Ação Inovadora
Eficiência e humanização devem ser foco do setor de saúde na retomada pós-Covid
Quando a pandemia de Covid-19 bateu à porta e fez o movimento na clínica do médico Rogério Sakuma cair pela metade, ele decidiu que era hora de reavaliar alguns aspectos da pequena empresa para tentar mantê-la viável. “Não era algo que esperávamos, mas foi bom para revermos o que tínhamos, sairmos da zona de conforto, reorganizarmos os fluxos, otimizarmos o tempo”, conta o angiologista e cirurgião vascular especializado em lesões complexas em Londrina, no Norte do estado.
A partir disso, vieram mudanças: gastos foram revistos, o atendimento remoto foi adotado e uma nova dinâmica para as consultas de retorno foi estabelecida. As ações não evitaram demissões, mas contribuíram para estancar perdas e indicar caminhos para a retomada: aumentar a eficiência da clínica e humanizar o atendimento, proporcionando uma melhor experiência aos pacientes.
As saídas identificadas por Sakuma vão ao encontro do que defendem outros representantes do setor. “Do ponto de vista do negócio em saúde, a palavra-chave para a retomada é eficiência, porque o que a pandemia mostrou foi que as estruturas que não tinham eficiência tiveram muita dificuldade para se manter em pé”, avalia Cristiano Teodoro Russo, presidente do Saúde Londrina União Setorial (Grupo Salus), entidade de governança setorial da região da cidade.
Conforme ele, para conseguirem levar mais saúde de qualidade a um maior número de pessoas com o mínimo de gastos, as clínicas, hospitais e outros estabelecimentos de saúde deverão adiantar inovações planejadas para o futuro e integrar a tecnologia aos seus processos.
A presidente da Associação dos Hospitais do Paraná, Márcia Rangel, concorda: “A pandemia trouxe, para o segmento de saúde, uma antecipação da cultura digital. Um dos exemplos é a telemedicina, que é algo que vinha sendo estudado há muito tempo e agora foi aprovado às pressas”, diz.
Para ela, outros usos da tecnologia no setor que devem se fortalecer a partir de agora são o compartilhamento de dados entre as redes pública e privada, que pode não só tornar mais eficiente a ocupação de leitos, mas identificar demandas a serem atendidas, e o uso de dispositivos diversos para monitorar pacientes - o que já pode acontecer via relógios inteligentes, que receberam aval da Anvisa para funcionarem como monitores de pressão arterial e batimentos cardíacos.
Essa “modernização da saúde” não deverá acontecer sem algumas discussões. No caso da telemedicina, por exemplo, a regulamentação deverá ser reavaliada, assim como os modelos remuneratórios. “Teremos que rever os conceitos da prática clínica para então estabelecer como os instrumentos tecnológicos podem melhorar esse processo”, resume Russo.
Além disso, o aumento de eficiência a partir de inovações deverá ser norteado pela ideia de humanizar o atendimento, melhorando a experiência dos pacientes, que em geral buscam os serviços de saúde em momentos de fragilidade. No caso de Sakuma, a adoção da telemedicina mostrou a ele que o atendimento remoto pode facilitar a vida de alguns pacientes de uma forma que ele nem imaginava.
“Eu tenho paciente que é da zona rural, então eles têm que acordar de madrugada [para chegar à consulta]. Às vezes, eles têm idade avançada e ainda têm que se deslocar para chegar aqui. E nós não damos conta disso. Por isso que, nesse caso da telemedicina, eu tive uma aceitação muito grande. Era algo em que não pensávamos, porque não estávamos autorizados a usar, mas com a realidade da Covid-19, a aceitação disso por esse tipo de paciente foi muito grande”, avalia o médico.
Para os representantes do setor, esta humanização passa também pelo compartilhamento de informações e pela educação em saúde, o que contribui para empoderar pacientes, tornando-os mais aptos a tomar decisões relacionadas a sua saúde. “Na pandemia, o usuário passou a buscar mais informações, porque todo mundo queria saber da doença, da vacina, dos remédios. Então, hoje não basta o serviço pelo serviço, a informação e a educação em saúde ganharam importância”, diz Russo.
Gestão
Outro aspecto dos negócios em saúde que precisará de atenção nesse momento é a administração - e isso implica em uma mudança de mentalidade. “Precisamos de gestão, que é uma coisa que não existe muito bem em saúde”, afirma a gastroenterologista Caroline Saad, que atua como médica e consultora em gestão para o setor em Ponta Grossa.
Isso significa que os profissionais de saúde que atendem em consultórios e clínicas próprios precisam começar a se ver como pequenos empresários, estando atentos aos processos internos e custos de seus negócios - o que não acontece tanto por eles tradicionalmente receberem uma formação que não engloba este aspecto da profissão, quanto por uma resistência de quem trabalha em saúde para se ver como empreendedor. “Existe uma visão de que o empresário é a pessoa que só pensa no dinheiro”, diz a consultora do Sebrae/PR Simone Millan, que trabalha há 10 anos com o setor de saúde de Londrina.
Conforme as especialistas, é a superação desta ideia que vai permitir que a otimização de processos internos e a redução de custos - ou seja, aumento da eficiência. A tecnologia também pode ser uma aliada aqui, com softwares que automatizam tarefas que vão desde o agendamento de atendimentos até a verificação dos pagamentos feitos por planos de saúde. É o caso do SantéMed, que Caroline ajudou a desenvolver. “Você consegue enxugar gastos e até teu corpo de funcionários ou colocá-los em funções que realmente agreguem para o paciente, como um atendimento mais humanizado”, explica a médica.
Além desses pontos, representantes do setor veem uma retomada da indústria nacional para a saúde como essencial para a retomada do setor pós-Covid, já que hoje a saúde é bastante dependente de importação. O desenvolvimento desta indústria reduziria custos e, em alguma situação semelhante à pandemia, evitaria que as clínicas e hospitais enfrentassem a escassez de materiais, como ocorreu no caso da equipamentos de proteção individual, respiradores e até medicamentos.