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Na última quarta-feira (1°), motoboys que atuam como entregadores para aplicativos de delivery aplicativos paralisaram as atividades em episódio chamado de “Breque dos Apps”.

Anderson Godz

Desde 2016 Anderson Godz é investidor, conselheiro de administração e advisor para nova economia, projetos e governança corporativa. Autor de livro, criou uma comunidade de governança com mais de 12 mil pessoas. É conselheiro da Gazeta do Povo.

Breque dos Apps

O futuro das relações entre plataformas e entregadores pós-pandemia

03/07/2020 14:11
Na última quarta-feira (1°), motoboys que atuam como entregadores para aplicativos como iFood, Rappi, Loggi e Uber Eats paralisaram as atividades em episódio chamado de “Breque dos Apps”. O movimento, organizado por WhatsApp, reivindica pontos que vão da definição de uma taxa fixa mínima de entrega por quilômetro rodado até o aumento dos valores repassados aos entregadores pelo serviço. Os motoboys também cobram das empresas uma ajuda de custo para a aquisição de EPIs contra o Covid-19, como máscaras e luvas.
A precarização do trabalho dos entregadores não é tema novo. Já foi, inclusive, assunto central de uma das nossas edições do Speed & Some Control, realizada em março deste ano, e também alvo de ações judiciais. Em 2019, por exemplo, a justiça paulista penalizou a Loggi em R$ 30 milhões em indenizações, obrigando a companhia a reconhecer vínculo empregatício de seus entregadores. A empresa, que rapidamente se tornou um dos unicórnios brasileiros, poderia ter seu modelo de negócio inviabilizado da noite para o dia caso a decisão não tivesse sido suspensa até apreciação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT).
Por outro lado, há motoboys que elogiam a flexibilidade do modelo e a autonomia por ele proporcionada, que permite a criação das próprias rotinas e ritmos de trabalho – e, consequentemente, de renda. A situação dos entregadores ganha mais força, porém, quando vemos instaurada uma pandemia de proporções nunca vistas antes. Agora, com o isolamento social provocado pela crise do coronavírus, o delivery virou praticamente questão de sobrevivência no novo normal. No pós-pandemia, então, é consenso que todo varejo precisará de delivery.
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Ainda não se sabe qual foi efetivamente a adesão à paralisação, mas a expectativa era baixa. Donos de bares e restaurantes não se mostraram preocupados e muitos motoboys afirmaram que iriam trabalhar normalmente. Parece até uma situação em que a causa interessa muito mais à sociedade civil do que à própria classe.
Não significa, porém, que as empresas de entrega, diante da exposição da situação dos entregadores, não possam gerar algumas concessões em favor deles. A pauta, afinal, não engloba nada de outro mundo. Muitas reivindicações são singelas, como a oferta de banheiro e áreas de descanso e alimentação. Vários entregadores dizem entregar refeições enquanto eles próprios estão com fome - como não se sensibilizar?
Essas questões, é claro, devem ser endereçadas. Ao mesmo tempo, não podemos descartar os benefícios; o mercado brasileiro precisa aprender a debater as questões e contradições em toda a sua complexidade. Isso é também sobre tecnologia, mas não apenas sobre tecnologia.
Hoje, uma economia colaborativa não necessariamente comporta as relações de trabalho estabelecidas no passado, quando tais relações eram pautadas por uma grande proximidade entre empregador e trabalhadores. A exploração do empregado pelo empregador, que exigiu a criação de intermediários, é uma questão cada vez menos relevante (pelo menos nos moldes tradicionais) num contexto em que o trabalhador tem cada vez mais autonomia e possibilidades de escolha em relação à sua fonte de renda.
Estudo divulgado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da ONU especializada em tecnologia, no fim do ano passado, indicou que 4,1 bilhões de pessoas ao redor do globo estão conectadas à Internet, de um total de 7,7 bilhões de habitantes no planeta. E eu tenho certeza de que a pandemia vai acelerar a conexão dos outros 3,6 bilhões. Pensem que há mais de 4 bilhões de indivíduos conectados e que agora conseguem perceber que o trabalho remoto é possível. No Brasil, estima-se que o número de empresas com home office deve crescer cerca de 30% passada a crise do coronavírus. O modelo convencional de relação trabalhista, portanto, de estar sempre presencialmente na empresa como funcionário, está prestes a implodir.
Desse cenário, podemos extrair duas lições: o trabalho via aplicativo e suas contradições não serão só uma pauta dos entregadores. Além disso, nesse embate deve-se agradecer aos céus enquanto o próprio não é tomado por outro tipo de obstáculo: os drones. #speedandsomecontrol