Cristiane Schwanka
Cristiane Schwanka é presidente da Phytorestore Brasil.
Inovação em saneamento
Os aquedutos romanos, os jardins filtrantes e o saneamento
Artigo escrito com a colaboração de Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil; e de Rodrigo Perpétuo, secretário-executivo do ICLEI na América do Sul.
A 16ª edição do Ranking do Saneamento, produzido pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a GO Associados, mais uma vez evidenciou o descompasso entre o ritmo de evolução do acesso à água e tratamento de esgoto e as metas de universalização traçadas em 2020, quando o “Novo Marco do Saneamento” impôs novas obrigações para todos os agentes que atuam no setor, no país. Pelo ritmo atual, serão necessárias décadas para que os compromissos estabelecidos no marco sejam cumpridos. Tempo diferente do estabelecido pelo Marco, de universalizar o saneamento básico no Brasil até 2033.
Apenas como ilustração, enquanto você lê este texto, o equivalente ao volume de mais de 500 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento já foi despejado no Brasil apenas em 2024.
Só que a nova legislação também foi capaz de fomentar abordagens diferentes na discussão de universalização. Quer um exemplo? A de como inovar no setor.
Em que pese o amplo entendimento de que a evolução do saneamento requer investimentos constantes no longo prazo, a emergência climática em que vivemos impõe a necessidade de soluções complementares e de rápida implementação. Em outras palavras, inovação aplicada.
Esse conceito - a julgar pelas diversas situações climáticas extremas que aconteceram no Brasil em 2024, sejam elas as fortes chuvas, as secas rigorosas ou as ondas de calor em boa parte do Sul e Sudeste - demanda imediata ação. Ou seja, é imperativo incorporarmos soluções inovadoras e complementares à pauta de saneamento.
Desde 2022, a Organização das Nações Unidas (ONU) classificou as Soluções Baseadas na Natureza (SbNs) como um dos pilares de desenvolvimento sustentável no planeta. O governo brasileiro, por sua vez, por meio de uma parceria entre o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, o Observatório de Inovação para Cidades Sustentáveis (ICLEI), e a Aliança para a Bioconexão Urbana, já conta com uma lista de SbNs recomendadas para diversos setores, entre eles, o saneamento.
No rol de aplicações das SbNs para o segmento de saneamento, há inovações para recuperação de bacias hidrográficas, renaturalização de margens de lagoas costeiras urbanas, restauração e proteção de nascentes em áreas urbanas e periurbanas, estações de tratamento de esgotos por meio da fitorremediação e aproveitamento energético do esgoto e do lodo, entre muitas outras. É desejável trazer, também, a circularidade para a cadeia de valor do saneamento, seja pelo reuso da água ou pelo aproveitamento de subprodutos hoje lançados em aterros sanitários.
Não é só. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de mecanismos de blended finance, que misturam recursos não reembolsáveis e reembolsáveis, dá mais segurança aos investidores interessados em inovação. O BNDES, portanto, também tem apoiado iniciativas de SbNs, reforçando a percepção de que a tendência global aterrissa para valer no Brasil.
Outra boa notícia é que diversas iniciativas utilizando SbNs já são realidade no Brasil. Niterói, no estado do Rio de Janeiro, uma das cidades líderes nacionais em acesso à água e esgoto tratado, com sistema de abastecimento de água e de esgotamento sanitário por rede já consolidado, conta também com um projeto pioneiro de manejo de efluentes na Lagoa Piratininga. Diariamente, 30 mil metros cúbicos de água de rios urbanos são tratados em uma estrutura de jardins filtrantes, evitando que carga poluidora seja despejada na lagoa. Para além dos benefícios para a natureza e a saúde da população, o sistema de jardins filtrantes promove a ocupação do espaço público.
Mas as SbNs não devem ser vistas somente com as lentes de resolução de problemas. Devem ser observadas como algo que contribui para a construção paisagística do município. E há alguns estados que estão mais abertos a esse olhar do que outros.
O Paraná, por exemplo, é um deles. Como estado pioneiro em diversas áreas, sobretudo no planejamento urbano, a inovação sempre esteve conectada ao movimento de modernização, especialmente na capital Curitiba, que acena para as novas gerações com o Projeto da Reserva Hídrica do Futuro, que prevê a recuperação de 150 quilômetros de rios e a formação de 1.800 hectares de parques paranaenses com visão de futuro para a disponibilidade hídrica. Maringá lidera o Ranking do Saneamento e o Paraná tem todas as condições de reforçar, também a longo prazo, sua condição de referência no setor.
Trocando em miúdos, estar aberto à inovação em saneamento básico não é tornar o projeto mais caro. Mais demorado. É também olhar o simples e trazer a natureza de volta para as cidades, é levar em consideração que o aspecto funcional do tratamento e manejo de águas de chuva não está dissociado do conteúdo paisagístico. Se assim o fosse, os aquedutos romanos, tão importantes no transporte de água do antigo Império, jamais teriam saído do papel, uma vez que seria mais fácil fazer o mesmo serviço próximo ao solo e não em meio aos arcos. A entrega seria a mesma, mas ninguém continuaria os visitando dois mil anos depois de sua construção.
Somemos a isso o fato de vivermos em um país de dimensões continentais, que abriga uma diversidade considerável, não apenas de culturas e riquezas, mas também de desafios geográficos. Os diferentes brasis distribuídos em 5.570 municípios demandam, muitas vezes, soluções pensadas a cada contexto. Para essas soluções, a inovação é grande aliada, pois nos coloca com mais força e assertividade no caminho de universalização do saneamento básico no Brasil.