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Loja do Starbucks em bairro histórico de Xangai: capitalismo feroz e Estado indutor.

Felipe Zmoginski

Felipe é ex-head de marketing do gigante tech chinês Baidu e fundador da Inovasia, consultoria de negócios Brasil - Ásia.

Investimentos na China

Na China, maior parte dos investimentos em tecnologia vem do Estado

15/07/2020 14:42
Um estudo publicado nesta semana pela consultoria chinesa Zero2IPO revelou que a maior parte do dinheiro disponível para apoiar a inovação e soluções “disruptivas” vem de diferentes órgãos do Estado chinês, sejam universidades públicas, governos de províncias ou mesmo fundos diretamente criados por bancos estatais.
Segundo o Fórum Econômico Mundial, a China é a segunda maior fonte de venture capital no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Neste enorme mercado, 74% dos fundos de private equity são privados e “apenas” 26% são públicos. O fato novo é que o Zero2IPO contabilizou o dinheiro aplicado por cada um destes fundos na China e publica, em seu relatório, que apesar de nominalmente em menor número os fundos “estatais” controlam 60% do dinheiro disponível para investimentos de risco na China.
Quando realizou sua “abertura para o capitalismo” nos anos 80, a totalidade dos fundos de risco era estatal, número que foi “reduzido” para 70% em 2014. Seis anos depois, há tantos fundos privados que, percentualmente, pouco mais de um quarto destes fundos é controlado pelo Estados chinês. O que sabemos agora, no entanto, é que os números só muraram na aparência. Na prática, em 2014, 59% dos investimentos vinham dos fundos públicos. Agora, são 60%.
Os números revelados pelo relatório demonstram que o sucesso chinês, líder em múltiplas áreas da inovação como machine learning, aplicações de reconhecimento facial, redes 5G e novos modelos de negócio, notadamente em setores como “economia compartilhada”, deve-se muito ao incentivo do Estado, ainda que a execução e inventividade dos projetos inovadores fique a cargo de empreendedores privados.
A forte participação do Estado no financiamento da inovação acaba por orientar em quais áreas o país deve avançar mais no futuro. Atualmente, os fundos estatais têm como meta fomentar a indústria de semi-condutores, novos materiais e soluções de internet das coisas, bem como aplicações baseadas em uso intensivo de inteligência artificial (IA).
Há quatro anos, por exemplo, a Cloudwalk, uma empresa de reconhecimento facial com sede em Guangzhou, sul do país, recebeu o equivalente a US$ 200 milhões de um fundo público. O motivo? Era um interesse do Estado, à época, tornar o reconhecimento facial popular no país — objetivo, aliás, que foi alcançado.
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Grandes transnacionais como Softbank e corporações privadas como Alibaba e Tencent são importantes “players” nesta indústria. Mas, todos juntos, os fundos privados ainda não chegam à metade do dinheiro de capital de risco oferecido no país.
A estratégia chinesa, já experimentada com sucesso antes em mercados menores e diferentes escalas, como Cingapura e Coreia do Sul, tem o benefício de empurrar, a fórceps, o país rumo à inovação. Por outro lado, há um inegável problema de credibilidade e transparência. Afinal, quem são as pessoas que tomam as decisões de investimento nestes fundos? Por que escolhem a empresa A e não a B para ser abençoada com o ouro de Pequim?
O temor de serem acusados por má conduta ou mesmo por corrupção faz os gestores destes fundos estatais, por vezes, serem excessivamente conservadores, o que pode ser um tiro no pé de um fundo que leva em seu sobrenome a palavra “venture”. Os gestores não têm medo apenas de perderem os recursos aplicados, mas também sua reputação. Se não, sua liberdade.
O que seria um paradoxo capaz de levar ao fracasso a ideia de fomentar a inovação via fundos públicos, por vias tortuosas, tem dado certo, haja visto a liderança mundial da China na formação de novos unicórnios.
O segredo chinês, no fundo, é bem simples. Os private equites privados investem primeiro, assumem mais riscos e lucram muito mais em suas saídas. E os fundos públicos acabam (quase sempre) entrando em momento de risco reduzido, têm menos chance de perder, mas também ganham menos. Para tais fundos, cujo objetivo maior é cumprir as metas de desenvolvimento econômico e inovação planejadas por burocratas em Pequim, não é tão ruim lucrar menos.