Entrevista
Startup de compra de seminovos vira 1º unicórnio mexicano e pretende chegar ao Brasil em 2021
A cada dez vendas de carros usados no México, nove são fechadas em negociações diretamente com os proprietários. Quando o venezuelano Carlos Garcia Ottati desembarcou na Cidade do México, engrossou tanto essa estatística como outra igualmente expressiva: o número de pessoas que adquire seminovos em transações particulares e gasta mais consertando o carro fraudulento do que com a compra em si.
Irritado com a condição de imigrante recém-chegado que foi passado para trás e com poucos recursos, Ottati resolveu investir numa ideia de literalmente US$ 1 bilhão. Criar uma plataforma de vendas de automóveis que assumisse a responsabilidade pela garantia mecânica dos seminovos, mas que com tecnologia fugisse da burocracia, lentidão e pouca disponibilidade de crédito para financiamento-- tríade que era sinônimo das vendas em lojas formais.
Foi neste vácuo entre o mundo formal e informal que nasceu a Kavak, startup que acaba de alcançar o status de unicórnio e a primeira mexicana a alcançar um valor de mercado superior a US$ 1 bilhão. A empresa, que em quatro anos desde a sua fundação já captou mais de US$ 400 milhões em investimentos de ao menos seis fundos internacionais, hoje mantém uma base de 800 funcionários e recentemente abriu um showroom na Argentina.
O último aporte, realizado no fim de setembro, deve abrir de forma mais escancarada as portas da empresa para os vizinhos latino-americanos, inclusive o Brasil, país onde Ottati adianta que terá uma operação própria já no primeiro trimestre de 2021.
"O Brasil é o mercado mais importante da América Latina para nós, onde a venda de seminovos move cerca de US$ 90 bilhões anualmente, além de ser um país que vive problemas no mercado informal muito semelhantes aos do México", diz o empresário.
A operação hoje funciona da seguinte forma: quem quer vender ou trocar o carro seminovo oferece o veículo dentro do aplicativo Kavak. A empresa faz um lance pelo automóvel e, caso o valor seja aceito, o veículo passa por uma inspeção. Em seguida, a empresa investe em possíveis reparos e reprocessa o carro, sendo possível assim oferecer garantia mecânica ao novo cliente e assumir o status de que Ottati chama de "um carro que venderíamos para nossas mães".
Para quem quer comprar um seminovo, o acesso também é feito através da plataforma, onde é possível escolher o carro e acessar formas de financiamento.
O segredo é manter não só a plataforma de marketplace, mas também uma fintech dentro do modelo de negócio, um sistema de algoritmos que consegue avaliar o perfil do cliente e oferecer taxas competitivas de financiamento de modo seguro.
Após a compra, o consumidor permanece na plataforma, programando manutenções, pagando multas e até hipotecando ou refinanciando o veículo dentro do que os gestores chamam de "Clube Kavak".
Em entrevista exclusiva ao GazzConecta, Ottati explica como a startup se tornou líder em compras e vendas de seminovos no México e como pretende ganhar espaço no mercado brasileiro, ecossistema que de acordo com sua avaliação está cinco anos à frente em desenvolvimento de tecnologia. Confira:
Onde você acredita estar o sucesso do modelo de negócios da Kavak?
Nos últimos quatro anos, podemos dizer que crescemos muito olhando para a experiência do cliente, usando como base a tecnologia e inteligência artificial para nos ajudar a tomar decisões rápidas e certeiras.
Nossos algoritmos nos ajudam desde a precificação até a definir em que termos financiaremos cada cliente. Isto nos torna muito atrativos.
Mas, sobretudo em um mundo onde as transações eram quase que exclusivamente particulares, o nosso modelo de negócio elimina riscos de sequestros e fraudes. Eu vivi isso como imigrante e sei que quando as pessoas compram um carro estão investindo um alto valor.
Por isso queremos nos colocar entre os clientes e os processos que são perigosos ou não muito divertidos durante a compra de um carro, como a papelada, para que sejam resolvidos em um clique, permitindo assim que eles foquem no que é realmente importante: encontrar o carro dos seus sonhos e desfrutá-lo.
Agora que vocês atingiram o status de um unicórnio, qual é o próximo passo?
Temos três metas para o capital que entrou e o primeiro deles é a expansão internacional. Começamos na Argentina, abrindo um showroom em uma fusão com a Checkars, e este ano passamos a estudar o mercado brasileiro.
Estamos entusiasmados em usar estes recursos para "tropicalizar" nosso produto e escutar os clientes brasileiros e argentinos sobre como podemos agregar valor a estes países, na medida da necessidade de nossos clientes.
Nossa segunda meta é a expansão dentro do próprio México. Por fim, a terceira prioridade é investir em tecnologia para nossa fintech. Queremos que a nossa financeira digital fique cada vez mais sensível, rápida e ofereça taxas cada vez mais competitivas.
Que tipo de adaptação será necessária no Brasil?
Sem dúvida os primeiros anos deverão ser de escuta aos clientes. Também entendemos que será necessário um investimento em tecnologia e infraestrutura para estar a altura de servir um mercado tão extenso geograficamente quanto o de vocês.
Nossa estratégia deve passar pela arrancada da operação em cidades maiores, onde está concentrada a maior parte dos consumidores, para só então pensarmos em atuar em outras regiões, com uma complexidade geográfica maior.
Para nós, o Brasil é o mercado mais importante da América Latina, a venda de carros seminovos movimenta cerca de US$ 90 bilhões por ano. Por outro lado, entendemos que os problemas que solucionamos aqui são muito similares ao problema que existe no Brasil e em toda a América Latina.
Como vocês avaliam o cenário de inovação brasileiro?
Do ponto de vista de tecnologia e disrupção, o Brasil está mais avançado do que o México. Há muitos empreendimentos e startups que foram pioneiras, abrindo o caminho junto aos clientes, para que eles entendessem e fossem convencidos de que usar a tecnologia é seguro e funciona melhor. Isto nos ajuda, sem dúvidas e é diferente do México, onde nós é que fomos pioneiros sendo os primeiros unicórnios. Por isso nos emociona entrar no ecossistema brasileiro e esperamos que todos os latino americanos tenham orgulho da tecnologia desenvolvida pela Kavak.
Veremos mais unicórnios mexicanos nos próximos meses?
Acredito que nos próximos anos veremos muitas empresas de tecnologia mexicana brilharem. O ecossistema começa a pegar força com a entrada de mais capital no país e empreendedores apostando em construir algo de valor. Mas ainda estamos vivendo uma fase de desenvolvimento, começo de caminhada. Para mim, o México se encontra num estágio que o Brasil estava há cinco anos.