Felipe Rama*
O lado que poucos falam
O mercado de dívida para empresas de tecnologia
Diferentemente das grandes notícias de rodadas de equity, valuations, unicórnios, fundos de venture capital, o mercado de dívida para startups é raramente notícia – uma excelente exceção recente é o caso da Tembici. No entanto, é possível afirmar que ainda é um mercado que poucos falam e até por isso será tema da minha primeira coluna. Buscarei jogar luz na problemática, nas possibilidades existentes, no tamanho do mercado potencial e os benefícios de encontrar o equilíbrio entre equity e dívida.
Parte da problemática se encontra em um mercado de crédito – tanto no mercado bancário quanto no mercado de capitais - que ainda está aprendendo a analisar casos de crescimento exponencial e de recorrência. Este processo é importante pois muitas vezes os balanços das startups não são robustos e a análise de risco fica baseada em grande parte pelo modelo de negócio e sua essencialidade; cash burn, time e captable. O outro lado da moeda desta problemática é que fundadores muitas vezes desconhecem as possibilidades do mercado de crédito ou tratam como um acesso mais massificado ou simplificado, dando assim um menor nível de atenção quando comparado a uma rodada de equity. Além disso, um terceiro ponto é o entendimento por parte do atual cap table de que, ao tomar uma dívida, a startup poderá utilizá-la para crescimento e fortalecimento da companhia – e não apenas como uma alternativa em casos de urgência.
Mas dívida não é tudo igual?
Entendida a problemática, o leitor pode pensar “mas dívida é tudo dívida, correto?”. A resposta, como podem imaginar é: “errado”, explico: o mercado de crédito pode ser dividido por uso, prazo, contrapartida e/ou complexidade envolvida na estrutura.
Por uso, a startup deve pensar no dia a dia (uso operacional do crédito com disponibilidades em cartão de crédito para pagamento de COGS – que no caso de grande parte das startups basicamente são pagamentos relacionados à nuvem e ads e limites intradays para potenciais furos de caixa momentâneos), para acelerar crescimento orgânico (impulsionar o CAC, pilotar novos produtos e ampliar e melhorar produtos existentes – quase como um gasto de “CAPEX”, fazendo um paralelo com empresas tradicionais), e para acelerar estratégia de crescimento inorgânico (pequenos M&A’s com estruturas mais simplificadas de crédito ou mesmo grandes M&A’s com estruturas de financiamento de aquisição).
Por prazo, é sempre importante ponderar os juros envolvidos, a existência ou não de carência e se o fluxo de pagamento está adequado aos planos da companhia. Além disso, o indexador utilizado também é super relevante. Por exemplo, prazos mais longos podem trazer cenários econômicos mais adversos – com inflação ou juros persistentemente em patamares altos por exemplo.
Outros dois ângulos que a dívida pode ser vista é pela sua contrapartida, que podem ser os bancos tradicionais dentro do mercado bancário, ou as assets e investidores dentro do mercado de capitais (que começam a olhar para startups com bons olhos dentro da sua alocação para high yield), e pela complexidade da estrutura, indo de casos simples (como as linhas já anteriormente citadas de dia a dia) até as mais estruturadas, como o venture debt. Importante aqui é ter em mente que a dívida deve ser olhada sob uma variedade grande de aspectos e que ela é bem “maleável” em termos de estrutura, garantias, prazos e volumes.
Dada a sua relevância, o venture debt, mereceria um texto completo, mas vale o parágrafo para aprofundarmos. O venture debt é uma estrutura híbrida com instrumentos de dívida tradicionais (CCBs ou TVMs) em que a fonte de repagamento se dá por uma transação futura de entrada de equity. A partir de 2019 o mercado brasileiro desta modalidade se fortaleceu, com players como a Brasil Venture Debt, BTG Pactual, PFG com o Sillicon Valley Bank e o IDB Invest. Além destes, o Itaú BBA também aprovou a estrutura do produto este ano e está com o venture debt pronto para operar com pessoas dedicadas. Isso só reforça o ótimo texto da Julia Luca na semana passada (Metamorfose tech no Brasil) de que tech veio para ficar e ainda estamos no começo. No venture debt, volume e prazo variam muito de caso a caso. Ademais, o recurso deve ser entendido como um dinheiro transformacional para a companhia em seu estágio de vida, já que ela se apropriará de um valuation para a próxima rodada que não seria possível fazer de forma orgânica. Outra possibilidade deste produto é trabalhá-lo como composição de uma rodada atual (e não apenas a sua postergação). Isso pode garantir uma “pizza” mais bem estruturada de captable sem tanta diluição nas rodadas iniciais. Por fim, deve-se ter em mente que a estrutura do venture debt por si só é cara se comparada às linhas de crédito tradicionais, dado que envolve fees de estruturação e remunerações variáveis, com estruturas de kickers que podem se apropriar de um percentual da próxima rodada, da variação de faturamento e/ou do EBITDA.
E eu com isso?
Agora, passada a problemática e o entendimento sobre as diferentes possibilidades dentro do universo de crédito, você leitor deve pensar “e eu com isso?” e novamente, explico: grandes empresas com crescimento exponencial se utilizaram (e se utilizam) de dívida como parte da sua estratégia de negócios, que vai além da óbvia manutenção do captable e do tão estimado percentual de participação dentro do equity da cia. Aqui, não apenas o fundador deve encarar o seu percentual como o mais valioso e caro, mas também os fundos de investimento que estiverem na cia devem se preocupar (e se preocupam) para que os fundadores e funcionários tenham boas fatias da companhia, até como forma de garantir o tão estimado “skin in the game”. Porém, se aprofundarmos mais, o mercado de crédito dá acesso à capital, acesso a novos investidores e possibilita a criação de relacionamento com players bancários, que serão úteis em diversas outras frentes como serviços e bancos de investimentos. Por isso o empreendedor deve ter em mente a importância da construção deste relacionamento com um banco que de fato esteja com pensamento de longo prazo e que preze pelo relacionamento como um todo.
Além da Tembici (citada no início da coluna), existem outros exemplos locais, como o caso das fintechs de crédito, que expandem suas carteiras de crédito por meio de estruturas de FIDC, e um outro super exemplo local que gosto de citar, o Ebanx – que foi chamado do “unicórnio mais eficiente do Brasil” pela Astella Investimentos. Vale ouvir o podcast indicado no link e, como spoiler, revelo para vocês que foi por meio de uma estratégia clara, do uso consciente do crédito e com suporte de um banco de relacionamento desde seus primeiros passos, que o Ebanx se tornou esse case de sucesso.
Por fim, o empreendedor deve ter em mente que a jornada da dívida pode ser um processo tão (ou mais) interessante e enriquecedor quanto a jornada do equity (desde a busca até sua concretização).
*Felipe Rama ingressou no Itaú BBA em 2015 como trainee e atualmente é corporate banking manager dentro do núcleo de estratégia do cliente, dedicado ao ecossistema de tecnologia. É graduado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e é pós-graduado em direito dos mercado financeiro e de capitais pelo Insper