Ensaio
O que esperar do futuro do trabalho na construção civil e das novas tecnologias
Muito se fala em tendências sobre o futuro do trabalho na construção civil. Assim como em outros setores a única certeza é que pouco se sabe, mas muito se imagina. Por isso decidi fazer um recorte de algumas possibilidades e praticar um exercício de futurismo em algumas linhas:
Novos materiais: A descoberta e a viabilização comercial de novos materiais associados a novas técnicas construtivas, vai criar novas especialidades. Por outro lado, o artesanato, e os trabalhos muito manuais devem ser drasticamente reduzidos. O conceito de durabilidade, ciclo de vida e sustentabilidade tendem a serem motivadores de uso e aplicação de materiais nos próximos anos. Há um bom espaço para quem quiser se enveredar nessa área, seja em projeto ou aplicação.
Em crescimento, estão os pré-moldados, os sistemas do tipo steel-frame, o aço e as soluções à seco. Aliás, como exemplo curioso em termos de novos materiais quase não existem no Brasil profissionais calculistas de UHPC (do inglês, ultra high performance concrete). Se tiver interesse, procure por “ductal” nos metabuscadores. Ele já tem mais de 20 anos de vida.
Maior controle: graças ao barateamento crescente das tecnologias de sensores e comunicação, as máquinas - e certamente as pessoas – terão níveis maiores de controle e performance. As ferramentas de IoT (internet das coisas) e os aplicativos já produzem e processam dados em grandes volumes, possibilitando análises complexas e melhoria de atividades. Hoje já existem dispositivos wearables (vestíveis) para se acompanhar a produtividade e a locomoção dos operários em canteiro de obras.
Exoesqueletos: a tendência é que eles apareçam nos canteiros e escritórios, antes dos robôs. O uso aqui mais adequado e previsto é para trabalhos mais pesados e com repetição. O acesso e a produtividade serão melhorados, bem como as questões de segurança. Adicionalmente, pesquisadores comentam que a aceitação deles será bem mais fácil que os autômatos entre os colegas humanos.
Robôs: é bom reler os livros de sci-fi dos anos 50 e talvez assistir “Os Jetsons”. A chamada densidade robótica, ou seja, a quantidade de robôs por habitante é crescente. O número de robôs em indústria cresce a 9% ao ano, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho). A discussão da cobrança de impostos sobre o trabalho de robôs já é uma realidade. Os trabalhos com necessidade de interação humana e julgamento serão os mais difíceis de serem substituídos. Segundo a McKinsey, 16 milhões de empregos serão atingidos pela automação até 2030.
Escritórios: de um lado, como referência o modelo Google – ambiente de trabalho descontraído, baixa hierarquia, flexibilidade de horários e liberdade. As pessoas levam sua casa ao trabalho incluindo até seus pets, caso queiram. No modelo Intel, o drive é que você trabalhe e interaja a partir da sua casa. Óculos e ferramentas de AR / VR (realidade aumentada ou realidade virtual) transformam a sua copa, em uma sala de reunião intercontinental. A certeza é que o trabalho deverá ser muito mais colaborativo, seja onde e como ele for desenvolvido. As barreiras de idiomas baixarão. Já pensou em oferecer seus serviços de projeto ou consultoria na Malásia?
Drones: já em atividade pelo Brasil, os drones devem ter crescimento importante sob regulamentações adequadas. As aplicações vão desde as mais óbvias como vistorias de serviços e áreas, pequenos transportes e até alguns serviços. Podem ser configurados como pequenos robôs voadores neste caso. Há um campo vasto para os pilotos de drones.
3D: No capítulo das impressões 3D, a gama de aplicações é bem variada. Como soluções simples, a impressão e a fabricação de pequenas peças. Aumentando o grau de complexidade, podemos pensar em impressão de painéis e até de casas, verificadas as questões de escala e custo.
A LafargeHolcim , grande empresa franco-suíça, recém divulgou projetos importantes na área. Algumas startups brasileiras, entre as quais a Inovahouse3D de Brasília (DF), mostram consistência.
Novos empregos ou o fim dos empregos? A polêmica aqui é grande. A maioria das pesquisas aponta saldos líquidos negativos, ou seja, redução de empregos. Jeremy Rifkin previu o fim do emprego 20 anos atrás, bem como deu pista ao catastrófico número de 50% de desemprego em 2050, em países desenvolvidos. O fato é que pouco se sabe sobre quais e quantos empregos serão criados. Alguém imaginaria cinco anos atrás, a profissão de “mergulhador de servidor”, responsável pela manutenção de servidores e data centers subaquáticos? Trabalharemos com coisas diferentes, pessoas diferentes em locais diferentes.
Profissionais com multifuncionalidade ou especialistas? Os dois sobreviverão. Já ouviu falar no conceito de job sharing? Pois é. A regulamentação, a otimização e racionalização de processos e os altos custos são grandes justificativas para isso. Existe uma forte tendência das pessoas trabalharem em múltiplas equipes ou plataformas, com alto grau de interação. É necessário o desenvolvimento de plataformas adequadas para esses matches funcionarem.
A longevidade maior das pessoas, somada a insustentabilidade dos modelos previdenciários atuais exigirá que se trabalhe mais tempo na vida. Isso fará com que as equipes de trabalho possam ter diferenças de idade de duas ou até três gerações juntas. A impetuosidade, a disposição e os poucos preconceitos e temores dos jovens vão se misturar à quilometragem dos seniores grisalhos.
Big Data: Esse é um tema de certa forma novo no mercado de construção. As aplicações aqui são inúmeras. Vão de auxílio a processo de recrutamento / seleção de profissionais, escolha de projetistas, e-commerce, geração de leads, otimização de operação de máquinas e de processos, mapeamento de comportamento de compra, etc. O uso em canteiro de obras junto com sensores IoT é uma alavanca muito importante para os negócios da construção. Imagino aqui um bom espaço para a aplicação de ferramentas do tipo SaaS (software como serviço).
Sharing: O conceito de compartilhamento de recursos, sejam eles espaço, máquinas ou pessoas tende a se intensificar. É o mundo do compartilhamento e dos ativos alavancados. A “uberização” de máquinas, tais como tratores, guindastes ou escavadeiras, já foi uma prática de startups, como a Colloc de Curitiba.
Desintermediação: este é um fenômeno que aproxima entes. Pode ser uma indústria ao seu consumidor, ou quem quer vender com quem quer comprar. Ocupações nas posições intermediárias estão se extinguindo. Quer ver isso na prática? Distribuidores e revendas que fecham. Menos corretores de imóveis no mercado.
No meio de tantas possibilidades e incertezas, algumas suposições parecem ser pouco questionáveis: sempre precisaremos de obras e projetos, seja lá de que forma eles sejam feitos.
*Alexandre Pandolfo é engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da USP em 1993, com especialização em negócios pela ESPM e pela Fundação Dom Cabral. Hoje atua como head de operações da Abrasfe, sócio-diretor da Texta Consultancy & Business Development, blogueiro, palestrante, mentor /investidor de startups e business advisor da Potato Valley Ventures.
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