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Fernando Bittencourt Luciano

Fernando Luciano é diretor da Hotmilk, ecossistema de inovação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), professor e pesquisador da área de Biotecnologia também na PUCPR. Graduado em Farmácia e Bioquímica de Alimentos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também é doutor em Food and Nutritional Sciences pela Universidade de Manitoba, no Canadá, onde foi bolsista do governo canadense. Atuou também como pesquisador no Guelph Research and Development Centre, no Canadá, e como docente convidado na Universidade de Valência, na Espanha. No campo do empreendedorismo, é CEO do NASSLE Group, focado em P&D, sua terceira startup.

Tríplice hélice

União entre universidades, empresas e governo é imprescindível para inovação

18/09/2020 20:21
Escrevo este texto em um momento que julgo ser um dos mais relevantes de nossa história. O conhecimento produzido nas universidades precisa tocar a sociedade por meio de empresas (startups ou não), associações e órgãos governamentais. Muito se fala sobre a tríplice, quádrupla, quíntupla e até sêxtupla hélice, mas, resumindo para o cidadão comum, podemos afirmar que inovação se faz por meio da colaboração de ideias, atrelada a um bom plano de execução.
Em
março de 2020, a chave foi virada em muitas instituições, conferindo um senso
de propósito comum que fez com que relações fossem forçadas para a solução de
um problema extremamente complexo e cheio de incógnitas.
As universidades possuem em seu DNA a liberdade criativa para gerar conhecimento sem muitas vezes saber no que ele irá resultar. Estão acostumadas a testar, errar, aprender e a buscar o acerto. As empresas, por sua vez, estão sempre procurando a aplicabilidade do conhecimento, a entrega de valor e, é claro, o retorno financeiro. Ainda possuem alto senso de urgência.
Com características diferentes, mas complementares, as conversas entre esses dois tipos de instituição nem sempre são tão fluidas como deveriam ser – lembrando que essa conexão é essencial para o desenvolvimento de qualquer nação.
Os governos servem como uma espécie de “cola”, fazendo com que as ligações entre esses dois públicos aconteçam, por meio do apoio financeiro e do desenvolvimento de tecnologias quando estas entram no chamado “vale da morte” — momento entre provas de conceito/protótipos e a aplicação empresarial em massa.
São milhares as tecnologias que morrem dentro das universidades, ao mesmo tempo em que temos uma indústria que inova muito pouco. Também deve ser objetivo dos governos dar um senso de direção à sociedade, apoiando projetos estratégicos e prioritários para o desenvolvimento dos países.
A Europa tem mudado radicalmente a maneira de financiar pesquisas, inspirando sua estratégia nas grandes revoluções tecnológicas da história. Um pouco antes do início da pandemia, o site Wired entrevistou a economista Mariana Mazzucato, que tem tido um papel fundamental na criação de políticas públicas junto à Comissão Europeia para o financiamento de pesquisa e desenvolvimento.
Em resumo, a maior parte das grandes tecnologias disruptivas, do sistema de GPS aos algoritmos de busca do Google, tiveram em seu nascimento apoio financeiro governamental para mitigar riscos. Normalmente, as empresas não assumem esses riscos sozinhas sem saber se há retorno financeiro dentro de algum prazo. Ao mesmo tempo, gerar tecnologias sem propósito, mesmo que amplo, também não faz muito sentido – o que pode ser prática comum no mundo acadêmico.
Propósito, recursos e colaborações sempre foram essenciais para as grandes inovações. O propósito, aliás, que Mazzucato chamou de “missão”, sempre foi o principal driver para a inovação
Assim, a economista propôs diversas medidas para que o maior programa de fomento governamental europeu orientado à pesquisa, o Programa Horizonte Europa, tivesse missões específicas, juntando a academia e a indústria para responder a grandes questões da humanidade: adaptação às mudanças climáticas; cura e tratamento do câncer; águas fluviais, costeiras, mares e oceanos saudáveis; cidades inteligentes; e saúde de solos e alimentos. De tempos em tempos, os temas mudam. Em cada período, porém, é necessário priorizar e focar.
Na
incipiência do lançamento desse programa, eis que surge uma missão não só para
a Europa, mas para todo o mundo, chamada Covid-19. O cenário: risco de falência
do sistema público de saúde, pessoas falecendo e economias ruindo. Vaidades
caem, o senso de urgência entra em jogo e, em dias, colaborações são iniciadas.
Todas as universidades que fazem pesquisa no Brasil começam a criar programas
para dar respostas aos desafios enfrentados. Governos dão suporte e a indústria
coloca soluções no mercado em semanas ou meses.

Inovação em tempo recorde

As soluções criativas vão de ventiladores pulmonares de baixo custo a materiais que eliminam o vírus ao entrarem em contato com ele e sistemas de biometria e aferição de temperatura sem contato, para citar algumas – além, é claro, de soluções criativas para pequenos empresários. A startup Olist, em parceria com a Prefeitura de Curitiba, criou um aplicativo gratuito para que pequenos empresários possam vender seus produtos nas maiores plataformas de e-commerce do país. Artesãos e feirantes que tinham seus negócios totalmente baseados na presencialidade conseguiram reverter, ao menos em parte, o prejuízo causado pela pandemia ao se digitalizar, literalmente, do dia para a noite.
Como gestor de um ecossistema de inovação, também pude sentir isso na pele já na primeira semana de quarentena. Montamos um programa para apoiar empresas durante a crise, o Startup Evolution. Em um mês, saímos da ideia para a execução de um programa 100% digital, que nunca tínhamos conduzido, para apoiar 50 empresas ao mesmo tempo, tendo como correalizadores o Sebrae PR e o Governo do Paraná. Foram inúmeras horas de capacitação, consultorias e mentorias. Como resultado, nenhuma empresa fechou, 40% cresceram e foram criados 34 novos postos de trabalho.
Além disso, fui contatado ainda em março por um órgão governamental que estava antevendo a falta de kits de diagnóstico para o Sars-CoV-2, uma vez que não tínhamos produtos nacionais e os importados estavam sendo priorizados para seus países de origem.
Rapidamente montamos um comitê de crise formado por um laboratório governamental, três universidades e duas startups. Em quatro semanas, foi possível produzir resultados que facilmente resultariam em uma tese de doutorado. Conhecimento foi gerado e ficou pronto para ser compartilhado com outros laboratórios oficiais. Felizmente, as adaptações e métodos criados não foram necessários, pois o problema da falta de kits nacionais foi solucionado na mesma velocidade que trabalhamos.
Há seis meses, diria que essa velocidade de conexão, trabalho e resultado prático entre governo, academia e empresas seria impossível. Propósito e urgência, contudo, fizeram com que vaidades e burocracias caíssem por terra. Tomara que esse seja um aprendizado que fique para o pós-crise. Com essa mentalidade, poderemos gerar um desenvolvimento muito mais acelerado (e necessário) para o Brasil.