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Marco Poli

Marco Poli é mentor, advisor, conselheiro, professor, palestrante, escritor e investidor em startups. Ele é fundador da ClosedGap Ventures. Graduado em Engenharia Mecatrônica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, com MBA Executivo em Finanças pelo antigo IBMEC-SP, atual Insper. É conselheiro da Gazeta do Povo.

Ambiente de negócios e inovação

Executivo apresenta marco legal das startups, mas ainda há muito a ser feito

23/10/2020 13:08
Em dezembro de 2019, essa coluna abordou a versão do marco legal das startups proposta pelo legislativo (PLP 146/2020) encabeçada pelo deputado João Henrique Caldas, o JHC (PSB-AL), mas com amplo apoio da direita e até da esquerda na Câmara dos Deputados, conseguindo nada menos que outros 19 co-autores assinando o texto. Já naquele texto cogitava-se quando o executivo enviaria a sua versão do projeto. O projeto do Legislativo foi, então, taxado de importante, mas tímido. A expectativa do texto do Executivo era grande.
Apresentado essa semana o projeto do executivo, capitaneado pelo secretário especial Carlos da Costa dentro do Ministério da Economia, foi protolocado como PLP 249/2020, e imediatamente apensado ao anterior. Isso significa que terão tramitação conjunta e ao final provavelmente constituirão um único texto, sob a relatoria do deputado Vinicius Poit (NOVO-SP).
O executivo enviou uma proposta tímida, assim como a proposta do legislativo. Abordando alguns outros pontos além da anterior, mas ainda deixando muito potencial para melhoria.
Novidades sobre esta versão mais recente são relevantes, tais como os sandboxes regulatórios, as compras inovadoras pelo Estado, a permissão para fundos obrigatórios de setores regulados poderem participar de investimentos em startups, e também uma importante flexibilização da lei das sociedades anônimas para facilitar a abertura de capital por empresas menores e redução de burocracia obsoleta.
Muito da nova proposta tem caráter educacional, no entanto. Certa parte instiga a Comissão de Valores Mobiliários (CMV) a estabelecer regras para os fundos de investimento fazerem aportes em startups. Algo que a CMV já tinha mandato e poder para fazer antes. CVM, aliás, que já admitiu em documentos abertos há anos a falta de veículos apropriados para investimento em startups. Como se não fosse função dela mesma criar esses veículos.
Relevantíssimo o endereçamento do problema das compras públicas inovadoras. Se o Estado no Brasil beira os 40% do PIB (considerando multas, juros etc.), se quase metade de todo o PIB brasileiro não possui a autorização legal para comprar de startups, isso significa que os 210 milhões de brasileiros valem muito menos como mercado consumidor para uma startup do que parece. Isso sem contar que 80% dos países da OCDE possuem alguma forma de autorização de compras inovadoras pelos seus governos. Pende um artigo específico sobre o tema, e sobre como a lei de licitações mais atrapalha o país do que ajuda, na sua atual encarnação.
A parte que trata do sandbox regulatório, oficialmente chamado de "ambiente regulatório experimental", é outra das partes mais educacionais do texto. Educacional porque não obriga nenhum dos órgãos que operam a nefasta prática de restrição à competição impedindo entrantes (aberta ou indiretamente) nos seus mercados regulados a implantar os sandboxes. Como alguns deles já os tinham previamente à proposta da lei, isso significa que eles sempre tiveram o poder de fazê-lo.
Autorizar agora algo que não era proibido parece ver pouco efeito prático outro que não a indicação do que deveriam fazer. Especialmente considerando que esses órgãos são frequentemente as agências reguladoras (e análogos com outras denominações) que brotaram aos montes na segunda metade do século 20 e que na prática concentram os três poderes — legislativo, executivo e judiciário — sobre os setores de mercados nos quais intervém.
A seção em que flexibiliza a Lei das Sociedades Anônimas para permitir a abertura de capital de empresas menores é de muita relevância, mas falha em endereçar a falta de um tipo empresarial próprio para startups. Sociedades Limitadas, que constituem a imensa maioria das empresas constituídas no Brasil, não possuem os mecanismos, as autorizações e as proteções necessárias para uma startup. Já as Sociedades Anônimas, mesmo sendo melhores do que as primeiras para esse objetivo, também deixam muito a desejar.
Sendo criada para empresas grandes, para empresas abertas na bolsa e para empresas estatais, a lei das SAs possui uma série de especificidades e intervenções que a torna ruim para qualquer coisa que não esteja nas classes de empresas para as quais ela foi criada. 
O projeto de lei do legislativo foi ainda além na implementação da figura da Sociedade Anônima Simplificada, que retira grande parte do fardo desnecessário presente na legislação sobre Sociedade Anônima, e em especial um dos grandes motivos pelos quais esse tipo empresarial não é utilizado para startups em seus estágios iniciais: o subsídio cruzado às publicações obrigatórias. Subsídio bancado pelos adotantes desse tipo empresarial para privilégio dos jornais impressos, que — completamente irrelevante nos dias atuais de informação instantânea e internet — já foi quase enterrado no início dos anos 2000. Infelizmente ainda sobrevive assombrando os empreendedores com contas na casa das dezenas de milhares de reais a cada convocação de uma simples assembléia geral. O projeto do executivo, felizmente, também endereça esse ponto.
Demandas importantes dos empreendedores e investidores em startups ainda passam desatendidas pelas propostas de legislação. Algumas delas são:
  • Veículos de investimento mais apropriados para startups, dado que os fundos de investimento de hoje não se adequam às necessidades de investidores anjo, por exemplo;
  • A positivação da Plataforma de Intermediação de Serviços, visando a dirimir quaisquer dúvidas quanto a forma de prestação de serviços de transporte, entrega e outros, via aplicativo, que continuam a inundar os tribunais trabalhistas;
  • A obrigatoriedade dos sandboxes regulatórios, que foram meramente "autorizados" no projeto de lei do executivo; 
  • O reestabelecimento da personalidade jurídica de fato, e da sua limitação de responsabilidade, obliteradas por legislações mal pensadas e ideólogos togados;
  • Uma política de Estado de dados e informações abertas para desenvolvimento de novos modelos de negócios utilizando a massa de dados estatais;
  • Um tipo societário flexível e adequado ao século 21 e suas empresas, inclusive as exponenciais; 
  • O SIMPLES-lucro para transferir a tributação da receita para o lucro, e assim reforçar o caixa das empresas nos seus primeiros anos para poderem reinvestir em exponenciar e crescer; 
  • O Mercado de Balcão Qualificado, onde apenas investidores qualificados poderiam operar, mas onde os longos braços da regulação dos mercados de capitais, que são feitas para proteger o pequeno e a poupança popular, deixariam em paz os participantes;
  • A exclusão das startups da base universal de tributação instituída pela lei 12.973/14 que propele nossas empresas a mudarem as suas sedes para o exterior a fim de conseguirem competir em igualdade em mercados com tributação inferior à brasileira;
  • A igualdade de tratamento tributário aos fundos imobiliários, às transações com ações em bolsa de valores e às demais classes privilegiadas pelo legislação e regulamentação;
  • A criação da Conta de Investimento Universal, que possibilitaria a compensação tributária de todas as perdas nos ganhos enquanto os fundos forem utilizados para fins de investimento, e o ganho de capital e tributação sobre a renda ocorreriam na entrada e na saída entre essa conta e a conta corrente do investidor, e não a cada investimento ou desinvestimento isolado;
  • O fim das punições pessoais aos falidos, especialmente a vedação a administrar outras empresas.
Os PLPs 146/2019 e agora o 249/2020 são um começo importante, e indicam uma clara mudança de padrão legislativo e de percepção da função e da importância dos investidores e das startups para o mercado brasileiro. Juntamente com a Lei de Liberdade Econômica, a Lei da Terceirização e as mini reformas trabalhistas estão mudando a direção do Estado brasileiro e tornando-o menos inóspito aos negócios e aos empreendedores. Mas muito ainda precisa ser construído sobre essas fundações para que o Brasil consiga tomar a sua merecida posição no cenário inovador e empreendedor mundial.