Thumbnail

A Inteligência Artificial vai expor a diferença entre quem conduz conversas e quem apenas recita frases decoradas. Crédito: Fresh Pixel.

Thiago Muniz

Thiago Muniz

Thiago Muniz é CEO da Receita Previsível Consultoria, professor na FGV em todo o Brasil de marketing e vendas e mentor de negócios.

Cresça 1% todo dia

O fim do vendedor "scriptado" com a IA (e como se reinventar)

02/07/2025 13:30
Nos próximos meses, a Inteligência Artificial vai escancarar a diferença entre o vendedor que realmente conduz conversas e quem apenas recita frases decoradas. A Harvard Business Review detalha como a IA generativa em vendas, com ferramentas que geram e-mails em segundos e compõem resumos de reuniões, expõe informações que antes levariam horas para serem obtidas. O cliente percebe, com clareza, quem domina o diálogo.
Um estudo da McKinsey projeta que a produtividade comercial pode avançar entre 3% e 5% com a aplicação estratégica dessas tecnologias em vendas B2B, criando um novo padrão para cada oportunidade.
Pense na última vez que alguém entrou em uma reunião com perguntas genéricas. Agora, imagine o mesmo encontro com um vendedor que leu todos os artigos do prospect, identificou sua prioridade e chegou com um plano objetivo. O roteiro engessado perde valor; o que importa é a capacidade de escutar, ajustar e decidir com base em um critério prévio.
O vendedor que se apoia apenas em scripts segue um caminho linear. O profissional que entende o contexto escolhe onde aprofundar, o que reduzir e quando silenciar. Ele transforma dados em orientação prática e usa a tecnologia como apoio silencioso, não como substituto.
Quem permanecer preso a roteiros rígidos perceberá que nunca exerceu, de fato, o papel de vendedor, apenas ocupava uma cadeira. O mercado agora valoriza quem interpreta sinais, responde em tempo real e oferece segurança concreta para a decisão de compra.
Essa mudança não deve ser vista como ameaça, mas como uma oportunidade para qualificar a profissão. O verdadeiro vendedor não depende de frases predefinidas; ele se baseia em critério, empatia e preparação. O vendedor do futuro não será super-humano, mas, sem dúvida, mais humano do que jamais foi.
A mudança inegável
Vendas não evoluíram apenas por vontade dos gestores. O cenário mudou porque, a cada trimestre, surgem evidências de que manter processos antiquados custa caro. A Gartner estima que 75% das empresas de alto crescimento adotarão Revenue Operations (RevOps) até 2025, alinhando Marketing, Vendas e Sucesso do Cliente. É um recado direto: integrar dados não é tendência, é requisito de sobrevivência.
Não se trata apenas de juntar planilhas. Uma análise da Forrester, publicada pela Forbes, mostra que personalizar cada interação reduz até 30% do tempo de ciclo comercial em vendas complexas e eleva a taxa de conversão em 15%. Quanto mais a tecnologia entrega contexto, menos tempo o cliente fica em dúvida e mais valor ele enxerga em cada contato.
Paralelamente, um relatório destacado pela VentureBeat aponta que 65% dos compradores B2B preferem experiências de autoatendimento em vez de contato imediato com vendedores. Isso não significa dispensar a equipe comercial, mas repensar o momento certo de entrar em cena. Vendedores que dominam critérios de entrada e saem da abordagem genérica conversam com prospects já educados e prontos para decisões mais profundas.
Esses números formam um eixo claro:
Dados como ponto de partida: Sem informações estruturadas, qualquer ação corre o risco de ser mais esforço do que resultado.
Personalização como acelerador: Quanto mais individual a conversa, menor a resistência do comprador.
Governança como garantia: Integrar áreas e definir responsabilidades evita perda de oportunidade e sobrecarga de tarefas.
O vendedor do futuro precisa interpretar esses sinais em tempo real. Ele chega à conversa sabendo o que move o prospect, ajusta a abordagem de acordo com a jornada e traduz dados em direção clara. Essa habilidade transforma a visita em valor e encurta o caminho até o contrato assinado.
Como Alinhar processos, pessoas e IA
Informação sem aplicação se perde. Depois de entender por que a integração de dados é inevitável, é hora de traduzir a teoria em ações concretas. A seguir, quatro iniciativas que têm mostrado resultado em empresas B2B que já modernizam suas máquinas de receita:
Crie um núcleo de RevOps enxuto: Integre Marketing, Vendas e Customer Success em uma célula responsável por governar indicadores-chave e definir "handoffs". O objetivo é que todas as áreas conversem sobre a mesma verdade numérica. Sem esse hub, cada equipe corre em direções diferentes, e a previsibilidade se dissolve.
Passo inicial: Eleja métricas compartilhadas — por exemplo, geração de pipeline qualificado, velocidade de avanço por estágio e expansão de receita na base. Revise semanalmente em reunião conjunta.
Estabeleça uma rotina de personalização guiada por IA: Ferramentas como copilotos de vendas, geradores de e-mail e plataformas de insights comportamentais devem ser configuradas para sugerir abordagens, não para enviar mensagens automáticas sem revisão. Determine critérios de uso: todo e-mail de prospecção deve incluir pelo menos um dado contextual extraído da análise de comportamento digital do lead.
Passo inicial: Selecione três campos obrigatórios (ex.: tópico de interesse recente, desafio declarado publicamente, referência a conteúdo consumido) e faça da IA a fonte desses pontos.
Redesenhe a etapa de descoberta com perguntas abertas: Abandone checklists engessados. Troque “qual é o seu orçamento?” por “quais projetos competem com essa iniciativa?” para mapear a prioridade real. Use a IA apenas para sugerir novas linhas de investigação, nunca para limitar a conversa.
Passo inicial: Grave reuniões de descoberta, peça à IA um sumário dos temas levantados e avalie se as perguntas abriram espaço para objeções profundas.
Implante treinamento contínuo focado em análise de chamadas: Em vez de workshops isolados, utilize tecnologia para gerar "highlights" de cada ligação e discutir em sessões curtas. O vendedor avalia o próprio desempenho, o líder orienta ajustes e a IA fornece comparativos objetivos.
Passo inicial: Escolha duas ligações por semana para análise coletiva. A IA destaca sentimentos do cliente e momentos de hesitação; o time debate alternativas.
Essas quatro iniciativas criam um ciclo virtuoso: dados alimentam contexto, contexto orienta ação, e a ação gera novos dados. O resultado é previsibilidade baseada em critério, não em esperança.
Organize-se antes de acelerar
Antes de adotar qualquer ferramenta nova, mapeie como cada área opera hoje. Identifique onde a informação se perde, defina responsáveis por atualizar dados e estabeleça revisões quinzenais para ajustar o percurso. Sem essa clareza, qualquer investimento em IA vira custo encoberto.
Crie um playbook vivo: descreva etapas, perguntas-chave e indicadores mínimos. Deixe espaço para evolução, mas proteja o núcleo que garante consistência. Quando todos sabem o que medir e onde registrar, a previsibilidade se torna consequência, não aposta.
O Astrônomo, o Telescópio e a escolha
O telescópio mais avançado não descobre nada por si só. Ele amplia o horizonte, mas precisa do astrônomo para apontar, interpretar e transformar luz em conhecimento.
A Inteligência Artificial faz o mesmo no universo de vendas. Ela revela padrões discretos, sugere caminhos e acelera tarefas. Cabe ao vendedor decidir onde olhar, o que perguntar e como transformar dados em diálogo.
Se a opção for continuar recitando frases, o equipamento segue apontado para o vazio. Se a decisão for ler o céu com atenção, cada insight vira coordenada segura para fechar negócios com confiança.
O vendedor do futuro não será super-humano. Mas será, sem dúvida, mais humano do que nunca, porque unirá o alcance tecnológico à sensibilidade que nenhuma máquina consegue replicar.