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Nara Bigolin entre suas filhas, Mariana e Natália Groff, fundadoras do Movimento Meninas Olímpicas. Crédito: Acervo pessoal.

Em busca do ouro

Movimento Meninas Olímpicas incentiva participação feminina em competições globais e quer trazer mais mulheres à ciência e tecnologia

Maria Clara Dias
Maria Clara Dias
11/09/2024 12:32
Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 reacenderam discussões acaloradas sobre um tema que é velho conhecido de todos: a representatividade feminina no esporte. Contudo, essa foi a primeira vez em que o assunto teve diferente perspectiva, graças à participação feminina histórica na delegação brasileira: foram, ao todo, 153 mulheres (55%) contra 124 homens (45%), um marco na história das competições. Mas, se de um lado o tema avança no meio esportivo e alcança marcos significativos, alguns setores continuam a exibir contrastes gritantes quando o assunto é equidade de gênero — a ciência, por exemplo, é um deles.
No Brasil, a participação feminina entre os concluintes de cursos relacionados à ciência, tecnologia, engenharia e matemática, historicamente baixa, ficou ainda menor nos últimos anos. Atualmente, apenas 22% delas concluem os estudos nessas áreas, mostra o IBGE. Nas áreas de tecnologia da informação (TI) e computação, elas são apenas 15% dos graduados.
Para contestar esse cenário, as irmãs Natália e Mariana Groff criaram o Movimento Meninas Olímpicas (MMO), que busca ampliar a participação de meninas em competições globais da área de exatas — uma relevante porta de entrada em renomadas universidades e, consequentemente, do mercado de trabalho.
Contrárias à estatística, as duas são estudantes premiadas em competições globais de conhecimento. Mariana, por exemplo, foi medalhista de ouro na Olimpíada Europeia de Matemática para Garotas, em edição sediada em Kiev, na Ucrânia, em 2019.  As duas se uniram em 2016 para levar essa realidade, até então restrita, a outras meninas do país. Na triangulação do movimento está também Nara Bigolin, cientista da computação, filósofa, doutora em inteligência artificial — e mãe das duas jovens.
O Movimento Meninas Olímpicas é resultado de uma experiência pessoal da família Groff. Sub-representadas em torneios de conhecimento, especialmente no campo matemático, as meninas destoam nas competições mais notáveis do mundo. Foi o caso de Mariana, única menina de sua turma durante a Olimpíada de Matemática. O cenário despertou nela e em sua irmã o desejo de formular um projeto capaz de mitigar os danos dessa participação irrisória de garotas. Entre eles, a ausência de visibilidade e de categorias específicas para meninas em grandes torneios.
Já a expertise de Nara no assunto vem de uma extensa trajetória no meio acadêmico e na organização de diferentes competições olímpicas de conhecimento. Nessa jornada, a cientista já assumiu diferentes papéis, de coordenadora do torneio feminino de computação entre os anos de 2020 e 2023 a coordenadora-adjunta do torneio de física para meninas. Além disso, também faz parte da equipe da Olimpíada Nacional de Filosofia. Atualmente, é professora em tempo integral na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul.
No mesmo ano em que as irmãs Groff decidiram fundar o Meninas Olímpicas, Nara foi convidada para ser professora na Semana Olímpica, data do calendário escolar que se dedica a encontrar os 100 melhores alunos do ensino básico do país e prepará-los para olimpíadas internacionais. Foi nesse contexto em que também pôde se deparar com a disparidade de gênero no meio. “Cheguei lá e não havia professoras e nem alunas. Quando questionei, me disseram que sempre foi assim. A presença feminina na semana olímpica era mínima, e não chegava a 5%”, conta.
O Movimento então surgiu de uma causa pessoal, mas logo se tornou pauta institucional — atualmente, o Meninas Olímpicas é um projeto da UFSM, oficializado pela universidade em 2019.
Nara afirma que há uma relação direta entre a participação de garotas em olimpíadas e a entrada delas em universidades renomadas, que costumam ter cotas dedicadas a estudantes com desempenho positivo nessas competições. Segundo a cientista, é comum a participação de meninas em competições de menores proporções, e que não oferecem tanto prestígio ou visibilidade. Mas, nas competições em que isso acontece, a presença delas é menor. “Quanto mais oportunidade abre uma olimpíada, menor é a presença delas”, explica.
“Na realidade, essa é uma máxima em todas as áreas. Quanto mais uma área perde seu prestígio, aumenta a presença de mulheres. É por isso que temos tão poucas mulheres no judiciário e no meio político. É algo estrutural”
, conclui.

Para além das medalhas

Para além do ingresso em renomadas instituições de ensino, a premissa do Meninas Olímpicas é, também, fazer da visibilidade em competições globais um meio para auxiliar essas mulheres a alcançar espaços de poder, como na política, ciência ou no meio empresarial, explica Nara. “Percebemos que a presença feminina é inversamente proporcional ao prestígio das olimpíadas ou  dos espaços de poder”, afirma. A conclusão foi feita após um levantamento próprio do MMO feito em 2018 que avaliou um período de dez anos.
Como organizadora do Movimento, Nara se dedica a conversar com os coordenadores de diferentes olimpíadas nacionais com o intuito de destacar a importância da presença feminina nessas competições e, quando necessário, promover a criação de troféus específicos para meninas em torneios em que elas ainda são 50%. “Passo o dia todo falando com coordenadores de olimpíadas. Minha função é juntar esses coordenadores, promover debates e demonstrar onde existem gaps. Eu realmente fiscalizo. O meu objetivo é criar constrangimento”, brinca.
Nas redes sociais, o Movimento se empenha em divulgar competições com inscrições abertas, além de manter atualizado o calendário de editais e compartilhar os resultados de competições de todo o mundo. Um exemplo recente foi a Olimpíada Europeia de Informática para Garotas 2024 (Egoi), realizada na Holanda — e cuja participação de estudantes brasileiras rendeu três medalhas ao país.
O perfil do Instagram é atualizado em tempo real por uma equipe com mais de 60 voluntárias, entre estudantes universitárias e ex-olímpicas. “Estamos abrindo oportunidades para meninas que querem desenvolver habilidades extracurriculares em um tema espetacular. Isso conta muito  no currículo”, diz.
Segundo Nara, o calendário de competições disponibilizado no site é o ponto forte do projeto, tendo em vista o atual apagão de informações sobre as competições em curso no país (e fora dele). “É um trabalho árduo e disruptivo. Até o momento, ninguém entendia quando e como as olimpíadas acontecem, como se inscrever ou ter acesso aos editais. Muitas provas tinham datas conflitantes justamente porque nem mesmo os coordenadores das competições sabiam que outras provas estavam acontecendo simultaneamente”, conta.

As líderes do futuro

Em outra frente, o MMO também busca mobilizar o poder público, desenvolvendo projetos de lei que visam a criação de competições para meninas olímpicas em diferentes estados. “Estamos mudando essa realidade, mostrando que as ações afirmativas funcionam sim”, afirma.
Sobre o  futuro, ela é categórica: os esforços do projeto, em longo prazo, trarão resultados positivos para o país, incluindo a retenção de talentos. “As pessoas me perguntam como manter talentos no Brasil. Mas essa é a pergunta de um milhão de dólares… O que sabemos é que, com o incentivo certo, os talentos que se especializaram fora retornam e criam coisas grandes no país que os apoiou”, diz. “A longo prazo, acreditamos que as meninas olímpicas de hoje serão as mulheres no poder amanhã”.