Esses dias, dei um feedback duro para um dos meus representantes de desenvolvimento de vendas (SDRs, sigla em inglês para Sales Development Representatives). Ele me disse que tinha preparado um script para abordar os leads (potenciais clientes). Virei para ele e falei com transparência: “Não foi isso que combinamos, e não é o que está no nosso playbook. Aqui, não acreditamos em script padronizado”.
Desde sempre, o script de vendas foi tratado como a arma definitiva para fechar negócios. Um conjunto de frases estrategicamente montadas para levar o lead do ponto A ao ponto B e, se tudo desse certo, finalizar a venda como um truque mágico. Mas será que vender é só seguir um roteirinho de guru? Será que uma abordagem engessada realmente funciona no mundo das vendas B2B, no qual as dores do cliente são cada vez mais complexas e exigentes?
A resposta é não. Vendas eficazes não dependem de frases decoradas, mas da habilidade do vendedor em entender o cliente e adaptar sua abordagem conforme a conversa avança. É preciso substituir scripts por estratégia, improvisação consciente e inteligência na qualificação por parte dos SDRs.
A verdadeira arte de vender: perguntar antes de falar
O primeiro erro do vendedor que segue um script à risca é acreditar que falar muito é vender. Mas será mesmo? Os melhores vendedores não são aqueles que falam mais, mas os que fazem as perguntas certas, como o mais chato da Atenas antiga, o questionador Sócrates.
E aqui entra algo importante da comunicação persuasiva: a construção de um fluxo narrativo envolvente. Grandes discursos seguem um arco de desenvolvimento claro, no qual a tensão inicial leva a um insight poderoso, que depois se transforma em uma ação concreta. Aplicado diretamente em vendas, isso significa que um vendedor precisa entender a conversa como um diálogo, não como uma sequência de falas engessadas. Se fosse isso, era mais útil falar com um robô.
Por exemplo, na Metodologia Receita Previsível, quando queremos saber se um cliente realmente é potencial, fazemos uma abordagem de qualificação que segue uma lógica, o que chamamos de AWAF (sigla em inglês para Are We a Fit?, ou algo como "somos compatíveis?") e que serve para:
Filtrar prospects que não têm perfil ideal e evitar desperdício de tempo;
Direcionar clientes qualificados para um funil bem definido;
Criar valor desde o primeiro contato, estabelecendo autoridade.
Aqui, quem fará essa ligação não pode depender de um script rígido. Ele deve trabalhar com perguntas estratégicas para guiar a conversa:
Quem é o decisor dentro da empresa? Se o vendedor está falando com alguém sem poder de decisão, o negócio já nasce com um gargalo;
Qual é o perfil do cliente ideal? Tamanho da empresa, mercado, complexidade de vendas - tudo isso impacta a abordagem;
Há orçamento definido? Sem dinheiro reservado, a venda fica muito mais longa e incerta.
Isso não é um script. Isso é direcionamento estratégico. Um pré-vendedor de alta performance conduz a conversa sem parecer um robô ou IA, usando variação de ritmo e utilizando perguntas que têm o objetivo de entender quem é o cliente, a situação e se ele pode comprar de nós.
Ao invés de scripts, utilizamos objetivo naquela ligação que, no caso acima, é qualificar se o lead pode ou não fazer o investimento agora.
A personalização como vantagem competitiva
Sabe o que diferencia um discurso que convence de um que soa forçado? A sensação de que ele é feito sob medida para quem ouve. Se o vendedor apenas repete frases decoradas de um playbook, ele não constrói um diálogo - e sim perde a chance de transformar um lead curioso em um cliente.
Isso acontece porque vendedores que só se apoiam em roteiros não adquiriram a habilidade de ver os sinais do cliente. Eles seguem adiante, mesmo quando deveriam parar, escutar e reformular a abordagem. E a personalização tem impacto direto na conversão:
Ou seja, não se trata apenas de vender lendo uma sopa de letrinhas, mas de vender do jeito certo: ouvindo o cliente, fazendo perguntas e entendendo o momento correto para o abordar.
Vender não é decorar, é construir conexão
Se o cliente diz que "precisa pensar", o vendedor tem que saber que não se trata de tempo, mas de falta de clareza. Se ele afirma que "não tem orçamento", o vendedor já sabe que o problema real pode estar na prioridade daquele investimento.
O ótimo profissional comercial não responde com frases pré-prontas escritas em documento do Google, mas com insights que desmontam objeções de maneira natural e fluida, ouvindo de forma atenta o que a pessoa do outro lado está falando. Ele sabe que persuasão não é empurrar um discurso, mas alinhar dores, benefícios e prioridade daquele produto para o cliente.
A reflexão final: seu processo está baseado em verdadeira presença ou decoração?
Pare de depender de scripts milagrosos. Construa um processo que faça seu vendedor realmente se interessar pelo cliente, ouvir atentamente e entender se ele é um bom cliente para sua solução.
A sua operação ainda depende muito de scripts pré-prontos? Então, está na hora de repensar sua abordagem, criar diálogos intencionais e funcionais que realmente funcionam.