposto são muito
positivos e tendem a trazer meios efetivos para a superação do dilema da
confiança mútua e para o florescer de novos negócios nesse ambiente no país. De
outro lado, uma questão que merece debate, e que trazemos aqui como provocação,
envolve o seguinte ponto: quais startups justificam essa política pública? A
pergunta é complexa, senão polêmica.
O debate que se provoca, em verdade, passa pela delimitação de quais
empresas seriam consideradas eleitas para terem acesso a esse mundo
diferenciado proposto pelo marco legal? O conceito de startup em si já é um
ponto altamente passível de compreensões distintas. Mas e para o direito e para
a lei? Qual startup é merecedora das vantagens propaladas pelo marco legal?
O caminho ideal seria o da abrangência, permitindo o maior acesso ao
máximo de empreendedores inovadores possível? Ou se faz necessário delimitar
para que a política pública seja mais assertiva a um propósito de
desenvolvimento tecnológico nacional? A resposta depende de uma gama complexa
de premissas e propósitos.
Na proposta atual, que seguirá para votação, optou-se por um conceito abrangente com relação ao escopo de atuação, de forma que “são enquadradas como ​startups as organizações empresariais, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”. De outro lado, estabeleceu-se um limite temporal, de dez anos, e um limite financeiro, de 16 milhões de reais por ano, para a preservação do enquadramento. Vencidos os limites de tempo ou de faturamento a startup passa a ser uma empresa sem direito aos benefícios do marco legal.
O questionamento que se apresenta como provocação tem relação com os
princípios que são norteadores do próprio marco legal proposto. Dentre esses,
destacam-se a valorização do empreendedorismo inovador e o incentivo à
constituição de ambientes favoráveis ao empreendedorismo inovador.
Nesse aspecto, vale destacar que é importante, para a criação de um ambiente propício à inovação, o incentivo à cooperação entre empresas e universidades, visando o desenvolvimento de pesquisas conjuntas. A partir dessa perspectiva, o modelo de incentivo às startups italianas, por exemplo, estabeleceu como critério para o enquadramento em seu marco legal, a realização de ao menos um de três requisitos, quais sejam: a) destinar pelo menos 15% de seus recursos para a área de pesquisa e desenvolvimento; b) ter um terço de seus colaboradores doutores ou doutorandos e/ou dois terços de seus colaboradores com título de mestrado; ou c) ser titular, depositária ou licenciada de uma patente; ou ser proprietária/autora de um software registrado.
Trata-se de indicadores simples, mas que cumprem um importante papel de indutores do relacionamento entre as universidades e as startups, e de valorização da cultura da pesquisa, desenvolvimento e inovação.
O legislador brasileiro, por sua vez, não trouxe algo nesse sentido na proposta para votação. Ao menos não de forma expressa no texto do marco legal. Mas nada impede que algo nesse sentido possa ser previsto no detalhamento do regime tributário diferenciado a ser estabelecido futuramente.
Afinal! Considerando-se os vetores maiores da justificativa de um marco legal para startups seria oportuno se estabelecer algo nesse sentido na política pública para o empreendedorismo inovador. Mas retomemos o mais importante: que venha o marco legal das startups, nosso Nó de Salomão! Que venham os unicórnios brasileiros!
*Eduardo Oliveira Agustinho, advogado e doutor em Direito Econômico e Socioambiental, foi decano da Escola de Direito da PUCPR e atualmente é diretor do iPUCPR.