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Anderson Godz

Desde 2016 Anderson Godz é investidor, conselheiro de administração e advisor para nova economia, projetos e governança corporativa. Autor de livro, criou uma comunidade de governança com mais de 12 mil pessoas. É conselheiro da Gazeta do Povo.

Luciano Huck e o Zapzap do poder

29/04/2020 22:31
“Se você mora na região de Vergel do Lago, em
Maceió (AL), e está recebendo essa mensagem (...), a gente quer te ajudar. A
ideia é que R$ 200 cheguem à sua conta de celular como crédito, tipo uma
carteira digital, para você pagar conta, boleto, fazer compras no seu bairro.
Pode confiar”, diz o apresentador de televisão Luciano Huck em vídeo destinado
a moradores da localidade no Nordeste citada na mensagem, conhecida pelos altos
índices de violência.
A iniciativa de Huck se chama Zap do Bem e,
segundo o site oficial, é uma espécie de “conta de banco que funciona no seu
celular”, por meio da Conta Zap, startup de meios de pagamento.
Obviamente, já rolaram críticas no tocante às
intenções do apresentador, cotado como candidato para as eleições presidenciais
de 2022. Não é a isso que pretendo me ater aqui. Ao menos não diretamente. O
que pretendo explanar é como a ação de Huck lança mão de estratégias de um conceito
que estudamos em Gonew.co, que é o “novo poder”.
A noção de “poder” tradicionalmente se liga à ideia de detenção do monopólio, que pode ser político, militar, econômico ou decisório. O poder seria, então, a dependência da maior parte da sociedade a um pequeno grupo.
O “novo poder”, entretanto, ancora-se na colaboração e no compartilhamento. No campo da economia, se antes eram apenas as grandes e tradicionais empresas que reinavam, o que vemos hoje é a ascensão de pessoas, de movimentos, de um maior ativismo em geral, da filiação e do engajamento a quase tudo e a qualquer coisa. Ao mesmo tempo, porém, menor fidelidade a médio e longo prazos.
Enquanto o velho poder é fechado, inacessível e
controlado pelo líder, o “novo poder” é mais aberto, participativo, baseado na
relação entre pares. Nesse sentido, o enfrentamento de questões amplas e
coletivas - neste caso, a crise causada pelo coronavírus - também é um dos
ingredientes do “novo poder” que forma uma tempestade perfeita para a maior das
disputas atuais: a atenção.
O “novo poder” tem a conectividade como uma de suas características principais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que nesta quarta-feira (29) divulgou a versão mais recente da pesquisa Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), 79,1% dos domicílios têm acesso à internet no país.
Em 99,2% desses domicílios, o telefone celular é utilizado para navegar. O acesso à rede por meio da telefonia móvel, portanto, de acordo com o órgão, já faz parte do cotidiano da maioria esmagadora dos brasileiros. Aqui estão incluídos, inclusive, aqueles mais pobres, como os que moram em Vergel do Lago, comunidade que é o alvo do Zap do Bem comandado por Luciano Huck e à qual ele chega através de mensagem, justamente, enviada pelo celular. Temos, portanto, de um lado uma dor forte, de outro uma estratégia do “novo poder”.
Os críticos da ação de Huck apontam para o uso
político e o assistencialismo. Alguns mais fortes antecipam a “compra de
votos”. De outro lado, os defensores justificam que essa sempre foi a linha do
apresentador, reconhecido por quadros na TV que seguem a narrativa de ajuda a
pessoas com limitações financeiras. Vamos tentar abstrair as reais intenções e
analisar três das estratégias do “novo poder” por trás do vídeo de Huck.
Primeiramente, a ação é estrategicamente
direcionada a uma localidade. É o que no “novo poder” chamamos de
“microrredes”. As ações precisam ser planejadas para microrredes para gerar um
sentimento de proximidade e de pertencimento. As pessoas de Vergel do Lago irão
compartilhar velozmente a mensagem quando impactadas pelo famoso apresentador
falando para eles, por eles. Além disso, Huck incentiva que os R$ 200 doados
sejam utilizados para pagar contas! A taxa de conversão tende a ser grande!
O segundo ponto é a acessibilidade. Estratégias
do “novo poder” não podem ter nenhum tipo de fricção. Devem ser rápidas e
fluidas. Observe que, na transação proposta por Huck, não há nenhuma
dependência de instituições financeiras tradicionais.
Por fim, o protagonismo é a cereja no bolo do
empoderamento das pontas nordestinas. Só quem é de Vergel do Lago poderá, com a
doação, fazer “o dinheiro continuar circulando na sua região, ajudando todo
mundo”, como traz o site oficial da iniciativa. Huck é bom de show e games.
Jogo ativado: eles por eles!
Então, sejam quais forem as intenções, as
estratégias do “novo poder” são extremamente poderosas e têm causado impacto e
forte engajamento em muitas iniciativas em várias partes do mundo. Aproveite
períodos de tempestade e de uma dor relevante, fomente a valorização do local
ou de uma caraterística especial de uma microrrede e potencialize tudo pela
acessibilidade e pelo uso da tecnologia.
Mas cuidado! Embora nesses tempos hiperconectados seja paradoxalmente mais difícil discernir as reais intenções, quando isso ocorre, causa efeitos determinantes, para o bem ou para o mal. Isso, contudo, é pauta para uma próxima coluna. #SpeedAndSomeControl!