Pioneirismo
Gustavo Comeli, ex-Distrito, conta sobre sua trajetória no ecossistema de inovação de Curitiba
Um dos pioneiros na inovação de Curitiba, desde 2013 no setor, Gustavo Comeli atuou na chamada tríplice hélice da inovação, com experiências na iniciativa privada, instituições públicas e universidades. Comeli, como é conhecido no meio, chegou quando empresas de tecnologia na cidade ainda estavam se organizando e a capital ainda buscava ser reconhecida como potencial de celeiro de negócios de sucesso.
Natural de Formosa do Oeste, Gustavo tem uma longa lista de experiências. Com passagens pelas universidades, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Universidade Tecnológica Federal do Paraná e FAE, além de Sebrae, e por último o Distrito, maior plataforma de inovação da América Latina. Na última experiência, Comeli ajudou no início da unidade do hub na capital paranaense, atuando três anos no negócio, como Head de Corporate Success.
A entrevista exclusiva ao GazzConecta, sobre sua trajetória, atuação e também sobre a maturidade do ecossistema de inovação curitibano acontece em um momento de transição de carreira. No final de janeiro, Gustavo deixou o Distrito para atuar com consultoria de inovação, ainda inserido no ecossistema, mas agora apoiando de forma independente grandes empresas, como a Unimed Paraná, onde passou a atuar como Assessor de Inovação.
Da construção do ecossistema, passando pelas qualidades da liderança e futuro empreendedorismo de impacto na capital: confira a entrevista completa com Gustavo Comeli.
GazzConecta: Como foi o início do ecossistema de inovação em Curitiba e como era a nossa cidade, em termos de mentes empreendedoras e desenvolvimento delas, quando você se inseriu neste meio há nove anos?
Quando chegamos cedo e ficamos por um longo tempo, fica mais fácil observar a evolução. Quem chega agora na cidade, para empreender e investir, pode achar que está tudo pronto e muitas vezes não consegue perceber como esse ambiente foi criado.
Entre 2012 e 2013, quando se começou a falar sobre startups por aqui, nós já tínhamos incentivo do Tecnoparque para desenvolver soluções inovadoras, então o ecossistema começou a ganhar forma em Curitiba e as ideias começaram a virar negócio. Nossa cidade sempre foi organizada no sentido de desenvolvimento de empresas, mas isso foi potencializado. Muitas cidades, inspiradas no Vale do Silício, gostariam de fazer um arranjo semelhante, mas isso não se faz “da noite para o dia”, é preciso muito entendimento com universidades, iniciativa privada, lideranças e empreendedores. Hoje nós podemos observar o resultado desse esforço de cerca de uma década na capital.
O cenário favorável para a inovação que Curitiba está vivendo hoje, com vários unicórnios, é fruto deste ambiente mas também da mente e resiliência dos empreendedores. Alguns que estão no auge hoje, pivotaram e chegaram a passar por momentos de quase falência. Por isso, quem chega agora precisar olhar e reconhecer que esse ambiente é fruto de uma construção coletiva e o resultado permite que tenhamos mais informação que gera conhecimento e aumenta as chances de sucesso.
GazzConecta: Como foi o seu papel neste desenvolvimento de ecossistema?
Eu cheguei no ecossistema de inovação em 2013 e cada um teve o seu papel conforme a instituição que estava, com o seu sonho e suas metas. Alguns muito mais agregadores, outros mais mobilizadores e até mais pragmáticos com resultados, outros com recursos para investir apostando em negócios ainda incertos. Todos foram importantes para construir um ambiente favorável.
Na minha época de Sebrae, entre 2013 e 2018, começamos a ganhar espaço e concatenar arranjos de empreendedores e instituições que atuavam com foco em inovação e tecnologia, haviam muitas iniciativas na cidade.
Entre 2014 e 2015 começamos a unir estes núcleos inovadores e fazer processos de integração. Na época usamos alguns espaços como a Aldeia Coworking, a Fábrica de Startups, Incubadora do TECPAR e da FIEP. Aqueles grupos que antes eram isolados foram se conectando. Esta conexão é um processo natural de aglutinação das iniciativas e esta é a grande graça de um ecossistema de inovação.
Nesta época existia uma comunidade de desenvolvedores, um pessoal de negócios, alguns atores que estimulavam a conexão e começaram a aparecer os empresários de destaque da cidade. Nós conseguimos, aos poucos, reunir estes atores.
GazzConecta: Já com o ecossistema da capital mais maduro, o Distrito chegou com o hub físico na cidade em 2018. O que isso representou para a maturidade e crescimento das startups da capital?
Entre 2017 e 2018, havia uma forte entrada de líderes de grandes empresas que começaram a se articular para participar deste ambiente promissor e levar estas oportunidades também para as grandes corporações. Uma das iniciativas destes líderes era ter um hub físico em Curitiba. Então, encontraram na FAE (Centro Universitário) o espaço para promover essa iniciativa e convidaram o Distrito, que naquele tempo tinha um hub apenas em São Paulo, para gerir o espaço de Curitiba. Eu estava neste processo desde o começo e o Distrito me convidou para assumir o projeto no final de 2018, foi aí que saí do Sebrae.
Para o ecossistema de Curitiba a vinda de um grande hub é um sinal de maturidade. O Distrito conseguiu colocar no ecossistema grandes empresas incentivando e apoiando a inovação, e ainda contratando startups para resolver os seus problemas. Desde então muita coisa mudou e o Distrito se tornou esse grande vetor para inserir empresas no circuito e depois acabou se tornando um dos principais pontos de encontro de inovação na cidade.
Conseguimos reunir no Distrito as principais comunidades de inovação, grandes empresas e startups. A pandemia veio e mudou a relação entre espaços físicos e conexões. O Distrito se tornou a maior plataforma de inovação da América Latina com mais de 800 startups, 60 grandes empresas e Curitiba foi bebendo desta estratégia.
GazzConecta: Sua trajetória passa pela tríplice hélice da inovação: iniciativa privada, órgãos públicos e universidades. Para você, o que falta ou o que há de oportunidade em cada uma dessas verticais, para tornar o ecossistema de Curitiba ainda mais robusto?
Nós só vamos atingir pontos maiores em termos de ecossistema e evolução se as universidades participarem ativamente deste movimento. Nas universidades temos mentes brilhantes, temos um ativo de aproximadamente 500 mil alunos, ali está a fonte. Mas, as universidades operam seus negócios em um modelo diferente do que o mercado exige. Sempre foi assim, mas na minha opinião, o distanciamento está cada vez maior.
Se as lideranças das universidades não estiverem atentas a estas mudanças do mundo, ou não adequarem seus programas para estimular aos seus alunos para termos cada vez mais empreendedores e profissionais capacitados, não vamos chegar em níveis de desenvolvimento da Coreia, Vale do Silício, Boston, por exemplo. Lá as universidades são muito ativas e conseguem ser protagonistas destas transformações. No Brasil acredito que isso não vai acontecer tão cedo, infelizmente, porque o modelo mental de liderança de universidades é com muita academia e pouca prática, precisamos equilibrar melhor esta balança.
Um outro lado disso é que existe muito capital disponível hoje, tanto que já somos ponto de atenção para fundos internacionais, dados os resultados das empresas paranaenses e curitibanas, como celeiro de bons empreendedores. Esse dinheiro circulando faz o capital girar e coloca novos empreendedores como capitalizados com potencial de desenvolver negócios de impacto.
Se é possível dizer que há um lado bom da pandemia, é que a digitalização rompeu todas as fronteiras e obrigou as empresas a observar esta nova realidade de internacionalização. Isso acelerou e permitiu que pudéssemos aproveitar melhor esse mundo digital e acessar pessoas e negócios fora do nosso mundo, que nos ajudou romper alguns paradigmas, como contratar mão de obra estrangeira por exemplo.
A propósito, este é um detalhe importante para evolução do nosso ecossistema, precisamos nos conectar e misturar mais, romper com alguns pensamentos provincianos.
O governo faz o papel de potencializar a visão da cidade, vender isso lá fora, fortalecer o orgulho e isso é um grande ganho deste período, resgatar a visão de uma cidade planejada, protagonista de soluções, ter um bom ambiente de negócios e uma boa qualidade de vida. O resgate da imagem de Curitiba nos últimos anos foi fundamental para o que temos agora.
GazzConecta: Na sua visão o que podemos esperar do futuro da inovação e do ecossistema na capital?
Um ecossistema é sempre uma obra inacabada. Sempre haverá algo para fazer e que bom que é assim. O ecossistema está sempre em transformação, porque algumas pessoas passam e outras chegam com pensamentos diferentes. A dinâmica do mercado também tem mudado demais.
Estes arranjos invariavelmente vão fazer com que tenhamos que nos reinventar sempre, como uma startup sempre se refazendo conforme as coisas mudam. O que não pode é não ter rumo ou não ter uma governança integrada. Precisamos agora explodir o número de cases, isso que vai fazer com que o ecossistema de Curitiba se mostre para o mundo definitivamente.
GazzConecta: Ao longo da nossa conversa você falou sobre a importância das lideranças. Qual a relação delas com o crescimento da inovação?
Minha decisão por sair do Distrito foi por entender que o ciclo estava completo e que voltar para a carreira de consultoria seria mais desafiador e poderia ajudar outras lideranças a promover mudanças e realizarem novas transformações em suas empresas ou instituições.
A inovação se dá assim, através das pessoas. É preciso aproveitar sonhadores e pensadores, além de conectar mais gente com ele para fazer com que o sonho se transforme em ações práticas. Quando conectamos os resultados acontecerem e percebemos que é possível realizar.
Hoje nos processos de inovação travamos na liderança, existe muita gente sonhando, querendo fazer acontecer e o ponto de virada é a mentalidade dos líderes. Precisamos transformar a cabeça dos líderes ou mudar os líderes, em qualquer esfera e qualquer organização.
Eu trabalho focado em grandes empresas há quatro anos e se olharmos para os grandes casos de sucesso na inovação, em todos eles, os líderes eram diferenciados. Onde as empresas sofrem é porque as lideranças não estão abertas a fazer diferente. Em qualquer esfera: associações, federações, lideranças de classe, se considerarmos o perfil histórico e o tempo médio das pessoas na liderança nestas instituições, vemos um continuísmo e dificilmente vamos encontrar ambiente para a evolução. Não estou falando de idade, mas sim da forma com que as instituições são lideradas, do modelo mental destes líderes.
As lideranças são responsáveis por essa transformação. Onde estão estes líderes? Como estão sendo formados? Onde estão tendo oportunidade de desenvolver? Precisamos descobrir e colocá-los no palco, ter novas ideias e continuar evoluindo. Nós vamos transformar o mundo quando novas cabeças sentarem nas cadeiras de decisão de grandes instituições. Enquanto o processo ainda for político ou enquanto essas organizações não oxigenarem sua forma de pensar seus processos, produtos ou serviços, é pouco provável que surjam novos bons líderes, logo a evolução tende a ser mais lenta.