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Henrique Foresti, o Mineiro, à esquerda, com um grupo de alunos em frente à arena de robôs no Festival Rec 'n' Play, em Recife. Crédito: Divulgação.

Marcelo Gripa

Marcelo Gripa

Marcelo Gripa é jornalista, especialista em comunicação corporativa e co-fundador da Futuros Possíveis, plataforma que gera discussões e inteligência sobre futuros.

Robótica

O professor que ensina robótica contra as amarras do mercado de tecnologia

27/10/2023 15:26
Na última sexta-feira, 20, caminhei pelas ruas do Recife com Henrique Foresti, mais conhecido como Mineiro, rumo a uma arena de robôs. Não era uma sexta-feira comum. Era dia de Rec 'n' Play, festival que busca ligar a população local às questões da tecnologia por meio de palestras, debates e inúmeras atividades artísticas gratuitas que acontecem em um bairro histórico da capital pernambucana. O tema da edição deste ano (pontes para conectar as margens) não poderia ser mais propício para a conversa que tivemos.
Mineiro é pesquisador e professor na CESAR School, escola de inovação sediada em Recife e integrante do Porto Digital, um dos maiores parques tecnológicos e ambientes de inovação do país. Ele acredita que o aprendizado de tecnologia, especificamente robótica e programação, é o caminho para "libertar" as pessoas da concentração do mercado.
"Se a tecnologia for feita por um único grupo e ficar nas mãos de poucas pessoas, estas poucas pessoas vão dominar as que ficarem de fora", diz.
O professor leciona a disciplina de Sistemas Digitais, voltada para os cursos de Design e de Ciência da Computação, nas quais os alunos da graduação desenvolvem dispositivos eletrônicos e robôs para finalidades variadas.
"Aqui na CESAR School, os designers aprendem a programar e os cientistas da computação pesquisam sobre as emoções que os robôs causam nas pessoas", conta. "Ao aprender como a tecnologia funciona, eles podem criar suas próprias startups e competir no mercado", completa.
Mas, nem todo mundo pensa assim. Na percepção dele, é difícil encontrar eco para levar a mensagem do aprendizado da robótica adiante. Segundo Mineiro, que se considera um entusiasta da tecnologia cujo propósito é "fazer transformação social com cultura, arte e tecnologia", as pessoas ainda não enxergam valor na robótica, e os investidores estão mais interessados em aportar dinheiro em projetos cujo retorno financeiro é mais visível.
Nesta entrevista, Mineiro compartilha a importância de incluir os jovens no mundo da tecnologia, fala sobre a humanização da robótica e defende a missão de levar o tema a todos os cantos e para todos os tipos. "Quando chegamos a uma escola ou comunidade, a principal dificuldade é as pessoas entenderem que a tecnologia é para elas", afirma.
De olho no futuro: Qual a importância de ensinar robótica para jovens?
Mineiro: A tecnologia pode tornar as pessoas reféns das condições de mercado se for desenvolvida por um único grupo. Se ela ficar nas mãos de poucas pessoas, estas poucas pessoas poderão dominar as que ficarem de fora, e isso encareceria o acesso aos produtos, por exemplo.
Quando ajudamos os estudantes a desenvolver sistemas, eles aprendem como aquilo funciona e não ficam reféns, porque sabem como ela é feita. Assim, se tornam capazes de criar suas startups e competir no mercado, como já fazem. É um trabalho que começamos em 2010 e reverbera até hoje.
De olho no futuro: Quais são as dificuldades de levar esse propósito adiante?
Mineiro: O receio é a primeira barreira. Quando chegamos a uma escola ou comunidade, a maior dificuldade é as pessoas entenderem que a tecnologia é para elas, por isso a arte e a cultura são tão importantes.
Gerar pertencimento é essencial para elas verem que têm capacidade para isso. A partir do momento em que o aluno perde este bloqueio, ele tem muitas ferramentas para avançar, inclusive de forma autônoma.
Como pesquisador, a principal linha à qual me dedico é a robótica educacional, pela qual fazemos uma transformação social. Vamos para as escolas, ensinamos as pessoas a fazerem robôs, a entrarem em competição e, assim, mostramos que a robótica é fácil e acessível para todo mundo.
Geralmente, participamos de competições sofisticadas, que demandam investimentos, mas queríamos uma forma de incluir os estudantes do ensino fundamental, que não têm condição financeira. Foi então que criamos uma competição chamada Buzzline, a partir de um robô que custa R$ 250. Com esse investimento, é possível participar de uma competição de robótica. Vamos atrás de parceiros em busca de doações desses kits, vamos às escolas, levamos os robôs e ensinamos como fazer. São pessoas e empresas desenvolvendo, juntas, esta transformação social.
De olho no futuro: Como se desenvolve um projeto de robótica?
Mineiro: É muito difícil desenvolver um produto com foco específico de mercado. As competições servem justamente para nos dar objetivos além de um projeto de gaveta, porque temos prazo a cumprir.
As grandes empresas de robótica no mundo, inclusive, nasceram de competições. Depois disso, fazemos um estudo, que une a tecnologia ao design, para saber como o robô deve existir para interagir e qual emoção ele vai provocar nas pessoas. 
São várias etapas de desenvolvimento, e o tempo de duração é muito relativo. No Brasil, 99% dos projetos de robótica são feitos sem linhas de investimentos. As pessoas ainda não enxergaram valor na robótica, e os investidores estão mais interessados em aportar dinheiro e saber quanto vão receber de volta. Além disso, temos muita dificuldade em importar peças no Brasil para fabricar produtos de hardware.
De olho no futuro: Na sua opinião, para que serve um robô e o que esperar deles daqui para frente?
Mineiro: Os robôs servem para atividades que colocam o ser humano em risco, por exemplo, soldar e dirigir carros. Também serve para fazer cirurgias. Por exemplo, há um robô que permite operar o coração enquanto ele está batendo ou, também, para fins de entretenimento.
Fato é que os robôs já estão entre nós. Eles estavam isolados nas linhas de produção das empresas e não precisavam interagir com ninguém. Hoje, estão operando com as pessoas. Agora, mais do que ser rápido ou produtivo, é preciso ter uma boa interface. A robótica emotiva - que lida com as emoções que os robôs provocam nas pessoas - é muito mais importante neste sentido do que a engenharia.