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Anderson Godz

Desde 2016 Anderson Godz é investidor, conselheiro de administração e advisor para nova economia, projetos e governança corporativa. Autor de livro, criou uma comunidade de governança com mais de 12 mil pessoas. É conselheiro da Gazeta do Povo.

Partnership e mini-IPOs: novo normal será mais sobre sócios do que relações de trabalho

28/05/2020 16:46
De acordo com a versão mais recente do relatório State of the Global Workplace, da americana Gallup, 85% dos trabalhadores ao redor do mundo não estão realmente engajados em suas atividades profissionais. Antes da hecatombe de 2020, as ideias e o capital já tinham perdido importância para o valor de execuções rápidas, tipicamente realizadas por empreendedores extremamente engajados em empresas joviais. Neste sentido, a pergunta que me fiz e que originou essa reflexão foi: teremos novas relações de trabalho e diferentes equações de propriedade nas empresas?
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Penso que duas correntes podem emergir. A primeira será de uma volta às zonas de conforto das grandes empresas, sobretudo pela quebradeira geral das menores. Será que as pessoas irão se contentar com níveis mais simples de Maslow para, no limite, apenas sobreviver?
Quero acreditar em uma segunda corrente, na qual os profissionais vão valorizar ainda mais seu precioso tempo e buscarão maior realização na construção de legados em que possam imprimir o próprio DNA. Essa corrente também seria alimentada pelos bilhões de cérebros que definitivamente descobriram o trabalho hiperconectado.
Assim, pressionaríamos ainda mais os modelos de
gestão tradicionais de enfadonhos esquemas de pirâmide: no topo e em muito
menor número estão os executivos do alto escalão da empresa, os chamados
C-Level (CEO, COO, CFO, etc); com seus bônus extraordinários como se fossem os
únicos seres capazes de serem reconhecidos de forma financeiramente
extraordinária pelo sucesso de suas companhias. Por vezes, nos geram casos sui generis, como a brasileira IRB e o
fim do bônus de executivos para valorização de suas ações, ou a alemã
Volkswagen, que manteve bônus em meio a escândalos de fraude na emissão de
poluentes.
Vale lembrar das características do modus operandi atual. A fim de engajar os colaboradores, muitas empresas adotam programas de incentivo. Os mais comuns são os de curto prazo: participação nos lucros e resultados (PLR) e bônus, que costuma ser trimestral, semestral ou anual.
O PLR, contudo, precisa ser homologado com o sindicato da categoria e os valores podem ser calculados de acordo com fatores como metas, cargo exercido na empresa ou índices, como produtividade e lucratividade. Nas empresas joviais, podemos ter atrelado a isso o método OKR (sistema de definição de metas - “objetivo e resultado-chave”, em inglês).
O bônus, por sua vez, pode derivar de uma
porcentagem do salário e também costuma variar de acordo com os resultados e
performance dos colaboradores. Ao contrário do PLR, ele tem tributação de
encargos trabalhistas e previdenciários para a empresa. O grande problema dos
programas de incentivo de curto prazo é justamente esse: são de curto prazo.
Um novo modelo (que nem é tão novo assim, mas ainda não é muito difundido) é o Partnership, que pode ser entendido pela possibilidade estruturada e mais ampla de um colaborador não apenas se sentir como um, mas tornar-se sócio da organização – um “colaborador-sócio”, portanto.
No Brasil, um dos mais antigos casos é o da XP Investimentos, que hoje tem centenas de colaboradores-sócios. O modelo ganhou o mundo, entretanto, com a Goldman Sachs, nos EUA (e até virou livro).
Entre os benefícios: cria nos funcionários o espírito de dono e ajuda a empresa a conseguir um maior engajamento por parte dos colaboradores, que vão investir toda a sua expertise e esforços na companhia. Em uma forte cultura de meritocracia, os colaboradores veem maiores chances de se tornarem sócios e constroem juntos metas de norte. Mais do que criatividade, o modelo traz contínuo fôlego ao negócio, com objetividade e riquíssimo foco em resultado para qualquer custo adicional, do cafezinho a novas contratações.

Alguns pontos deatenção

No início dos anos 2010, quando iniciei o ciclo empreendedor, travei boa batalha com meu então sócio sobre trazermos mais reforços de capital intelectual que estivessem motivados por algo maior que apenas bons salários, ou seja, que fossem também sócios. Na época, não existiam palavras chiques como “Partnership” - sequer “startup” era um termo difundido. Ganhei o embate (entre tantos outros que aprendi com ele), o que certamente foi um dos aspectos relevantes para o sucesso daquela empresa.
Mas o modelo precisa ser bem construído, ou pode
representar um tiro no pé. A necessidade de transparência é bastante peculiar,
sobretudo porque os padrões de trabalho, de conduta e ativos de processos
organizacionais, na maioria dos casos de empreendimentos joviais, não estão
prontos. Todavia, os colaboradores precisam ter muito claro as metas uns dos
outros e as possibilidades de ascensão.
É preciso também um bom planejamento, para que a
companhia tenha a certeza de que não irá inflar seu quadro societário sem
necessidade. No Partnership, um colaborador é desafiado constantemente, seja
pela questão financeira, pelos desafios intelectuais ou, ainda, de crescimento,
que em geral são mais intensos; crescer de forma mais acelerada alimenta o
modelo, e também é alimentado por ele.
É interessante, porém, que a empresa não faça do
Partnership um modelo obrigatório para todos os colaboradores. Certa vez ouvi:
“Mas quem disse que quero ser sócio daquela outra pessoa?”. Muitos funcionários
podem, simplesmente, não ter a ambição de se tornarem sócios do negócio. Ao
fazer do modelo regra, bons colaboradores podem se afastar. O ideal, portanto,
é que cada colaborador tenha a possibilidade de refletir a respeito. O melhor é
não condicionar cargos à adoção do Partnership.
Se princípios, valores, expectativas e entregas não forem alinhados precisamente, não há modelo de Partnership que resolva o que nasceu torto. Por isso, no Gonew.Co desenvolvemos e aprimoramos uma prática que deve preceder o Partnership: o Board Canvas; em apenas uma página simplificamos o alinhamento de sócios em torno de quatro temas, que são “Princípios e Valores”, “Expectativas”, “Entregas” e “Controle”.
Com base nele criamos também um programa gratuito
de aceleração e mentoria focado nas relações societárias: o PartnerLab, para auxiliar o
alinhamento de sócios nesse crítico momento das empresas.
Em nossa comunidade, acreditamos que isso agora é
essencial. Antes mesmo do Covid-19 uma das maiores causas de falhas em negócios
já era o conflito de sócios. Se considerarmos os desafios pós-pandemia e a
tendência de que, a partir de agora, teremos modelos empresariais com cada vez
mais sócios, tais conflitos podem aumentar.

Mini-IPOs vêm aí

Já o conceito de “Mini-IPOs” é recente no Brasil, e começa a ser discutido no âmbito da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Trata-se, como o nome sugere, de uma pequena emissão de ações sob orientação/normativa da CVM para startups e PMEs. A principal vantagem será a futura transação em mercado secundário dos investimentos feitos, como na atual bolsa de valores, só que para empresas menores. Além disso, novas captações podem ser feitas com novos ciclos de emissão de ações (ciclos de mini-IPOs).
Mirar Mini-IPOs, adotar modelos de Partnership ou
práticas como o Board Canvas pode ser um diferencial para as empresas na busca
por maior alinhamento de sócios. Como pregamos no Master
em Governança & Nova Economia
, é vital que modelos de
governança joviais empoderem times fundadores para gerar não somente desempenho
excepcionais, mas um verdadeiro empenho coletivo para o sucesso da empresa. E
isso pode ser especialmente útil em um contexto que traz tanto incertezas como
mais oportunidades de inovar.
Verdade que, nesse cenário, os novos negócios, spin-offs, startups, pequenas e médias empresas podem ter alguma vantagem. Eles já vinham alterando a equação de propriedade vs inovação. É verdade, também, que é naturalmente mais difícil endereçar as mais antigas e complexas equações societárias. Por outro lado, os ciclos empresariais que já estavam diminuindo tendem a reduzir ainda mais.
Diante de tempos hiperconectados precisaremos de modelos e práticas que criem incentivos maiores que apenas relações de trabalho, que sejam muito mais sobre jornadas de pares e que tenham no seu pilar fundamental a promoção a um grande espírito de dono. E donos, claro, muito bem alinhados.