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Ferramentas de IA já influenciam a criatividade e o aprendizado de crianças e jovens, exigindo novas práticas pedagógicas e formação docente. Crédito: Prostock-studio/Bigstock.

Bruna Mulinari

Bruna Mulinari

Bruna Mulinari é especialista em inteligência artificial e fundadora da Dataplai.

GazzConecta Colab

A inteligência artificial está transformando a criatividade - e a sala de aula precisa acompanhar

31/10/2025 18:08
A inteligência artificial vem alterando silenciosamente uma dimensão central da aprendizagem: a forma como criamos, pesquisamos e interpretamos o mundo. Para crianças e adolescentes, ela não é apenas uma tecnologia de apoio. É uma nova fonte de inspiração, uma maneira diferente de começar a pensar. E essa mudança, ainda pouco debatida dentro das escolas, tem impactos profundos sobre os modelos tradicionais de ensino
Ferramentas de IA generativa como tradutores automáticos, assistentes de escrita, geradores de ideias e resumos, ou tutores personalizados já fazem parte do cotidiano de muitos estudantes — seja como reforço escolar, seja como apoio para resolver tarefas de casa. Um levantamento recente mostrou que 35% dos alunos brasileiros entre 10 e 16 anos usam IA no dia a dia escolar (GoStudent, 2025). Em casa, esse número tende a crescer ainda mais, como já ocorre na Europa, onde 44% dos adolescentes utilizam IA para tarefas escolares (Google e Livity, 2025)
Esse cenário levanta uma questão urgente: estamos formando educadores capazes de entender e mediar o uso dessas ferramentas? Atualmente, 74% dos professores brasileiros dizem que gostariam de ter mais formação sobre como usar IA de forma pedagógica, segundo a mesma pesquisa
Essa lacuna de formação também foi confirmada pela Talis 2024, divulgada pela OCDE: no Brasil, 56% dos professores afirmam já utilizar IA em sala de aula, seja para preparar aulas, criar atividades ou buscar métodos mais eficientes de ensino — percentual acima da média da OCDE, de 36%
Entre os principais usos relatados pelos docentes brasileiros estão: criação de planos de aula e atividades (77%), ajustes automáticos de dificuldade dos materiais (64%) e resumos de tópicos (63%). Já os usos menos frequentes incluem revisão de dados de desempenho (42%), criação de feedback para alunos e famílias (39%) e correção de trabalhos (36%)
A pesquisa também revela barreiras: 64% dos professores que não utilizam IA no ensino disseram não fazê-lo por falta de conhecimento e habilidades — embora essa proporção seja menor que a média da OCDE (75%). Além disso, 60% apontam a ausência de infraestrutura tecnológica adequada nas escolas, percentual bem superior ao registrado entre os países da organização (37%)
Esses dados mostram que, ao mesmo tempo em que o Brasil desponta no uso da IA entre professores, o país enfrenta um paradoxo: falta de formação docente e limitações estruturais. Ou seja, enquanto os educadores demonstram disposição e curiosidade em experimentar essas ferramentas, ainda não possuem pleno apoio para explorar seu potencial pedagógico.
A IA não substitui a criação humana, mas altera seus caminhos. Ela provoca, sugere, propõe, e nisso pode abrir novas possibilidades de expressão, investigação e experimentação. Sem orientação, porém, pode também reproduzir respostas superficiais, enviesadas ou substituir o esforço reflexivo por atalhos automáticos. É por isso que o papel do professor, longe de perder relevância, se torna ainda mais central: ele passa a ser o mediador entre a ferramenta e o pensamento
Mais do que personalizar trilhas de aprendizagem ou automatizar diagnósticos, trata-se de reestruturar a forma como o estudante constrói conhecimento em diálogo com a tecnologia. Isso exige formação docente continuada, políticas públicas de conectividade e infraestrutura, além de mudanças curriculares que preparem os alunos para um mundo em transformação.
A inteligência artificial já está moldando a imaginação de uma nova geração. O desafio agora é garantir que essa transformação seja acompanhada de ética, contexto e intenção pedagógica. Porque o futuro da criatividade — e da educação — não está na máquina, mas na forma como escolhemos usá-la.