Eduardo Agustinho*
Senso de pertencimento
A relevância dos planos de stock option para o empreendedorismo inovador
Em tempos de valorização do ESG como paradigma para a compreensão da função social da empresa, já tivemos a oportunidade de observar que o “S” (de “social”) e o foco nos stakeholders, para fazerem sentido, precisam partir da relação entre as empresas e seus colaboradores.
A partir desse raciocínio é que passam a ter papéis relevantes, dentre outros fatores, os planos de stock option (opções de compra de participações societárias) e a ressignificação da pauta de temas prioritários para os sindicatos de empregados e empregadores.
Ocorre que dois fatos recentes nos fazem voltar ao assunto, mais especificamente no tocante às stock options. O foco proposto neste momento está relacionado à valorização do papel clássico desse mecanismo de incentivo de longo prazo (ILP) como um suporte para as empresas na superação do problema de agência existente entre sócios e colaboradores, propiciando um espaço de alinhamento de interesses entre esses stakeholders, usualmente colocados em polos antagônicos.
O primeiro episódio envolve a oferta inicial de ações (IPO) do Nubank, cujo valor fez da fintech o banco mais valioso negociado na bolsa brasileira, superando os tradicionais Itaú e Bradesco. Algo inimaginável para alguns e ainda incompreensível para muitos.
O segundo fato diz respeito ao recente julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) quanto à tributação incidente sobre os contratos de stock option. O julgamento em questão trouxe decisão favorável à posição defendida pelo contribuinte, que converge com a forma de emprego desse mecanismo de ILP compreendida pelos agentes de mercado como a mais adequada para a viabilização do seu emprego com efetividade pelas startups.
O ponto de contato desses dois fatos recentes está justamente no emprego do plano de stock option pelo Nubank para os seus colaboradores. Como as stock options facultam aos beneficiários, em regra trabalhadores da empresa, o direito de exercer a aquisição de participações societárias por um valor previamente definido (strike price), colaboradores e sócios passam a ter entre si o objetivo comum de valorização da companhia, pois esse ganho será auferido por ambos.
Os sócios têm suas participações já detidas valorizadas e os beneficiários das stock options têm a oportunidade de comprar participações por um valor inferior àquele pelo qual o mercado está disposto a pagar pela aquisição.
Dessa forma, pode-se afirmar, sem receio de errar, que na abertura do capital do Nubank comemoram a impressionante valorização da empresa e os ganhos financeiros gerados não somente seus sócios e investidores financeiros, mas também um grupo de investidores que se encontra nessa condição por sua cooperação com capital intelectual, esforço e comprometimento, essenciais para a trajetória da startup de sua concepção até o IPO.
O comprometimento é representado, sobretudo, pela confiança nesse sucesso futuro, demonstrado pela aceitação da oportunidade de receber opções de compra de ações em um momento, lá no passado, no qual o resultado hoje concretizado ainda era totalmente incerto.
A dúvida que paira no ar está na forma como esses ganhos poderão ser tributados. Desconhecemos o plano de stock option do Nubank e a sua estrutura, mas, certamente, as dúvidas sobre a forma de tributação desse mecanismo foram objeto de minuciosa avaliação no momento de sua elaboração. O grande objeto de questionamento está na natureza da outorga das stock options a um colaborador. Trata-se esse benefício de uma operação econômica de natureza remuneratória ou mercantil?
Dependendo da interpretação, varia-se a forma de sua tributação, sendo que a caracterização da natureza remuneratória torna o emprego desse ILP muito mais oneroso, tanto para a empresa quanto para o beneficiário, inviabilizando seu emprego para startups no ciclo inicial de atividades, justamente quando o mecanismo tem relevante importância.
A recente decisão do Carf é um alento ao mercado, pois traz indicadores positivos de como o assunto pode passar a ser interpretado daqui para a frente. Segundo o posicionamento adotado no julgamento, a natureza dos contratos de stock option podem variar conforme sua estrutura de incentivos, podendo, portanto, ter natureza remuneratória ou mercantil, conforme suas características.
Como heurísticas dessa interpretação, consolida-se a compreensão de que a natureza do plano de stock option de natureza mercantil está vinculada à reunião de três atributos como voluntariedade; onerosidade; e risco de mercado. Essa foi a posição adotada pelo Carf para fundamentar a decisão de que o plano de stock option, sob sua análise, teria natureza mercantil.
Em suma, o colaborador elegível para o programa de stock option do caso analisado pelo Carf teria a faculdade de aderir ou não ao plano. Tendo aderido, o strike price que lhe foi franqueado foi condizente com o valor de mercado da empresa no momento da sua outorga. Por fim, o benefício estava sujeito ao risco de mercado. Ou seja, era possível que, no momento do seu exercício, o valor de mercado da participação societária estivesse valendo até menos do que o valor pelo qual o beneficiário poderia adquiri-la.
A presença desses atributos, correspondentes às melhores práticas no uso do instituto para a sua caracterização, fundamentaram o posicionamento do Carf pela natureza mercantil, sujeitando-se, portanto, à tributação, tão somente, do ganho de capital auferido pelo beneficiário no momento de alienação da sua participação societária no mercado.
O nosso objetivo maior nesse momento é enfatizar que as características que vêm se consolidando como definidoras da natureza do plano de stock option, mercantil ou remuneratória, estão muito ligadas ao propósito da sua adoção pelas empresas que o implementam. Em regra, um plano de stock option é empregado como mecanismo de ILP com os objetivos de recrutar e reter talentos; incentivar o comprometimento com o sucesso futuro da empresa; e gerar um sentimento de pertencimento. Esses três elementos motivadores são comuns para todas as empresas. Para as startups em específico, agrega-se mais um fator: a ideia de compensação.
Como essas empresas não detêm recursos para o pagamento de remunerações compatíveis com as de mercado, adotadas por companhias consolidadas, os planos de stock option oportunizam espaço para que sejam trazidos profissionais talentosos para o projeto, com a oferta de uma participação efetiva no sucesso futuro do negócio.
A partir desses objetivos, que norteiam a formação do plano de stock option, é que a sua estrutura vai permitir que se caracterize um ILP de natureza remuneratória ou mercantil. Por sua vez, a definição dessa estrutura vai depender da resposta que os sócios da empresa darão às seguintes perguntas:
- O objetivo que se sobressai no nosso plano de stock option é o de recrutar e reter talentos?
- Ou o objetivo que se sobressai é incentivar o comprometimento com o sucesso futuro da empresa;
- Ou gerar um sentimento de coletividade?
Se o objetivo preponderante for o primeiro, é provável que o plano de stock option carregue características de natureza remuneratória. Em contraposição, se os objetivos preponderantes forem os dois últimos, a probabilidade é de que o plano carregue características de natureza mercantil.
Pergunta que pode nortear sua estratégia
Uma outra forma de se fazer o mesmo questionamento seria a partir de uma única pergunta: estou disposto a querer o meu colaborador como sócio? Se a resposta for positiva, o ambiente é favorável para que o plano de stock option tenha as características de natureza mercantil.
Em outras palavras, se o plano de stock option for feito por uma empresa que prioriza a coletividade, o pertencimento e o comprometimento com o futuro do negócio, e que está disposta a ter colaboradores como sócios, os três atributos da voluntariedade, onerosidade e de risco de mercado naturalmente farão parte do plano, o que lhe dará, consequentemente, a natureza mercantil.
De outro lado, se o foco prioritário é recrutar e reter talentos e a sua disponibilidade para a aceitação dos colaboradores como sócios não é tão presente assim, é provável que a estrutura de plano de stock option apresente elementos de proteção ao direito de propriedade e hierarquia, como cláusulas de condições de performance para o exercício do direito pelos colaboradores, adoção de critérios de valoração da empresa que permitam a aquisição de participações societárias por valores irrisórios ou incompatíveis com o valor patrimonial da empresa no momento da outorga do benefício. É possível também que cláusulas estabeleçam hipóteses de recompra de participações societárias de colaboradores que exerçam o direito de aquisição e posteriormente se desliguem da empresa.
Um plano de stock option que tenha em sua estrutura alguma dessas características pode ser caracterizado como de natureza remuneratória, mesmo que presentes os atributos da voluntariedade, onerosidade e risco, inerentes à natureza mercantil do ILP.
Assim, o que deve estar presente para as startups na construção dos planos de stock option é a compreensão de que os atributos indicados pelo Carf como caracterizadores da sua natureza mercantil devem estar presentes não apenas formalmente na estrutura do instrumento, mas sob o aspecto material, oportunizando ao colaborador uma condição de sócio empreendedor, em cooperação com a empresa.
Como ponto de atenção, cabe mencionar que a decisão do Carf ainda é um posicionamento em construção. E mais: a decisão proferida foi tomada em favor do contribuinte por força de lei, uma vez que houve empate entre os representantes da Fazenda e os representantes dos contribuintes, com três votos para cada lado. Nesse caso, a lei determina que prevalece a decisão em favor do contribuinte. Significa que o assunto está longe ser ter um posicionamento pacífico.
Para as startups, a mensagem é no sentido de que a posição favorável à natureza mercantil dos planos de stock option como mecanismo de ILP vem se consolidando, mas é preciso ter cuidado em sua formatação para que as características atendam às boas práticas de mercado, sob pena de se estar diante de um plano de natureza remuneratória.
Por essa razão é que a leitura do plano deve ser feita a partir das perguntas norteadoras aqui propostas, sendo que a natureza mercantil do plano vai estar muito relacionada à disposição efetiva da empresa em ter seus colaboradores como sócios. Para o Estado, a mensagem é de que a decisão recente foi um alento. Apesar disso, é importante a sua consolidação.
É comum mencionarmos o papel do Estado, na tríplice hélice, como propulsor da inovação por meio de políticas públicas e pela geração de instrumentos de incentivos fiscais e subsídios. Tão importante quanto esse papel, todavia, é propiciar segurança jurídica na interpretação dos institutos contratuais que servem de apoio à inovação.
Os planos de stock option, importante instrumento para o empreendedorismo inovador, estão se fortalecendo mesmo sem essa segurança jurídica. A abertura de capital do Nubank é uma materialização da pujança da inovação no país e de como mecanismos de ILP podem propiciar o alinhamento necessário entre sócios e colaboradores para o sucesso da empresa.
Se em um ambiente de insegurança jurídica isso vem sendo possível, imagine o que poderíamos fazer se instrumentos para a inovação pudessem ser usados com maior previsibilidade quanto ao custo da sua utilização.
*Eduardo Agustinho é diretor do Instituto iPUCPR Cidades Inteligentes, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), advogado atuante em Direito Empresarial e professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) também na PUCPR. Graduado em Direito, é Doutor em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUCPR e pesquisador visitante na Universidade Paris I Panthéon-Sorbonne e na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI).