Guilherme Pessoa*
Mercado financeiro
Principais aprendizados para as equipes de finanças no primeiro semestre de 2023
O ano mal tinha começado quando o escândalo de inconsistências contábeis nas Americanas veio à tona. Paralelamente, notícias sobre onda de demissões em empresas do Brasil e do mundo iam ao ar diariamente, preocupando trabalhadores do setor de tecnologia e empreendedores, que viam suas oportunidades de receber investimentos diminuindo cada vez mais por conta do cenário desfavorável.
Pouco tempo depois, o Silicon Valley Bank, principal banco das startups, quebrou. O primeiro semestre de 2023 foi desafiador para os times de finanças e ficou claro que, mais do que saber passar por momentos turbulentos, é preciso encontrar soluções para que os mesmos problemas não voltem a acontecer.
Pensando em como foram esses primeiros meses do ano, separei o que considero como sendo os principais aprendizados para a área financeira e para os times de finanças até agora.
Cultura analógica é um risco para o setor financeiro
Os dados confirmam a importância de automatizar o dia a dia do setor financeiro. De acordo com estudo da EY, 59% dos recursos do departamento financeiro são gastos em processos manuais. Outro estudo, o ‘The future of finance function’, apontou que os volumes de dados estão crescendo pelo menos 63% ao mês nos departamentos, e 66% dos profissionais da área acreditam que a incapacidade de lidar com a variedade e o volume de novos dados é uma séria ameaça para o futuro da função.
Fazendo uma retrospectiva, não é raro encontrarmos casos de empresas que perderam fortunas por conta de erros em planilhas, tendo como grandes dificuldades a manipulação por mais de um usuário ou equipe e o grande volume de dados a ser gerenciado.
Em 2012, a financeira JP Morgan sofreu com a perda de dados de uma planilha devido a não identificação de um erro de “copiar e colar”, o que levou a mais de 6 bilhões de dólares perdidos na bolsa de valores de Londres. Em 2005, a Kodak perdeu 31% do valor de suas ações na bolsa devido a um erro de digitação de alguns “zeros” a mais em uma planilha. Em 2003, a empresa canadense de energia TransAlta viu seu patrimônio líquido ser reduzido em 10% da noite para o dia, com a perda de US$ 24 milhões, também por causa de uma ação de “copiar e colar”. Não é grave imaginar que ainda estamos sujeitos a erros que aconteceram há 20 anos, em um mundo muito menos digital do que o de agora?
Ou seja, já está claro que o gerenciamento das finanças guiado por uma cultura analógica pode trazer riscos. No longo prazo, esses riscos são capazes de comprometer o equilíbrio financeiro de um negócio. Erros de preenchimento das planilhas, por exemplo, podem comprometer a qualidade de projeções, transparência dos dados e os processos de compliance. Há também o famoso 'barato que sai caro', já que se a empresa tem gargalos financeiros e sofre com problemas com a perda de prazos junto a órgãos fiscalizadores e fornecedores, ela fica sujeita a multas, autuações e aumento do custo produtivo do negócio.
Tecnologia como aliada para times de finanças mais estratégicos
Recentemente, a Dattos consolidou informações sobre a operação em 2022 e concluiu que a plataforma de automação ajudou a identificar mais de R$ 130 bilhões em inconsistências financeiras em grandes empresas só no ano passado. Acho essa descoberta interessante pois ela pode dar a impressão de que o encontro de inconsistências é um problema. Porém, é exatamente ao contrário: o grande problema é não encontrar essas divergências.
Quem trabalha no setor financeiro sabe que inconsistências podem surgir. Detectá-las e corrigi-las rapidamente é imprescindível para a governança das empresas. Porém, essa tomada ágil de decisões só é possível quando as equipes não estão sobrecarregadas por atividades manuais, como citei no primeiro item. Nesse sentido, automatizar essas tarefas é um caminho essencial.
Além disso, é impossível saber se um negócio está, de fato, tendo um bom desempenho se a análise é feita em cima de dados pouco confiáveis. Uma empresa que tem o controle financeiro bem mapeado é capaz de usar seus profissionais de forma estratégica para as tomadas de decisão e tem uma visão melhor sobre o real cenário das operações. Evitar a perda de recursos financeiros pode significar a manutenção de empregos, por exemplo.
Analista financeiro, ou melhor, analista de dados
Para os próximos cinco anos, uma das minhas perspectivas é de que o analista financeiro se torne um analista de dados. Ou seja, deixe de ser apenas um especialista técnico na área de finanças e consiga lidar e analisar estrategicamente volumes e diversidade de dados com o uso da tecnologia.
Os segmentos financeiro, contábil e fiscal ainda têm um longo caminho a percorrer, não apenas no Brasil, como em toda a América Latina. As grandes empresas e seus profissionais precisam estar preparados para a transformação digital em curso, aprimorando seus conhecimentos em tecnologias como data analytics, big data e machine learning. Unir a expertise humana com o avanço tecnológico é um dos caminhos para se manter resiliente diante de cenários complexos - porém, acredito que os primeiros meses de 2023 deixaram claro que, mais do que desejável, essa união já é imprescindível para a preservação da saúde financeira e do bem-estar de empresas e trabalhadores.
*Guilherme Pessoa é CEO e cofundador da Dattos.