Thiago Maceira é Managing Director no Banco de Investimentos e Head do Núcleo Tech do Itaú BBA. Com 20 anos de experiencia no mercado financeiro e no Itaú BBA desde 2013, o executivo já trabalhou na Goldman Sachs no escritório de Nova Iorque e no Citigroup em São Paulo. Thiago é bacharel em Economia pela Universidade de São Paulo e possui MBA pela Columbia Business School (prêmio Beta Gamma Sigma Alumni). Na coluna “Investimentos e Startups”, falará sobre as tendências do ecossistema de tecnologia sob o ponto de vista de investimentos.
Melhores oportunidades para startups surgem em momentos pós-crise
25/05/2020 19:51
Começo este mês a escrever aqui no GazzConecta a coluna mensal “Startups e Investimentos”, na qual buscarei discutir temas relevantes para o ecossistema de tecnologia sob o ponto de vista de investimentos e do mercado financeiro. Dado este desafio, a primeira coluna não poderia deixar de discutir o impacto da Covid-19 para o universo das empresas de tecnologia.
O Brasil passa por um momento crítico no combate à pandemia, com (infelizmente) um número crescente de pessoas impactadas pelo coronavírus. Continuamos na esperança de que consigamos minimizar o custo social desta crise, mas infelizmente ainda não sabemos como e nem quando a epidemia será vencida.
Diante desse cenário, o ecossistema de tecnologia tenta se adaptar à nova realidade, tendo também um papel importante na oferta de soluções e produtos que ajudam a diminuir o impacto da crise na vida das pessoas, seja pelo crescimento de soluções online ou pelas inovações que temos visto para viabilizar serviços durante a quarentena (telemedicina, customer experience, entre outros).
Fato é que uma das principais perguntas que venho recebendo neste contexto é sobre o potencial impacto da crise em investimentos no ecossistema tech.
Nos últimos anos, vimos o crescimento e a maturação dos fundos de capital de risco (também chamados de Venture Capital) no Brasil. Essa transformação foi resultado da combinação de um ecossistema mais robusto, com investimentos em infraestrutura de Telecom, capital abundante no mundo e as primeiras estórias de sucesso de venda e/ou IPOs de empresas de tecnologia - o que motiva o surgimento de novas teses de investimentos.
Quando olhamos para os números de investimentos esse ano, ainda não é possível ver um impacto relevante da pandemia. Segundo dados da CB Insights, tivemos no Brasil entre janeiro e abril de 2020, 88 transações, contra 97 no mesmo período de 2019, o que mostra um pequeno decréscimo, mas ainda dentro da flutuação normal da indústria.
Esta queda deve se acentuar nos próximos meses, já que a maioria dos fundos transferiu a atenção para ajudar as empresas de portfólio a atravessarem essa crise. Além disso, a pandemia trouxe muitas incertezas sobre a economia (inclusive sobre a sua reabertura) o que dificulta a discussão de quaisquer cenários e valuations.
No Brasil, os fundamentos da indústria continuam intactos e os investimentos devem continuar a impulsionar o desenvolvimento de tecnologia pautados principalmente por três pilares: liquidez dos investidores, potencial do mercado local e transformação digital das empresas.
Liquidez dos Investidores: Há capital relevante disponível
Temos diversos fundos com capital disponível e times focados na região. A Kaszek Ventures, por exemplo, levantou recentemente US$ 600 milhões em dois novos fundos. Segundo a LAVCA (Associação de Private Equities da América Latina), o ano de 2019 foi recorde na captação de fundos de venture capital, com mais US$1 bilhão captado para a América Latina, e esse volume tem dobrado ano a ano desde 2016.
Soma-se a este volume o capital disponível de fundos globais, tais como o Softbank, que possui US$ 5 bilhões para a região, já tendo investido quase US$ 2 bilhões.
A expectativa é que esses fundos voltarão a olhar oportunidades de investimentos assim que a crise se estabilizar, e o histórico mostra que as melhores oportunidades surgem justamente em momentos “pós-crise” (WhatsApp, Slack, Uber, Instagram surgiram durante a recessão dos EUA, entre 2008 e2010).
Potencial do mercado brasileiro: Mar aberto para Digitalização
Com mais de 170 milhões de brasileiros com acesso à internet via celular, o Brasil é um dos maiores mercados digitais no mundo. O processo de digitalização tem acelerado, mas quando comparamos com outras regiões, o país ainda é pouco desenvolvido, apresenta baixa penetração em e-commerce, pouca automação de processos, entre outros entraves.
Já vemos alguns sinais de que a pandemia tem acelerado a digitalização do país, tais como o crescimento de 81% nas vendas de e-commerce em abril, o primeiro contrato 100% digital executado pela Loft, crescimento exponencial de software para CX (jargão para customer experience) em substituição ao contato telefônico, além da rápida autorização para uso de telemedicina no Brasil, abrindo novas oportunidades de negócio e investimentos. Essa agenda tem tudo para ganhar ainda mais tração por aqui.
Transformação Digital das Empresas: M&As em tecnologia
Por último, um tema cada vez mais recorrente nos mercados mais maduros é a utilização do M&A por empresas tradicionais (e agora também pelos conglomerados de tecnologia) para acelerar a transformação digital nas empresas.
Esta participação vem através da aquisição de empresas ou de investimentos em startups com tecnologias promissoras (também chamado de Corporate Venture Capital). Em resumo, é um “atalho” que essas grandes empresas acabam pegando para acelerar seu processo de modernização ou para evoluir seu negócio.
No Brasil já temos alguns exemplos desta estratégia, tais como a aquisição da Beleza na Web (e-commerce de produtos de beleza e cosméticos) pelo grupo Boticário, o investimento da Syngenta na Strider (software de gerenciamento de fazendas no Brasil).
Apesar de um 2020 extremamente desafiador em que as startups terão que muitas vezes se reinventar e preservar caixa, o ambiente para aquelas que sobrevirem deve continuar positivo, com capital de risco para acelerar o crescimento na retomada, um país cada vez mais digitalizado e com o olhar sempre atento das empresas tradicionais em busca de parcerias estratégicas.
Como dizia Andy Grove, antigo CEO da Intel: “As más empresas são destruídas pela crise, as boas empresas sobrevivem, as grandes empresas são melhoradas por ela”.