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Investimentos em alta, inovação aberta e sustentabilidade são algumas das tendências do agro para os próximos anos. Crédito: Jcomp.

Tendências

No agronegócio do futuro, um olhar para o ESG e um convite à inovação aberta

Maria Clara Dias
Maria Clara Dias
22/12/2023 10:30
Ano após ano, os números envolvendo o agronegócio seguem sendo um chamariz para o potencial econômico de diferentes países da América Latina, onde inúmeras práticas agrícolas e pecuaristas somam cerca de 10% de todo o produto interno bruto (PIB). Apenas no Brasil, a movimentação do setor foi superior a R$ 500 bilhões em 2022, o que corresponde a quase 25% do PIB nacional.
Espinha dorsal da economia brasileira, o agronegócio tem encarado revoluções como nunca antes, especialmente graças à adoção em massa de novas tecnologias. Isso se explica, em partes, pela maior demanda produtiva e pelo caráter inovativo de novos entrantes no segmento.
Diante da maior demanda populacional e o aumento das importações, a aplicação de técnicas mais refinadas e tecnologias capazes de ampliar a capacidade produtiva agrícola também dispara. O contexto serviu de estímulo para a proliferação de pequenas empresas de tecnologia que se dispõem a solucionar problemas estruturais do setor, bem como auxiliar produtores a ampliar a produtividade de suas safras. Elas são chamadas de agtechs - startups do agronegócio.
No Brasil, boa parte dessas empresas está voltada à produção, gestão e gerenciamento, e, também, biotecnologia, setores predominantes entre todas as startups que se dedicam ao setor, segundo dados do AgTech Report 2023, da plataforma Distrito.
O relatório recém-lançado ainda mostra que o protagonismo do Brasil vai além dos indicadores econômicos do agronegócio, e recai também sobre o ecossistema de startups: o país concentra mais de 70% das startups do segmento na América Latina, estatística que ganhou fôlego nos últimos cinco anos, período em que houve um “boom” no número de agtechs fundadas por aqui.
“Quando analisamos uma startup, do ponto de vista de um capitalista de risco, falamos muito em mercado. Costumamos cobrar do fundador de uma startup que ele apresente em seu pitch deck o tamanho do mercado que ele espera atingir com a solução proposta. Portanto, o tamanho do agronegócio no Brasil, no meu entendimento, explica este boom recente”, avalia Luciano Döll, cofundador e CEO da firma de venture capital Inbix, que possui o agro como uma das principais verticais de sua tese.
Mesmo após se tornar o epicentro da revolução tecnológica em voga no agronegócio latino-americano, o Brasil continua diante de diferentes desafios. Um deles é o da digitalização. Ainda que tenha avançado a passos largos nos últimos anos, a conectividade no campo ainda é entrave para que o setor avance.
De acordo com dados do Ministério da Agricultura, cerca de 73% de propriedades rurais ainda carecem de acesso básico à internet. O cenário coloca à prova a capacidade de crescimento de startups que, naturalmente, precisam de um pano de fundo centrado em tecnologia para crescer.
“O 5G, sabemos, será um aliado para equipamentos, IoT, BI. Mas dependemos das empresas de telecomunicação, de políticas públicas e de investimentos para criar essa rede de conectividade”, avalia Cris Alessi, consultora de inovação e transformação digital. “Para que o avanço tecnológico aconteça no agronegócio, a infraestrutura precisa acompanhar essas soluções”.

Cinco tendências para o agronegócio brasileiro do futuro

Veja, abaixo, cinco tendências para o agronegócio do futuro, segundo os especialistas em inovação, transformação digital e venture capital ouvidos pelo GazzConecta.

1. Cultura de inovação

O aspecto cultural é frequentemente citado como um obstáculo para o avanço do que há de mais moderno no agronegócio. Da porteira para dentro, a resistência na adoção de novas tecnologias e adaptação de processos produtivos que compreendam novos padrões podem ser entraves consideráveis. A solução, segundo Döll, além da adaptação assistida de produtores pouco familiarizados com algumas tecnologias, está na mudança cultural por parte das empresas.
“O desafio da cultura da inovação se supera com três medidas: educação, educação e educação”, diz.
É simples: se os ciclos de produtos são mais curtos, significa que a transformação está mais acelerada. Se a transformação está acelerada, é porque hábitos e tendências estão se atualizando constantemente. Só existe um caminho para encarar o desafio de se manter atualizado e atrativo economicamente: estudando mais.

2. Mais inteligente e produtivo

Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, em 2050, a população mundial chegará a 9,7 bilhões de pessoas. Para dar conta desse crescimento, a agricultura latino-americana precisaria inflar sua produção em, no mínimo, 80%.
O cenário coloca em xeque a capacidade do setor de inovar, ampliando a capacidade produtiva com os recursos que tem em mãos. “Para isso, além de inovações incrementais que envolvem melhorias nas tecnologias e metodologias já existentes, precisamos também pensar em inovações radicais e até disruptivas”, pontua Döll, que cita as fazendas verticais como um exemplo de disrupção trazida pelo setor com a promessa de ampliar a capacidade produtiva, solucionando um antigo problema de forma criativa.
A adoção cada vez maior de sistemas dotados de inteligência artificial e recursos como machine learning, drones e sensores inteligentes também podem determinar um novo perfil preditivo e baseado em dados do agronegócio, de olho no aumento da capacidade produtiva e redução de perdas.

3. Cultivando um futuro sustentável

Na visão de quem lida com inovação de maneira contínua, a preservação e conservação do meio ambiente é mais do que uma formalidade: trata-se de uma oportunidade de mercado. Em diferentes indústrias, a busca por coeficientes mais sustentáveis e produtos com menor impacto ambiental tem norteado a escolha de consumidores por seus produtos e serviços de preferência - e, consequentemente, as estratégias corporativas das empresas que se voltam ao público.
No agronegócio isso não é diferente. Grandes empresas estão transformando seus modelos de negócio em busca de cadeias produtivas mais limpas, pautadas em políticas de gestão sustentáveis e, muitas vezes, rastreáveis. Em outra frente, o novo perfil de consumo voltado à transparência e preservação ambiental também tem impulsionado o surgimento de startups que desenvolvem produtos mais sustentáveis ou, ainda, geradoras de tecnologias que auxiliem grandes empresas a criá-los.
Não apenas agtechs, mas startups conhecidas como greentechs, cleantechs, ESGtechs e de Investimento de Impacto têm crescido ao adotar a sustentabilidade como parte de sua estratégia de inovação corporativa. Segundo o Global Impact Investing Network, a estimativa é que o mercado global de investimentos de impacto alcance a impressionante marca de US$ 1,164 trilhão
, ressalta Alessi.
Para além do interesse do mercado, avalia Döll, da Inbix, será necessário que empresas estejam motivadas a adotar novos padrões produtivos por considerarem a sustentabilidade do negócio a longo prazo. Com isso, reconhecer as mudanças no perfil de consumo e nos padrões de tomada de decisão desses consumidores será vital.
“A maioria das empresas estão preocupadas com o curto prazo e o não cumprimento de questões regulatórias. O que precisamos ter em mente é que o perfil de consumo e tomada de decisão do consumidor está mudando”, diz.

4. Inovação aberta

Um dos caminhos para o avanço dessa indústria pode estar na colaboração estreita entre grandes empresas e startups do agronegócio - essa é, também, uma das principais tendências para o futuro, segundo os especialistas.
Tal colaboração se dá por práticas maduras de inovação aberta criadas por grandes corporações, sejam elas por meio de desafios pontuais, investimentos em startups ou até mesmo aquisições de companhias de menor porte. Em comum, todas as iniciativas visam estabelecer uma conexão e a troca de expertises para impulsionar o crescimento de startups e, ao mesmo tempo, desengessar processos em grandes companhias. Ou seja, permitir que essas empresas “bebam” da fonte inovativa das startups.
“As práticas de inovação aberta, cada vez mais presentes, são estratégias para facilitar este processo educacional. Compreender que as soluções não virão apenas a partir da estrutura interna do seu negócio e que também serão fruto de colaborações e parcerias com universidades, startups e outros players é fundamental. Penso que as maiores oportunidades residem nas estratégias de relacionamento e inovação aberta que as corporações do agro podem adotar”, diz o investidor.
Apesar do caráter promissor, os programas de inovação aberta devem ser preparados com cautela, como pontua Alessi. “É preciso preparar o ambiente para a chegada das startups. A busca pela inovação requer colaboração com outras empresas, instituições de pesquisa e startups”, diz.

5. Investimentos em alta

Desde 2017, US$ 650 milhões foram investidos em agtechs da América Latina, segundo dados do Distrito. 2022 foi um ano recorde, com a maior quantidade e volume de deals dos últimos anos. Foram, ao todo, US$ 273 milhões investidos e 74 rodadas. Os números contrastam com o perfil moderado do mercado tradicional de venture capital, que esteve retraído no último ano.
Essa situação, segundo Alessi, pode ser explicada por diversos fatores, entre eles a popularização de pautas relativas à conscientização ambiental (como o aumento do número de consumidores cada vez mais preocupados com a sustentabilidade da produção de alimentos) e o avanço de novas tecnologias com alguma aderência ao dia a dia das agtechs - entre elas, inteligência artificial, blockchain e internet das coisas.
Outra tendência percebida entre as agtechs, mesmo ante os abalos no mercado de venture capital, foi a persistência dos M&As. O fluxo de investimentos para startups do agro especificamente fez com que muitas empresas reconhecessem o período como um a ”janela” perfeita para a oportunidade, adotando aquisições e fusões como uma maneira de ampliar sua presença e se apropriar de novas tecnologias.
Para o futuro, é esperado que os investimentos em agtechs continuem em alta. Um dos motivos para isso, além do potencial tecnológico em curso, está na disposição de investidores a investir em empresas com viés sustentável, de olho na adoção do ESG. Segundo a PwC, 65% dos investidores já adotam uma política de investimento que considere a sigla.
Para as agtechs, a concordância é de que o futuro irá bem além do quantitativo: mais do que auxiliarem na capacidade produtiva da indústria, essas empresas deverão focar no ponto de vista qualitativo, de olho nos bastidores da produção dos alimentos que chegam às mesas dos consumidores, pontua Döll.
A humanidade está mais preocupada com saúde e com hábitos saudáveis. Só este ponto já me leva a crer numa demanda por transformação em processos e produtos”, diz. “Enxergo uma grande transformação no agro e, por consequência, a necessidade de investimento crescente em novas soluções para o setor nos próximos anos.
No horizonte do agro do futuro está, também, a incursão de IA em diferentes áreas. Segundo o Distrito, algumas delas estão ligadas ao monitoramento da saúde das culturas agrícolas, controle e gestão pecuária, monitoramento das condições do solo e água, automatização de maquinário agrícola, entre outros.
“A inteligência artificial está fornecendo soluções agrícolas tecnológicas para colheita, cultivo, fertilização e controle de pragas no agronegócio. Isso é inquestionável”, conclui Alessi.

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