Condução de transição
Sucessão empresarial: Conduzindo a transição executiva para preservar o legado com governança e estratégia
A sucessão empresarial, seja em startups ou em empresas familiares consolidadas, é um ponto de inflexão inevitável que determina o futuro do negócio: continuidade estruturada, venda estratégica ou extinção. Em um mercado cada vez mais competitivo e dinâmico, planejar essa transição com antecedência e governança se torna uma questão de sobrevivência corporativa.
Em empresas familiares, a ausência de um plano sucessório é um dos principais motivos de quebra. O processo é complexo e de longo prazo, particularmente quando o fundador está à frente do negócio por décadas. A passagem de bastão de um líder com 30 anos de experiência para um sucessor pode ser o cenário mais desafiador.
Ricardo Urso, sócio-fundador da Urso Consultoria Empresarial e da Urso Capital, aponta que "a principal razão pela qual as empresas quebram é a falta de sucessão". Ele reforça que a sucessão não é uma escolha, mas uma inevitabilidade: "Em algum momento, você precisará estruturar a continuidade, planejar uma venda ou ver o negócio se encerrar. Não há quarta alternativa."
Mantendo a essência do fundador
Para startups e empresas de base tecnológica, onde a figura do fundador está intrinsecamente ligada à essência do negócio, a sucessão pode ocorrer naturalmente através da criação de camadas de governança.
Ricardo Urso cita o caso do EBANX, cofundado por Alphonse Voigt. No EBANX, os quatro fundadores atuaram em posições de C-level por anos, até a empresa alcançar a escala de unicórnio. A transição executiva foi formalizada com a ascensão de Voigt ao cargo de chairman do conselho, enquanto executivos do mercado e talentos internos assumiram posições-chave. Essa movimentação reflete uma tendência crescente em empresas de base tecnológica que buscam equilibrar visão fundadora e profissionalização, especialmente em momentos de IPO ou expansão internacional.
“Esses novos líderes devem ser tanto colaboradores que cresceram na empresa quanto executivos experientes do mercado”, aconselha Ricardo Urso. Este modelo visa preparar a empresa para novos estágios de crescimento, como um IPO. “É um movimento de cadeira necessário para implementar governança e atender a um novo perfil de investidor”.
Desafios e boas práticas
A preparação e o treinamento de um sucessor são etapas críticas. No contexto familiar, a sucessão é mais sensível, pois muitas empresas são de médio porte e possuem colaboradores com uma mentalidade mais tradicional. A resistência e a falta de respeito dos funcionários em relação aos filhos dos fundadores podem ocorrer se a preparação não for adequada.
Ricardo Urso aponta: "Na maioria dos casos, a empresa está no segmento mid-cap, e ela possui um corpo de pessoas que estão há 20 anos, com uma cultura organizacional mais conservadora, o que pode gerar resistência à inserção de lideranças mais jovens, especialmente quando associadas à figura do herdeiro. Já vi vários clientes com o filho tentando entrar nesse cenário e, não raro, as pessoas boicotam os herdeiros".
O consultor aconselha que o sucessor em uma empresa familiar seja preparado desde cedo, com um entendimento profundo de todas as áreas do negócio, desde a operação básica até as decisões estratégicas de alto nível.
"Antes de você achar que seu filho tem capacidade de entrar lá e mandar, invista em sua formação, promova experiências de job rotation e incentive sua imersão em todas as áreas do negócio. Faça ele conhecer a linha de frente", recomenda. Ele observa que muitos pais não preparam os filhos para entender tanto o nível operacional quanto o estratégico. "O equilíbrio é a palavra ideal para que a gente consiga fazer uma sucessão bem feita", sintetiza.
Holding patrimonial como facilitadora
A governança corporativa é um pilar essencial no processo sucessório, conforme Antonio Luiz Urso, fundador da Urso Consultoria. Ele enfatiza a necessidade do compliance para fiscalizar o cumprimento das normas e políticas definidas, garantindo que o sucessor esteja alinhado com as metas e possa prestar contas ao conselho.
Ricardo Urso complementa que planejar a sucessão em vida, por meio de estratégias legais, é crucial. "Deixar para ir para inventário é mais custoso e mais doloroso para quem fica", afirma. Essa antecipação permite ao fundador expressar seus interesses e a visão de continuidade para o negócio que construiu.
Uma das estratégias legais mais eficazes no contexto sucessório, segundo Ricardo Urso, é a constituição de uma holding patrimonial. Essa estrutura permite centralizar as participações societárias da família, organizar a distribuição de cotas entre os herdeiros e viabilizar a doação em vida com cláusulas restritivas, reduzindo os custos do inventário e proporcionando maior previsibilidade tributária.
Complementarmente, Urso recomenda a formalização de um acordo de acionistas, documento que rege as responsabilidades, os direitos de voto, a governança cotidiana e os critérios para tomada de decisão entre familiares cotistas.
No campo das relações interpessoais, entra em cena o protocolo familiar — um instrumento de caráter orientador, mais moral do que jurídico, mas igualmente estratégico. “É nesse protocolo que se definem, por exemplo, se cônjuges podem ocupar cargos no grupo, quais os critérios para herdeiros entrarem na operação e até mesmo as diretrizes de conduta esperadas entre os membros da família empresária”, explica Urso.
Essa blindagem, bastante comum entre grupos com longa tradição empresarial, ainda encontra barreiras culturais em boa parte dos empresários mais experientes. “Muitos fundadores, já em idade avançada, preferem não mexer com isso. Mas deixar para resolver no inventário é sempre mais caro — financeiramente e emocionalmente”, alerta.
Em síntese, a sucessão empresarial exige estratégia, sensibilidade e preparação contínua. Mais do que transmitir o controle, trata-se de perpetuar um legado com inteligência, alinhamento e governança. Como ressalta Ricardo Urso: "o que definirá o sucesso da próxima geração não é o nome que carrega, mas a capacidade de liderar com consistência e gerar valor ao longo do tempo".