“Clubhouse tem sua importância, mas está longe de ser uma unanimidade que vai transformar a forma como o mundo consome conteúdo”.
Allan Costa
Allan Costa é empreendedor, investidor-anjo, mentor, escritor, motociclista e palestrante em dois TEDx e em mais de 100 eventos por ano. Co-fundador do AAA Inovação, da Curitiba Angels e Diretor de Inovação da ISH Tecnologia. Mestre pela FGV e pela Lancaster University (UK), e AMP pela Harvard Business School.
Clubhouse: o que a nova rede social nos ensina sobre senso crítico
09/02/2021 16:36
Foi inevitável: com todo o burburinho cercando a Clubhouse, a nova rede social baseada em áudio, tive que me render e criar minha conta de acesso. No mínimo para conhecer e saber o que existe de tão sensacional por lá a ponto de despertar tamanho interesse em tão pouco tempo.
A resposta: uma lição a respeito da necessidade de, cada vez mais, exercitarmos nossa capacidade crítica para viver de forma mais lúcida nesse mundo que se desenha à nossa volta.
Comecemos pelos aspectos positivos. De fato, há novidade e potencial por ali. Em linhas bem gerais, a Clubhouse é estruturada como um amontoado de salas de bate papo, nas quais pessoas se reúnem para debater assuntos diversos. Uma espécie de 145 (disque-amizade) das antigas. O uso exclusivo de áudio é de fato uma novidade, e existem algumas salas com gente realmente muito interessante, com conteúdo de valor debatendo temas relevantes com alguma profundidade. Sim, tem coisa muito boa na nova rede social.
Mas, agora, vamos à análise para além do burburinho. O que encontrei, em 90% das vezes, foi tremendamente chato. Gente que se autodefine como “influenciadores” e “autoridades”, em geral seguidos do complemento “digital”, falando mais do mesmo, com foco predominante em si mesmos, tudo envolto em doses cavalares de autopromoção e egos tremendamente inflados.
E o que isso tudo tem a ver com o tema da coluna dessa semana? A ideia de que, em um mundo que tende a supervalorizar a modinha da vez, apenas o elevado senso crítico pode nos dar alguma direção coerente.
Por exemplo, por que será que uma rede social baseada em áudio, infestada de influenciadores digitais e de gente que vive de vender coisas na internet — nada contra esse tipo de atividade, pelo contrário —, cresceu de maneira tão vertiginosa nesse mesmo mundo digital? É simples: porque é o ambiente perfeito para esses mesmos influenciadores atraírem mais gente para suas salas “exclusivas”, com o intuito de venderem mais do que quer que eles vendam.
Como já disse, e reforço, absolutamente nenhum problema nisso. O problema está em acharmos que esse impulsionamento todo se dá porque a rede é mesmo tão legal. Ela até é. Mas há mais interesses nisso do que o primeiro olhar revela.
Outra forma de exercer um olhar crítico sobre a novidade é falar de inclusão. A maioria das personalidades impulsionando ativamente a rede, também defende bandeiras inclusivas, respeito às minorias e diversidade. Mas, na Clubhouse, o faz em um ambiente em que só quem tem um dispositivo da Apple pode ter acesso (tipicamente, a população de maior poder aquisitivo, já que os dispositivos Android existem em versões mais baratas e mais “inclusivas”, ao contrário dos aparelhos reconhecidamente caros da marca da maçã), e onde pessoas com limitações auditivas estão fora por definição. Ou seja, contraditório, para dizer o mínimo.
O grande aprendizado aqui é algo tremendamente útil em qualquer aspecto das nossas vidas cotidianas: cuidado, sempre, com os extremos. A nova rede social não é nem a última maravilha do mundo digital, nem uma novidade imprestável sem utilidade prática. Ela tem sua importância, mas está longe de ser uma unanimidade que vai transformar a forma como o mundo consome conteúdo. Ela deverá, ao longo do tempo, encontrar seu lugar, e se tornar efetivamente relevante para um grande número de produtores e consumidores de conteúdo.
Mas muito cuidado, não só no caso da Clubhouse, mas em qualquer coisa que vira moda da noite para o dia. A internet potencializou a capacidade humana de criar e disseminar informação. E isso nos inunda de estímulos que devem ser filtrados, para identificarmos o que de fato faz sentido e o que é descartável.
A boa notícia é que, por mais tecnologia que tenhamos à nossa volta, ela ainda não é capaz de afetar de forma direta a única coisa que precisamos para exercitar esse senso crítico: nosso cérebro! Basta usá-lo sem cerimônia.