Primeiro vêm as necessidades das pessoas, depois o lucro. É com essa mentalidade que a Lenovo avança na estratégia de inteligência artificial. Em entrevista à coluna De olho no futuro, o diretor de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) da empresa no país, Hildebrando Lima, falou sobre o presente e o futuro do desenvolvimento da tecnologia visando uma abordagem humanizada. O foco está direcionado para uso da IA na acessibilidade e na área da saúde.
Segundo Lima, que lidera um time com quase 600 pessoas, a Lenovo prevê investir mais de US$ 1 bilhão globalmente em inteligência artificial nos próximos anos, quase um terço do orçamento total previsto para P&D. "Pesquisa e desenvolvimento é um investimento de alto risco, para o qual nem todas as empresas têm vocação. Pode dar errado, mas, no longo prazo, os benefícios são incríveis", disse.
Um desses acertos é o tradutor de linguagem de sinais em tempo real baseado em IA, desenvolvido no Brasil em parceria com o CESAR - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife. No país, mais de 2,3 milhões de pessoas têm deficiência auditiva profunda e enfrentam dificuldades de comunicação.
Considerado pioneiro no mundo, o sistema usa um conjunto de dados de milhares de vídeos de Língua Brasileira de Sinais para identificar visualmente e contextualizar gestos individuais. "A inteligência artificial pode ajudar as pessoas a ter uma interação mais fácil com a tecnologia", explica Lima. O tradutor, que levou cinco anos para ficar pronto, concorre ao prêmio de melhor inovação de IA no festival SXSW, que anunciará os vencedores em março.
Segundo o diretor de P&D da Lenovo, o principal desafio futuro relacionado à IA está no desenvolvimento de ideias duradouras e que sejam, de fato, relevantes para as pessoas. "No longo prazo, entender o que é importante para a sociedade vai ditar as empresas que vão ter sucesso com a inteligência artificial e quais só a utilizarão para o marketing e depois vão desaparecer."
Leia a entrevista na íntegra.
O que está no radar da Lenovo quando o assunto é tecnologia?
Hildebrando Lima: São as famosas duas letrinhas, né? IA. Não é nem futuro, já é o presente. Eu acho que o futuro é uma escalabilidade dessa inteligência artificial para limites quase inimagináveis. É uma nova revolução não só industrial, mas também social. A gente tem planejado o investimento de US$ 1 bilhão globalmente para os próximos anos em inteligência artificial, isso é praticamente um terço do nosso investimento global em pesquisa e desenvolvimento, então por aí você já vê o que que a gente vislumbra.
Qual é o papel do setor de pesquisa em desenvolvimento para concretizar esse futuro?
Hildebrando Lima: Estamos muito focados em três vetores: o primeiro é a acessibilidade, como o projeto de Libras, do qual nos orgulhamos muito. A inteligência artificial pode ajudar as pessoas a ter uma interação mais fácil com a tecnologia, que não é um fim, mas sim um meio.
A inteligência artificial vai ajudar na interação entre as pessoas. O projeto de tradução de Libras começou no Brasil pelo nosso acesso à comunidade e por termos funcionários que se comunicam por linguagem de sinais e nos ajudam a depurar o desenvolvimento, mas isso escala para outras línguas.
Eu gosto de reforçar que o projeto se chama Libras, mas é um projeto que ensina a inteligência artificial a reconhecer gestos. Uma vez que você ensina a IA a reconhecer sinais, o céu é o limite. Você pode falar em qualquer idioma, inclusive a ASL (que é a linguagem de sinais dos Estados Unidos e Canadá). Uma pessoa pode sinalizar para a câmera em ASL e a outra pessoa pode receber a mensagem em Libras por um avatar humanizado e vice-versa.
Temos também uma pesquisa de saúde na área cardíaca. Estamos trabalhando com o InCor - Instituto do Coração - para monitorar alguns sinais há três anos e meio e a fase atual é de verificação clínica. Já passamos pelos protocolos da Anvisa e de cardiologia. Tanto a acessibilidade quanto a parte de saúde se destacam por atingir positivamente a vida das pessoas.
Uma outra frente importante que a gente tem com inteligência artificial é o gerenciamento de dispositivos para aprimorar o monitoramento de desempenho de computadores por empresas, institutos de pesquisa e demais organizações, para garantir as funcionalidades máximas e para que os usuários não percam tempo com atualizações, configurações e eventuais reparos.
De que forma a abordagem da Lenovo com pesquisa no desenvolvimento e inteligência artificial se diferencia em relação ao que se vê no mercado?
Hildebrando Lima: Temos uma abordagem humanizada. Primeiro, pensamos nas necessidades das pessoas, que é o mais importante, e depois estudamos como transformar isso em um negócio. Acho que não se pode fazer o caminho contrário. É uma mentalidade motivadora que vemos dentro da Lenovo.
A maioria dos membros na nossa equipe interna, de 60 pessoas, e externa, em universidades e institutos de pesquisa, de quase 500 pessoas, são geração Z e se eles não tiverem uma motivação, eles podem trabalhar onde eles quiserem. São pessoas procuradas pelo mercado, e se você não der uma motivação, elas não ficam.
O nosso lema é “tecnologia mais inteligente para todos”. Desde o topo da empresa, estamos focados em resolver problemas de verdade. Não somos uma empresa que atua diretamente no segmento de saúde, mas desenvolvemos as tecnologias pensando em como os operadores de saúde podem atender melhor as pessoas, por exemplo.
O próprio projeto de Libras recebeu investimento de US$ 4 milhões em quatro anos, e ainda não tinha ido ao mercado. Se fosse uma outra empresa, que vislumbra objetivos financeiros de curto prazo, não persistiria na pesquisa, não insistiria em erros e acertos, em milhões de horas gravadas para a inteligência especial ser treinada, não investiria tanto na contratação de experts em linguagem de sinais. Pesquisa e desenvolvimento é um investimento de alto risco para o qual nem todas as empresas têm vocação. Pode dar errado, mas, no longo prazo, os benefícios são incríveis.
Como a Lenovo entende o papel do Brasil na pesquisa e desenvolvimento da tecnologia e inteligência artificial?
Hildebrando Lima: Temos pesquisas no Brasil de uso da inteligência artificial para aprimoramento dos nossos processos industriais, que é algo mais contido na robotização da nossa manufatura.
Nossa presença é reconhecida e importante. O nível de investimento que recebemos aqui no Brasil, para projetos que muitas vezes nascem aqui e vão para fora, é cada vez mais relevante.
Quando eu assumi a nossa área de P&D, em 2017, tínhamos 28 pessoas no time interno, e cerca de 110 no time externo, nos nossos parceiros, institutos de pesquisa e universidades que trabalham em projetos exclusivamente para a Lenovo. Hoje, já somos quase 600 pessoas neste ecossistema. Então, temos um papel muito relevante.
A Lenovo tem uma cultura de permitir ideias de baixo para cima. Tanto que, no processo de patentes, funcionários de qualquer área podem dar uma ideia, que é apoiada por uma equipe. Dando certo, ela é patenteada. Tem gente de vendas, de marketing, que tem patentes registradas, e você vê as ideias virando produto - pode ser uma nova maneira de fechar o PC ou uma nova disposição de teclado.
O que você enxerga de oportunidade e, também, de desafios para o futuro da tecnologia, do desenvolvimento da inteligência artificial?
Hildebrando Lima: Como oportunidade, eu vejo especialmente a área de acessibilidade. É o grande foco, especialmente para o tipo de desenvolvimento com o qual temos trabalhado. Eu vejo uma grande oportunidade de crescimento como de aprofundamento nesse segmento, já que pretendemos ir para outros tipos de acessibilidade.
Como desafio, eu enxergo a velocidade com que as coisas estão acontecendo e a dificuldade de fazer uma contribuição real e não algo que perde a relevância depois de dois ou três anos. Um exemplo é o da TV 3D, que era revolucionária, mas hoje não se fala mais nisso. Temos uma preocupação, um desafio muito grande, de criar soluções realmente duradouras. Lógico que elas precisam evoluir com o tempo, mas não podem ser algo rapidamente esquecido ou ignorado.
Os outros desafios estamos enfrentando taticamente, como a parte de LGPD e a capacitação. Estamos capacitando, estamos entendendo as regras e aprendendo com as novas normas conforme elas surgem. Não vejo isso como desafio no sentido de ser um bloqueio para nós no futuro.
No longo prazo, entender o que é importante para a sociedade vai ditar as empresas que vão ter sucesso com a inteligência artificial e quais só a utilizarão para o marketing e depois vão desaparecer.
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