Reciclajuda
Projeto social amplia renda de catadores de recicláveis em Curitiba
Retrato comum dos grandes centros urbanos, a presença de catadores de recicláveis é uma característica indissociável de capitais de todo o país. A realidade demanda atenção e esforços de diferentes esferas do poder público e, mais recentemente, também despertou a atenção de um jovem empreendedor curitibano.
Matheus Germano Lara, um estudante de políticas públicas, decidiu fazer da presença numerosa de catadores uma oportunidade de negócio ao criar o Reciclajuda, uma iniciativa que pretende gerar renda para esse público. A proposta é transformar as típicas carroças em pequenos espaços publicitários, nos quais estabelecimentos comerciais podem anunciar seus produtos e serviços. A renda gerada vai, em maior parte, vai para o catador, que têm a chance de multiplicar os ganhos para além da catança de materiais.
A inspiração para a criação do projeto veio da própria vivência pessoal e profissional de Lara. De família humilde e filho de trabalhadores braçais, ele passou por muitas fases em sua carreira: foi cortador de lenha, auxiliar de pedreiro, e até mesmo vendedor ambulante de frutas.
Da entrega de panfletos em uma rotina como vendedor porta a porta veio sua aproximação ao mundo do marketing. O dia a dia sob a sol e chuva e alguns quilômetros rodados a pé também coincidiram com um momento delicado do ponto de vista financeiro em sua vida, ele conta. “Tive muitos altos e baixos e, num deles, ainda desempregado, almoçava no bandejão da prefeitura para economizar enquanto passava horas em busca de trabalho”, lembra.
Naqueles curtos períodos de almoço conheceu inúmeros catadores, suas histórias e realidades, o que o inspirou a elaborar um projeto voltado a esses trabalhadores. “Fui criado em um ambiente de muito trabalho, muita simplicidade e desigualdade social. Por isso, queria criar algo que melhorasse a condição de vida daquelas pessoas”, conta.
O ofício como vendedor começou algum tempo depois, após uma lesão definitiva no ombro — e também o levou a ter o primeiro contato com o universo da publicidade em agências de marketing. A rotina como vendedor o levou a eventos de nicho em associações empresariais da cidade. Em alguns deles, como os organizados pelo Vale do Pinhão, apresentava sua ideia a executivos que viam algum potencial em um projeto que unia impacto ambiental e social. “Percebi ali o que significava a palavra 'empreendedorismo' e como aquilo poderia mudar a minha vida e a de muitas outras pessoas”.
Em 2021, com as turbulências sociais e econômicas e a iminência do ESG (social, ambiental e governança) entre as empresas, o projeto Reciclajuda saiu do papel com o intuito de melhorar um cenário ainda cheio de preconceitos e desigualdades sociais, como é o dos catadores, explica Lara. “É um projeto divisivo, polêmico, mas uma polêmica motivada pelo preconceito”, diz. “As pessoas usualmente não conhecem a realidade dos catadores, o que gera desinformação e pensamento crítico errado", afirma.
Uma parceria com uma gráfica local deu início ao projeto com um custo zero para o empreendedor. A Reciclajuda, então, passou a atender indústrias e comércios de Curitiba e região metropolitana. Em comum, todos já tinham alguma familiaridade ou utilizavam o serviço de logística reversa oferecido pelos catadores.
De lá para cá a Reciclajuda expandiu. Atualmente, com seus banners de divulgação de produtos acoplados às carroças, o projeto conta com 15 empresas, e 40 catadores associados. De acordo com Lara, as empresas apoiadoras são, em sua maioria, formadas por empresários que se identificam com a causa dos catadores, possuem familiaridade com o catador de sua região ou, em última instância, estão de olho em um posicionamento ESG. "A proposta do banner nas carroças é dar visibilidade não apenas às empresas, mas às histórias daqueles catadores. É humanizar o trabalho e trazer dignidade", afirma.
O projeto também passou a contar com a parceria de ONGs voltadas à educação e à empregabilidade. Um exemplo está na parceria com ONGS que oferecem contraturno para os filhos dos catadores. Nessas instituições, as crianças e jovens têm acesso a cursos de robótica, reforço escolar, programação, desenvolvimento de aplicativos, esportes, entre outros.
De olho na educação
Prestes a se formar em Gestão Pública pela Universidade Federal do Paraná, Lara quer adicionar uma camada educacional também aos serviços da Reciclajuda. A intenção é ampliar as parcerias do projeto, adicionando novas instituições à rede de parceiros, especialmente aquelas que promovem cursos profissionalizantes e voltados à empregabilidade dos catadores.
“Começamos pela geração de renda pois sabemos que a renda é uma questão emergencial. Mas quando falamos dos catadores, ainda há muito a se explorar. A questão do analfabetismo, por exemplo, é grave, e pretendemos um dia chegar lá”, avalia Lara, que cogita a possibilidade de firmar parcerias com universidades para auxiliar catadores a concluírem o ensino fundamental, por exemplo. “Sabemos que o ensino vai trazer mais liberdade, autonomia e qualidade de vida", diz.
Num futuro próximo, a Reciclajuda deve também chegar a outros centros urbanos além de Curitiba. Segundo Lara, estão no radar as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, além do interior do Paraná. “Estamos em expansão, indo para outras cidades e queremos ir para outros países. Afinal, a relação da pobreza com o lixo é uma questão mundial”, diz.