
Cris Alessi
Cris Alessi é consultora de inovação e transformação digital, conselheira, palestrante, investidora-anjo e autora do livro "Gestão de Startups: desafios e oportunidades”.
Jornadas de inovação
Ética e IA: o óbvio precisa ser dito
Quem acompanha o mundo da publicidade deve ter prestado atenção nas últimas semanas ao desdobramento do Festival de Cannes – o maior festival global que premia as melhores campanhas criativas do ano, reunindo agências do mundo inteiro e definindo tendências no mercado.
Pois bem, este ano, a agência brasileira DM9 teve um grande baque: perdeu o Grand Prix (e outros prêmios) por manipular uma campanha com o uso de inteligência artificial.
Não é o foco do meu artigo falar dos critérios de ética do mundo publicitário e da dinâmica praticada há muitos anos no mercado (que vivi intensamente por mais 15 anos) para premiações desse tipo. Mas é preciso contextualizar o ocorrido para que você entenda o meu ponto:
A DM9 inscreveu no festival, para a marca Cônsul, o case “Efficient Way to Pay” – reconhecido como uma ideia genial e premiado com o principal troféu, o Grand Prix de Creative Data. Porém, constatou-se que o comercial utilizou dados e imagens gerados ou alterados por IA, simulando eventos e resultados da campanha que, na verdade, não existiram. Constatada manipulação, a organização do evento reviu todo o processo e desclassificou a agência brasileira que havia sido premiada com nada menos que 12 leões (1 Grand Prix, 3 ouros, 4 pratas e 4 bronzes).
O ocorrido esquentou a discussão sobre as regras para o uso de IA e a criação de um Código de Conduta para o mercado publicitário que se ajuste de forma ética à era do conteúdo sintético, da mídia manipulada e da IA generativa.
O ponto que quero reforçar aqui é que, apesar da manipulação de informação ter sido possível e talvez até mais fácil a partir das ferramentas que temos disponíveis hoje com inteligência artificial, pra mim o problema não está na tecnologia, e sim nas pessoas. O que é errado no mundo físico continua sendo errado no digital. Se enganar o público não é aceitável off‑line, também não pode ser online. A IA apenas ampliou a capacidade de manipulação – não inventou o problema.
Ferramentas de IA podem ser motores de criatividade – como no caso da “Marisa Maiô”. Já ouviu falar? É uma apresentadora fictícia criada por Raony Phillips usando IA generativa (plataforma Google Veo), que viralizou com humor ácido nos moldes de programas de auditório. A personagem deixou clara a sua natureza sintética e foi abraçada por marcas – como Magazine Luiza e OLX – sem gerar sensação de fraude, justamente pela transparência.
Marisa Maiô é um exemplo de IA criativa que respeita os valores éticos: não esconde que é IA, diverte, engaja e agrega valor – sem enganar. E, importante ressaltar, sem a capacidade criativa do seu criador a partir de um roteiro coerente, um posicionamento bem definido, não alcançaria o mesmo sucesso.
Então, o óbvio precisa ser dito: os valores de transparência, ética e honestidade não mudam em um mundo digitalizado. Claro, temos que avançar com legislações, códigos de conduta e tudo mais. Mas para conseguirmos ser a sociedade de humanos que convivem com robôs em um mundo justo, precisamos avançar com nossa humanidade.