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Bruno Dreher*

Mobilidade

Por que o carro próprio não faz parte do futuro da mobilidade

30/10/2020 11:43
O tempo gasto no trânsito diariamente é alto e estressante. Em média, antes da pandemia, brasileiros gastavam 1 hora e 20 minutos por dia indo e voltando do trabalho. Se somarmos todos os deslocamentos diários, este tempo passa para 2 horas e 7 minutos. Em um ano, a soma destas horas representa um total de 32 dias.
Baseado neste modelo de vida, criou-se toda uma infraestrutura para atender toda esta demanda. Avenidas cada vez mais largas, estacionamentos, estradas. Mas os tempos mudam e percebe-se uma tendência clara de mudança do comportamento das pessoas.
Uma pesquisa realizada pela 99 e divulgada no Summit de Mobilidade Urbana de São Paulo de 2019 revelou que 76% dos brasileiros não fazem qualquer tipo de planejamento quanto a seus gastos com transporte. Se fizessem, muitos trocariam o carro próprio para outras alternativas. A pesquisa mostrou que há uma diferença gigantesca entre o que as pessoas pensam que gastam e o que as pessoas de fato gastam.
Segundo a pesquisa, um proprietário de automóvel declara gastar, em média, R$ 357 por mês. Mas o gasto pode chegar a mais de R$ 2 mil se você calcular combustível, IPVA, manutenção, gastos com estacionamentos, multas, seguro, depreciação.
Fiz um cálculo de quanto eu gastaria por mês se tivesse um carro popular zero km sem parcelamento e cheguei em R$ 1,4 mil. Caso o carro fosse parcelado em 36 vezes e incluísse custos com juros, o montante ficaria próximo dos R$ 1,7 mil.
O que eu fiz? Não comprei o carro e me mudei para um local próximo ao meu trabalho. O aluguel é um pouco mais caro e demoro 15 minutos para ir a pé para o trabalho. Quando estou com preguiça, vou de aplicativo e gasto R$ 4,50 por trecho (R$ 9 no total). Se usasse o aplicativo todos os dias, gastaria R$ 198 por mês.
Ou seja, gasto R$ 698 por mês, mas deixo de gastar R$ 1,4 mil e saio com um saldo positivo de R$ 700 por mês. Além disso, somando meus deslocamentos, gasto 8 dias e ganho 24.
Cada vez mais as pessoas farão este tipo de comparação. Ao fazer, perceberão que o carro particular pode não fazer sentido. O think tank independente ReThinkX prevê que, até 2030, o número de pessoas que possuem carro particular cairá 80% nos EUA. Além disso, segundo a ONU, a população mundial que vive em áreas urbanas passará de 55% para 68% nos próximos 25 anos.
Ou seja, a tendência é que cada vez mais pessoas adotem um estilo de vida que envolva morar perto do trabalho e cercado de serviços (supermercado, shoppings, etc), o que fará com que usemos cada vez menos carros particulares.
Isso trará uma mudança gigantesca na infraestrutura das cidades. Os EUA possuem 2 bilhões de vagas de estacionamento para 250 milhões de carros, segundo estudo divulgado pela UCLA na revista Bloomberg Citylab. Isso representa um total de 8 vagas de estacionamento para cada carro. No Brasil, não possuímos um estudo que mostre detalhadamente estes dados, mas acredita-se que sejam no mínimo 4 vagas para cada carro. Imagine: uma vaga em casa, uma vaga no trabalho e todas as vagas espalhadas em shoppings, mercados, farmácias, hospitais, hotéis.
Boa parte dos estacionamentos hoje já possuem ociosidade graças à mudança de comportamento que já se iniciou. Mas um estudo da Universidade do Texas-Austin prevê que, com a popularização dos carros autônomos, essa ociosidade poderá chegar a 90%.
Portanto, se você pegar todos estes dados e imaginar a sua vida daqui 20 anos, você se imaginará chamando um carro por aplicativo, este carro elétrico chegará até você sem nenhum motorista e irá se dirigir sozinho até o destino por você escolhido. Neste caminho, você não encontrará ruas congestionadas e todos os espaços utilizados para estacionamentos serão transformados em lojas, casas, parques, centros de convivência ou qualquer outro fim para facilitar a sua vida. Por isso eu sempre digo: o futuro será muito mais legal que o presente.
*Bruno Dreher é consultor, palestrante, especialista em inovação pela Universidade Hebraica de Jerusalém, membro da World Futures Studies Federation (Paris, França) e World Future Society (Chicago, EUA).