Fernando Luciano é diretor da Hotmilk, ecossistema de inovação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), professor e pesquisador da área de Biotecnologia também na PUCPR. Graduado em Farmácia e Bioquímica de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também é doutor em Food and Nutritional Sciences pela Universidade de Manitoba, no Canadá, onde foi bolsista do governo canadense. Atuou também como pesquisador no Guelph Research and Development Centre, no Canadá, e como docente convidado na Universidade de Valência, na Espanha. No campo do empreendedorismo, é CEO do NASSLE Group, focado em P&D, sua terceira startup.
Spin-offs são saída para empresas levarem novas ideias a novos mercados
16/10/2020 11:00
Muitas vezes, organizações se tornam grandes demais para se moverem com agilidade e responder de maneira instantânea às oportunidades que surgem no meio do caminho, apesar de possuírem total competência para criar soluções a um novo mercado. A linha de produção está pronta, os mecanismos estão em ordem para servir ao propósito principal do negócio e os tempos de resposta estão de acordo com o que é julgado “adequado” àquela corporação.
Ao mesmo tempo, esse pode ser um desperdício da possibilidade de criar algo incrível, de dar uma injeção de ânimo para empreendedores em potencial da empresa que se frustram ao terem sua capacidade inventiva penalizada pela falta de caminhos mais flexíveis.
Um movimento que faz parte do leque de possibilidades em um processo de inovação aberta é a criação de spin-offs: a geração de uma empresa a partir de uma instituição-mãe, podendo ser esta uma outra empresa, um instituto de pesquisa ou uma universidade.
Criadas com maior liberdade e um novo foco, no qual distrações e burocracias desnecessárias saem do caminho, as spin-offs normalmente apresentam uma performance superior às grandes corporações – até que elas mesmas se tornem grandes empresas.
Os índices S&P Dow Jones demonstram que, nos últimos dez anos, as spin-offs norte americanas que fazem parte do S&P U.S. Spin-Off Index apresentaram crescimento de seu valor de mercado superior às 500 maiores empresas listadas nas bolsas de valores dos Estados Unidos (S&P 500), excetuado o período atual de pandemia.
A formação de spin-offs está começando a se popularizar no Brasil e essa pode ser uma possibilidade interessante não só para grandes empresas, mas também para médias e pequenas corporações.
Essa semana conversei com Guilherme Thiago de Souza, sócio e diretor de engenharia da Roboris, uma empresa de robótica e visão artificial voltada à indústria. Os projetos de automação da Roboris atendem desde a indústria aeroespacial até a de alimentos.
No início da pandemia, Guilherme se sensibilizou com a falta de ventiladores pulmonares no Brasil. Parte do profundo know-how da Roboris é a automação de robôs para pintura. A partir daí, ele começou a estudar fisiologia pulmonar e se sentiu desafiado para construir o ventilador. Entrou em contato com a Escola Paulista de Medicina, profissionais do Inmetro, Anvisa e fornecedores. Ele rapidamente percebeu que o melhor caminho para a aplicação de seu conhecimento era desenvolver uma bolha respiratória para ventilação não invasiva, produto que não possui uma versão nacional.
Da concepção até a primeira unidade funcional, que salvou a vida de um cardiologista no Hospital das Clínicas de São Paulo, foram 54 dias. Isso só foi possível ao unir diversas características nessa nova empreitada:
Criação de uma nova empresa fora da Roboris para atuar em um novo nicho de mercado;
Engajamento de mais de 80 profissionais que acreditaram no propósito do empreendedor e auxiliaram no desenvolvimento do produto;
Capacidade de combinar competências de diversos stakeholders;
Rapidez para mudança de rotas quando percalços surgiam no caminho (da lentidão de resposta de potenciais parceiros que tiveram que ser deixados para trás até a parceria de produção com uma fábrica que possui registro da Anvisa);
Uso das ferramentas disponíveis (usando de toda a rede de parceiros e fornecedores que a empresa-mãe possuía).
E foi assim que nasceu a Life Tech Engenharia Hospitalar, que tinha o propósito inicial de auxiliar pacientes de Covid-19, mas encontrou um setor de pneumologia desassistido de tecnologias nacionais.
Até o momento, foram vendidas 553 unidades da Bric (nome dado à bolha de ventilação respiratória) que estão sendo usadas em 40 hospitais de nove estados brasileiros.
Parece existir um mundo de distância entre a automação para robôs de pintura e uma bolha de assistência respiratória hospitalar. Mas, com competência aliada à oportunidade, Guilherme criou um novo negócio, que teve na sua concepção uma estrutura leve e ágil para poder responder tão rapidamente a um problema ainda sem solução no nosso país.
Slash Education: uma spin-off da PUCPR
Na própria Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), criamos recentemente uma spin-off, ainda dentro do mercado de educação. A Slash Education foi criada para experimentar novos modelos educacionais.
O CEO da empresa, Stephan Younes, diz que “a spin-off funciona como um segundo motor da PUCPR, com velocidade e características mercadológicas diferentes, possibilitando que a universidade possa colocar o seu pé no futuro e se permitindo correr mais riscos”. Com uma governança, modelo de negócios e proposta de valor bastante diferentes, a Slash tem testado diversas propostas educacionais que, quando apresentam resultado positivo, retroalimentam ações da universidade.
Após testado e validado dentro da startup, o produto apresenta um grau muito menor de risco para aplicação dentro de uma grande organização. Por estar dentro do mercado de educação, Younes também comenta que a spin-off tem a vantagem de trazer o endosso da marca de uma instituição que é referência e o financiamento para a operação, dando mais segurança a quem está conduzindo uma startup.
Contudo, até garantir sua independência financeira, esse tipo de spin-off ainda precisa responder aos dirigentes de uma organização-mãe que tem uma cultura vigente um pouco mais convencional. Além disso, com essa relação, é comum que esse tipo de spin-off perca sua atenção pela organização-mãe caso não tenha uma boa performance econômica dentro de poucos anos.
Existem muitos incentivos públicos para a criação de novas empresas de base tecnológica (incentivos fiscais e editais de subvenção econômica são muito comuns);
Fundadores de spin-offs são tão motivados e comprometidos quanto os empreendedores tradicionais. Ao invés de desmotivar uma pessoa com força e energia dentro de sua corporação, crie um novo sócio com senso de propósito e sentimento de valorização;
Sua empresa não precisa correr o risco sozinha. É muito comum spin-offs receberem aportes de fundos de investimento, aumentado o fôlego financeiro dessas instituições e ainda agregando pessoas que poderão apoiar com networking e conhecimento, aumentando as chances para que a iniciativa prospere;
Mudança de cultura e mindset dentro da organização-mãe. É bastante comum que as spin-offs influenciem positivamente a cultura de grandes organizações. Por se permitirem testar, errar e corrigir com muito mais frequência, elas acabam disseminando esse tipo de comportamento aos seus stakeholders;
Quanto mais disruptiva for uma tecnologia que surge dentro de uma grande empresa, maiores são as chances de sobrevivência como uma spin-off. Grandes empresas não estão tão propensas a investir seu tempo em áreas emergentes, que ainda não possuem uma trilha de geração de receita tão bem estabelecida. Criar uma nova entidade pode ser a melhor maneira de não perder uma possível oportunidade.
Assim, se a sua empresa quer investir em uma criação interna que pode atingir novos mercados ou mitigar riscos ao tatear o futuro da sua própria indústria, uma spin-off pode ser a solução. Mas saiba que nem tudo são flores e existe muito aprendizado no caminho. Um deles é que o retorno financeiro nem sempre é certo ou de curto prazo.