Em 2019, a Netflix lançou um documentário intitulado “Privacidade Hackeada” com base nos escândalos envolvendo o Facebook. O documentário detalha como a Cambridge Analytica (empresa de comunicação orientada por dados) coletou - sem permissão - dados de mais de 87 milhões de usuários e utilizou as informações para influenciá-los em campanhas políticas, principalmente à presidência dos Estados Unidos em 2016. O filme alerta sobre como todas as nossas interações são coletadas em tempo real e alimenta uma indústria trilionária que aprende com nosso comportamento.
Em 2020, também na Netflix, foi lançado o filme “O Dilema das Redes”, com foco em como a desinformação, o discurso de ódio, a polarização política e as teorias da conspiração são problemas que se intensificam pelo aprendizado comportamental que as redes sociais são capazes de gerar.
Todo esse cenário pressionou as gigantes de tecnologia a se responsabilizar por danos causados e por conteúdos indevidos postados em suas plataformas.
O ano de 2025 recém começou e essa história ganha novos contornos quando Mark Zuckerberg declara a intenção de “voltar às origens” no que diz respeito à moderação de conteúdo e liberdade de expressão nas redes sociais. O que isso significa? A afirmação pode soar nostálgica, mas também carrega implicações profundas sobre o futuro do discurso digital e da governança das redes.
Coincidência ou não, os EUA voltaram a um cenário ideológico e político semelhante ao que viviam em 2016. O que diminui a pressão sobre as empresas e dá respaldo para a decisão de Zuckerberg de aumentar a "liberdade de expressão".
As “origens” das redes sociais, como o Facebook, remetem a um momento em que o foco estava na conexão entre indivíduos e na liberdade de expressão quase irrestrita. Mas, ao mesmo tempo, esse período também marcou o início de problemas como o abuso da privacidade, a propagação de desinformação e a utilização das plataformas como armas para influência política e comercial.
Os últimos anos nos ensinaram que a regulação de conteúdo é uma questão central no debate sobre a responsabilidade das plataformas digitais. De um lado, há demandas por moderação mais rigorosa para combater discurso de ódio, fake news, assédio online e os mais diversos crimes praticados em ambientes digitais. De outro, a preocupação com a censura e com a liberdade de produzir e consumir o que quiser. Voltar às origens, nesse contexto, parece ser uma tentativa de equilibrar esses extremos. Mas será este um caminho viável?
Mais do que uma simples questão de moderação, o que está em jogo aqui é o modelo de negócio das redes sociais. Ao buscar engajamento, plataformas como Facebook, Instagram e X (antigo Twitter) focam no que os usuários gostam e os mantém em uma certa “bolha de bem-estar”. Sem uma revisão mais profunda desse modelo, qualquer mudança na moderação será limitada e trará consequências ainda maiores em tempos de inteligência artificial, que aumentam ainda mais a complexidade do cenário atual.
Para nós, usuários e cidadãos, o debate é um lembrete de que as redes sociais não são espaços neutros. Elas são moldadas por interesses comerciais e decisões políticas, e nossas escolhas - seja ao compartilhar conteúdo ou questionar suas práticas - também desempenham um papel nesse ecossistema. Se Zuckerberg quer mesmo “voltar às origens”, talvez o primeiro passo seja reconhecer que o mundo mudou e que as soluções para os desafios de hoje demandam mais do que nostalgia: exigem responsabilidade, transparência e, acima de tudo, um compromisso real com o impacto social dessas tecnologias.