China atua contra empresas que cobram preços diferentes pelo mesmo produto
Andre Inohara
Andre Inohara é cofundador e CEO da Inovasia, consultoria de educação executiva que ajuda empresas brasileiras a se conectar aos modelos mais disruptivos de negócios na Ásia. Antes de criar a Inovasia, André atuou como assessor de comunicação na Amcham, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil, e ajudou a criar o conteúdo multiplataforma da entidade. É jornalista e administrador, com MBA em Informações Financeiras pela FIA (Fundação Instituto de Administração) e pós-graduação em Comunicação Digital pela ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
China joga duro contra empresas que cobram preços diferentes pelo mesmo produto
05/08/2021 19:59
O que você faria se descobrisse que pagou mais caro por um serviço, simplesmente porque tem um perfil socioeconômico privilegiado? Na China, uma mulher identificada como Hu não pensou duas vezes em processar a plataforma de viagens online Ctrip por prática de discriminação de preços. Diante das constantes reclamações dessa prática pelos clientes, as autoridades chinesas começaram a endurecer contra os infratores.
Para simples efeito ilustrativo, a Ctrip é a plataforma líder de viagens online na China, assim como é a Decolar.com aqui no Brasil. No ano passado, Hu reservou, pelo app da Ctrip, um luxuoso quarto de hotel por 2,9 mil renminbi (RMB). Ao fazer o checkout, Hu descobriu que, se tivesse feito a reserva diretamente no hotel, teria pago 1,4 mil RMB, o que é menos da metade do preço cobrado pelo app. Hu tinha uma assinatura premium na Ctrip, o que, segundo condições informadas pela plataforma, daria a ela descontos e atendimento preferencial.
No tribunal, Hu alegou que a Ctrip coletou, sem a sua autorização, dados pessoais não essenciais – como hábitos socioeconômicos – e cometeu fraude ao descumprir a promessa de oferecer descontos. Hu ganhou a causa e foi indenizada em 4,8 mil RMB pela Ctrip, além de ter seus dados não essenciais removidos da plataforma.
Personalização ou desconto?
Recorrente no mercado chinês, a discriminação de preços funciona como uma personalização de preços feita pelas empresas, que cobram dos clientes valores diferentes pelo mesmo produto ou serviço conforme análise de hábitos de compra. Ela é difícil de ser provada, pois as empresas podem alegar que estão promovendo descontos.
O fato é que existem inúmeras evidências que os preços para usuários frequentes não costumam ser menores. A gigante de food delivery Meituan, por exemplo, virou alvo da fúria dos consumidores depois que um cliente acusou a empresa de cobrar taxas de entrega mais altas dos usuários leais. Em um post que viralizou na internet chinesa, o autor reclamou que a taxa de entrega custava 4 RMB (US$ 0,6) a mais daquela feita por um usuário não recorrente. A Meituan se justificou dizendo que a cobrança extra foi feita por engano.
A lógica da discriminação de preços é a de que uma agência de viagens online, por exemplo, pode aumentar o preço da passagem aérea do usuário que tem histórico de grande gastador regular. As plataformas cobram preços mais altos dos clientes mais leais, partindo da premissa que eles estariam dispostos a pagar mais.
Segundo uma pesquisa da Universidade de Fudan, aplicativos de carona cobram um "imposto Apple" para os usuários de iPhone. Esse grupo de usuários é considerado premium na China e, de acordo com o estudo, estariam propensos a pagar mais pelas corridas do que os usuários de Android. Detalhe: o serviço é o mesmo para todos os usuários.
Imagem arranhada
É difícil provar a diferença entre preços, pois há variáveis a serem consideradas, como sazonalidade e oferta. Mas um fato indiscutível é que empresas acusadas perdem reputação. Até junho, mais de 1.400 queixas sobre discriminação de preços foram registradas na plataforma chinesa Black Cat, uma espécie de Reclame Aqui. Praticamente todas as reclamações envolvem as grandes empresas de e-commerce e serviços, como Alibaba, JD.com, Pinduoduo, Meituan e Dianping. Também há menções nada honrosas à já citada Ctrip, Qunar e Didi (dona da 99 aqui no Brasil).
As empresas se defendem e negam a prática, só que a maioria dos usuários não acredita. Um relatório de consumo de 2019 revela que 88% dos entrevistados acreditam que as plataformas online usam dados de usuários para customizar preços e fazê-los pagar mais. E pelo menos 60% consideraram já ter sido vítimas da discriminação de preços.
Basta, dizem as autoridades
A lei chinesa proíbe a discriminação de preços desde 2000, mas as frequentes queixas de abuso pelos clientes nos últimos anos chamaram a atenção das autoridades, que entenderam ser necessário agir com rigor ainda maior.
Em julho, a Administração Estatal de Regulação de Mercado da China (SAMR, na sigla em inglês) deixou claro que adotaria uma posição mais dura sobre a discriminação de preços, tema que está no âmbito da regulamentação sobre defesa do consumidor. O projeto de regulação vem três meses depois da repressão à prática de "exclusividade forçada", onde as empresas exigiam dos clientes exclusividade na contratação de serviços de e-commerce.
Em fase final de consulta pública, o projeto de defesa do consumidor estabelece penas mais rígidas por fixação, dumping e fraude de preços. As empresas infratoras estarão sujeitas a multas de 0,1% a 0,5% das vendas. Isso se for comprovada a formação de preços diferentes pelo mesmo produto ou serviços com uso de big data e outros meios tecnológicos capazes de detectar a predisposição de compra dos clientes. O projeto também proíbe que as empresas baixem seus preços com o objetivo de formar monopólio.
Para que as autoridades comecem a agir, é importante a manifestação dos usuários. Nos Estados Unidos, a Amazon foi acusada de discriminar preços em 2000, ao cobrar de clientes individuais valores diferentes pelos mesmos DVDs. A pronta rejeição dos consumidores fez com que a empresa se comprometesse a interromper a prática, e desde então ela não é mais vista.
Com a criação do projeto de defesa do consumidor e lei antimonopólio do começo do ano, a China intensifica a criação de proteções legais para os consumidores e o seu mercado. Customizar preços pode fazer sentido para os comerciantes, que querem maximizar seus lucros. Mas, do ponto de vista dos clientes, a prática é injusta e discriminatória, o que torna importante a atuação dos reguladores para conter excessos e decisões antimercado.