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A falta de aulas de programação e robótica nas escolas levou ao surgimento de instituições particulares focadas em formar alunos em ciência e computação.

Marcelo Gripa

Marcelo Gripa

Marcelo Gripa é jornalista, especialista em comunicação corporativa e co-fundador da Futuros Possíveis, plataforma que gera discussões e inteligência sobre futuros.

Aprender a programar

Competência do futuro: como é o ensino de programação para crianças e adolescentes

12/09/2023 19:16
O ano era 2013 quando o então presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou uma iniciativa para ensinar programação a milhões de alunos. A meta da campanha Hour of Code (Hora do Código) era fazer com que 90% das escolas no país incluíssem linguagens de códigos nas disciplinas. “Aprender a programar não é só importante para o seu futuro. É importante para o futuro do País", disse Obama à época, com o endosso dos titãs da tecnologia Bill Gates e Mark Zuckerberg. Uma década depois, mais de 100 milhões de pessoas, em 180 países, já foram atendidas pelo programa.
No Brasil, porém, o tema continua subdesenvolvido, tanto nas escolas quanto no mercado de trabalho. O déficit de profissionais de tecnologia é um gargalo apontado pelas empresas do setor. Pesquisa recente feita pelo Google, em parceria com a Associação Brasileira de Startups, calcula que, até 2025, faltarão 530 mil profissionais na área. Segundo a big tech, a falta de habilidades digitais posiciona o Brasil em um ranking indigesto: somos o terceiro país do G20 que mais desperdiça oportunidades de aumentar o PIB (produto interno bruto).
O Google lista a defasagem do ensino do pensamento lógico como um dos motivos que levam à escassez de profissionais no setor. De acordo com um estudo feito em 2022 pelo Instituto Locomotiva com a PwC, apenas 15% das escolas brasileiras preveem ao menos uma aula de programação e robótica, embora essas sejam competências importantes para obter bons trabalhos em uma economia cada vez mais movida à tecnologia. Nas escolas públicas, a lacuna é maior (13%) contra 21% nas instituições particulares.
A Política Nacional de Educação Digital (Pned) se dedica ao fomento das competências digitais na educação. A lei 14.533 prevê a obrigatoriedade da inclusão de aulas de robótica e programação como disciplina nos ensinos fundamental e médio, mas o trecho foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diante de conflito com as regras existentes e do fato de esta ser uma competência do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão que integra o Ministério da Educação (MEC).

Como é o ensino de programação

A falta de aulas de programação e robótica nas escolas levou ao surgimento de instituições particulares focadas em formar alunos em ciência e computação.  No caso da Supergeeks, que se considera a primeira escola do tipo no país voltada a crianças e adolescentes, o curso pode durar até 10 anos, e as aulas são indicadas a partir dos cinco anos de idade e seguem até o ingresso na faculdade. O valor a ser desembolsado por ano para estudar nesta escola é de R$ 4.380, além das despesas com matrícula e materiais didáticos.
Como explica Luiz Flávio Oliveira, diretor da SuperGeeks localizada no bairro do Alto da Lapa, em São Paulo, a metodologia para o ensino da programação a crianças e adolescentes é baseada principalmente no universo dos jogos. "A criação de jogos é o carro-chefe para ensinar programação. Os alunos escolhem todos os detalhes do jogo, como o  tipo, os diferentes níveis, a velocidade", diz.
O objetivo, segundo ele, é viabilizar a possibilidade de os alunos concluírem projetos rápidos, de forma a engajá-los no tema. Há uma série de aplicativos que facilitam esse processo, como o Construct, que permite a criação de jogos simples em cerca de 1 hora e meia, diferentemente do passado, quando, segundo Oliveira, o processo era muito mais longo.

Para além dos jogos

O ensino dedicado aos mais jovens é focado na lógica de programação, pois programar é, basicamente, dar instruções ao computador. Quanto mais apurado for o comando, melhor será o código. No começo, a metodologia de ensino é lúdica e composta por blocos dentro de jogos para estimular o raciocínio sequencial.
"Um exemplo de desafio é fazer o personagem percorrer um caminho em meio aos blocos, que têm instruções como vire à esquerda e ande duas casas, ou setas e imagens indicadas para crianças ainda não alfabetizadas. A partir disso, o aluno cria uma sequência linear para cumprir o objetivo. É a base da lógica", explica o diretor.
No nível intermediário, indicado para alunos com 12 ou 13 anos, normalmente acontece a "virada de chave", como diz Oliveira. É o momento em que o interesse pelo tema se expande para além da criação dos jogos e passa a abranger a programação em si, quando o conhecimento é visto com utilidade para a vida ou para o mercado de trabalho. Nessa etapa, as aulas incluem a solução de desafios de algoritmos mais complexos, como a simulação da prova da Olimpíada Brasileira de Informática. "É para quem realmente pegou gosto pela programação", resume.
Nos níveis mais avançados, o ensino é baseado em ferramentas profissionais, como a Unity e a Unreal Engine, que são utilizadas para a criação de jogos famosos como a série Mandalorian e a animação do Rei Leão. A montadora BMW também faz uso de plataformas como essas para criar ambientes de realidade virtual e simular as funcionalidades de seus carros. No último estágio do curso, entra a parte de desenvolvimento web, HTML, CSS, PHP, a fim de ensinar o desenvolvimento de sites, bancos de dados e aplicativos de celular.

Os motivos dos pais

De acordo com o diretor, as principais razões que levam os pais a matricular os filhos na escola de programação e robótica estão relacionadas ao interesse de transformar o gosto das crianças pelas telas em conhecimento para além da diversão; o objetivo de prepará-los para as tendências do mercado de trabalho de forma a suprir a carência do ensino dentro das escolas regulares; e o atendimento a uma demanda que vem dos próprios filhos, quando eles demonstram interesse em desenvolver os próprios jogos.
Segundo Oliveira, nem todo aluno que pratica o curso se torna programador. "O nosso objetivo não é formar programadores. A gente acredita que o fato de dominar tecnologia vai ser um diferencial independentemente da área, porque uma coisa é aprender a usar a tecnologia rapidamente, outra coisa é criá-la", diz. E complementa: "na pior das hipóteses, quando eles forem conversar com as áreas de TI nas profissões que escolherem, vão saber o que pedir e o potencial de automatização das atividades realizadas".