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O Batom Inteligente da linha Make B de O Boticário tem sido o objeto de maior investimento do grupo nos últimos anos e traduz as tentativas de gerar maior inclusão e acessibilidade da empresa. Crédito: Divulgação.

Alto investimento em inovação

De batom inteligente a esmalte auto-regenerativo: os atuais avanços tecnológicos do Grupo Boticário também passam pelo ineditismo científico; entenda

Fernando Henrique de Oliveira
Fernando Henrique de Oliveira
30/08/2024 17:01
Durante 14 dias, um grupo especial de mulheres participou de uma experiência inédita promovida pelo O Boticário em uma de suas lojas conceito em São Paulo. O que as diferenciava das demais era sua condição. Elas eram mulheres com deficiência física ou visual que, de forma inédita, puderam ter seus lábios cobertos por batom com autonomia, sem que outra pessoa precisasse ajudá-las. Tudo graças à tecnologia.
Desenvolvido pelo Grupo Boticário em parceria com o CESAR (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) e a startup de inteligência artificial Neurobots, o "Batom Inteligente" é um aparelho projetado para a aplicação de batom em pessoas com limitação motora nos membros superiores ou com deficiência visual total ou parcial. Para isso, utiliza algoritmos de IA para mapear o rosto e os lábios de quem estiver diante do protótipo.
Sensores avançados, além da IA, são utilizados para diferenciar a pele do rosto da dos lábios para conduzir uma esponja que aplica o batom, que possui uma tecnologia de microencapsulamento para liberar pigmentos e ativos conforme o uso. Ou seja, o composto que chega diretamente à esponja é dispersado pelo protótipo - e não colocado por uma pessoa na esponja para que a máquina "trabalhe" por ela.
IA embarcada, sensores para reconhecimento facial e uma esponja automática: os componentes do Batom Inteligente. Crédito: Divulgação.
IA embarcada, sensores para reconhecimento facial e uma esponja automática: os componentes do Batom Inteligente. Crédito: Divulgação.
Ainda, o dispositivo foi projetado para adaptar a cor e a textura do batom de acordo com as características individuais da pele de cada usuário, proporcionando uma experiência de personalização e ajuste em tempo real. "A ideia é que, ao aplicar o batom, ele interaja com a química da pele, oferecendo uma personalização que se adapta ao pH e à umidade da pele da pessoa. A cor e a intensidade, inclusive, podem mudar ao longo do dia, oferecendo uma aparência mais natural e ajustada ao estilo pessoal do usuário", explica Gustavo Dieamant, diretor executivo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do Grupo Boticário.
O principal objetivo do projeto é promover a diversidade e inclusão, alinhando-se com a estratégia do Grupo Boticário de inovar e oferecer experiências acessíveis aos consumidores, segundo Dieamant. Embora o Batom Inteligente não seja um produto vendável no momento, ele representa um avanço significativo na tecnologia de maquiagem e na inclusão. Isso porque, como diz o executivo, o grupo está comprometido em realizar avanços tecnológicos e sociais, mesmo que isso não resulte imediatamente em produtos comerciais.
Estamos em um momento de buscar entendimentos mais profundos, e isso inclui aceitar que nem tudo se converterá em venda. Para nós, a inovação também é sobre conhecimento e impacto positivo. O compromisso que temos é com a pesquisa e com o desenvolvimento de soluções que realmente importam, mesmo que não se tornem produtos para a empresa. Nosso objetivo não é apenas desenvolver novos produtos, mas também contribuir de maneira mais ampla para a ciência e a sociedade
, revela.

Grupo Boticário: aposta na inovação aberta

O Batom Inteligente é uma das iniciativas que se encaixam neste compromisso. Agora, em sua quinta fase, ele já pode ser testado em consumidores, mas ainda sob supervisão, dado ao seu tamanho e a características especiais de ergonomia necessárias para que possa ser utilizado com precisão. Até chegar a este momento, o projeto passou por diferentes etapas.
Dieamant conta que tudo começou em 2016, quando surgiu a ideia de criar algo que promovesse a acessibilidade e a inclusão no segmento de maquiagem, propósitos importantes para o grupo. Inicialmente, a meta era desenvolver uma tecnologia inovadora que reconhecesse apenas os lábios para evitar borrões, beneficiando pessoas com deficiência e aquelas com dificuldades em aplicar maquiagem.
A abordagem, naquele momento, era baseada em formulações químicas para diferenciar a queratina dos lábios da queratina das áreas ao redor deles. Apesar dos esforços e da colaboração com universidades e centros de pesquisa para entender as diferenças no peso molecular da queratina, a solução química se mostrou insuficiente devido à variação entre indivíduos e limitações na formulação.
Em meados de 2018, após dois anos de tentativas sem sucesso com formulações, o grupo decidiu explorar uma solução tecnológica. O Grupo Boticário utilizou sua área de Redes de Inovação para buscar parcerias externas e soluções inovadoras. Isso levou ao contato com o CESAR em Recife, que estava oferecendo um programa chamado Summer Job. Esse programa permitia que grupos de alunos propusessem soluções para problemas apresentados por empresas.
O CESAR apresentou uma solução baseada no reconhecimento dos lábios por pixel, usando software e hardware. O protótipo inicial, embora promissor, ainda apresentava problemas e precisou passar por ajustes. O desenho do protótipo foi aprimorado internamente pelo estúdio de design do centro de inovação do Grupo Boticário, localizado na fábrica de O Boticário, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, enquanto a tecnologia de reconhecimento avançou com a colaboração do hub da capital pernambucana.
O protótipo atingiu proporções satisfatórias para testes, mas a ideia é torná-lo mais portátil. Crédito: Divulgação.
O protótipo atingiu proporções satisfatórias para testes, mas a ideia é torná-lo mais portátil. Crédito: Divulgação.
A fase seguinte envolveu a integração de inteligência artificial, feita em colaboração com a NeuroBots, também de Recife. A NeuroBots, startup especializada em IA que oferece, por exemplo, soluções tecnológicas para reabilitação motora de pacientes vítimas de AVC, trouxe avanços significativos em software e robotização para o Batom Inteligente.
Para chegar à fase de desenvolvimento atual, o protótipo recebeu apoio da EMBRAPII. O valor exato dos investimentos necessários após a entrada da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, que cobre parte dos custos, é difícil de ser calculado, de acordo com Dieamant, devido à natureza complexa e multifacetada do trabalho. No entanto, sabe-se que são altos.
No momento, o Batom Inteligente é um protótipo não comercializável. A alta complexidade e o custo elevado do equipamento tornam inviável sua produção em massa, explica o diretor de P&D do Grupo Boticário. Ainda assim, a companhia segue focada no aprimoramento da tecnologia e no desenvolvimento formas de torná-la mais acessível e aplicável no futuro.

Vermelho é a cor "mais quente"

Por trás da tecnologia, o Grupo Boticário segue comprometido com sua missão de inovar no setor de beleza, cosméticos e cuidados pessoais, além da perfumaria, principal core da empresa. Por isso, para além do protótipo, outros aspectos do Batom Inteligente são importantes para a companhia.
Dieamant destaca o esforço envolvido na pesquisa e desenvolvimento do batom, ressaltando a colaboração entre diferentes especialistas para garantir a eficácia e a estabilidade do produto.
O projeto exigiu uma série de pesquisas para entender como os pigmentos reagem em diversas condições, com a participação de uma equipe multidisciplinar para criar uma fórmula ideal e uma solução personalizada que ultrapassa os limites dos produtos convencionais. Nosso objetivo é proporcionar aos usuários uma experiência com um batom que se adapte às suas necessidades e preferências de forma inovadora
, afirma.
Isso inclui a escolha das cores. "Observamos que as cores favoritas das mulheres quando usam o batom inteligente tendem a ser tons que se ajustam de forma harmônica ao seu tom de pele. Isso inclui uma variedade de nuances que vão desde os neutros e nude até os vermelhos profundos e rosas mais vibrantes", diz.
"A personalização do Batom Inteligente permite que ele se ajuste às preferências individuais das usuárias, oferecendo uma paleta que pode variar de acordo com o estilo e a ocasião. As mulheres geralmente optam por cores que realçam sua individualidade e se adequam às suas necessidades diárias", completa.
Neste contexto, o vermelho segue sendo a cor preferida das mulheres. "A gente está vendo muito uma tendência de cores mais fortes, como vermelho, que é um clássico e sempre tem uma procura grande. Nesse sentido, entendemos que o vermelho é uma cor que nunca sai de moda e continua sendo uma das mais procuradas pelos consumidores", destaca, ao mesmo tempo que sinaliza uma tendência em direção a tons versáteis que podem ser usados tanto em ambientes profissionais quanto sociais. "Cores como rosa claro e coral são frequentemente escolhidas por sua capacidade de complementar diversos looks", comenta.

Ineditismo científico: pele 3D com folículos capilares

Nos últimos anos, boa parte do orçamento de pesquisa e desenvolvimento foi dedicada ao projeto do batom.
"Estamos comprometidos com o Batom Inteligente, e isso se reflete no fato de que o orçamento do setor de pesquisa e desenvolvimento tem sido amplamente alocado para esse projeto. A nossa dedicação a essa inovação é um reflexo do nosso compromisso com a evolução contínua dos nossos produtos e tecnologias", conta.
No entanto, além do batom, o grupo tem investido em pesquisas avançadas com pele 3D, incluindo estudos com folículos capilares. O Grupo Boticário é a primeira empresa do país a desenvolver a pele 3D, uma inovação fundamental para o desenvolvimento de produtos que simulam com precisão as características da pele humana.
"Ao integrar folículos capilares nesta tecnologia, estamos conseguindo criar modelos mais detalhados e realistas que permitem uma melhor análise das interações dos cosméticos com o cabelo e a pele. Esta abordagem oferece uma compreensão mais profunda e precisa dos efeitos dos produtos, contribuindo significativamente para a inovação na área de cosméticos", diz. 
A pesquisa com os folículos é liderada pela cientista Carolina Motter Catarino, na empresa desde 2020. O feito é considerado inédito no mundo e envolve um tipo de pele desenvolvida com tecnologia de bioimpressão, que utiliza a impressão 3D para criar tecidos vivos e estruturas biológicas a partir de células vivas e materiais especiais, chamados de bioinks. O processo envolve a construção de tecidos, camada por camada, com as células e biomateriais selecionados.
De acordo com a empresa, a pele 3D com folículos capilares é um avanço tecnológico sem precedentes no campo científico, uma vez que não oferece apenas uma alternativa ética aos testes em animais (não realizados no Grupo Boticário há mais de 20 anos), mas também melhorando a precisão dos testes de segurança de produtos cosméticos. Além disso, a tecnologia tem implicações significativas na medicina regenerativa, como no tratamento de queimaduras, ao possibilitar a criação de modelos de pele mais complexos e realistas.

Centro de Pesquisa do Olfato do Grupo Boticário

Outro aspecto do pioneirismo no Grupo Boticário é a criação do Centro de Pesquisa do Olfato, uma iniciativa que envolve pesquisadores, médicos, especialistas em neurociência, em perfumaria e comportamento humano com o propósito de avançar na ciência dos aromas e no desenvolvimento de novas tecnologias para a indústria de fragrâncias.
O centro atua em quatro pilares, que vão da ciência das emoções, que utiliza a neurociência para explorar a interconexão dos sentidos, a ativação de memórias e o aprimoramento do olfato; até a disseminação do conhecimento, apoiando pesquisas com o objetivo de democratizar o conhecimento sobre o olfato para a comunidade científica, profissionais e a sociedade em geral.
Os pilares ainda incluem o futuro do olfato, com foco no aperfeiçoamento científico para desvendar as camadas do sentido olfativo; e a investigação sobre como diferentes percepções do olfato são influenciadas pela diversidade populacional, incluindo gerações, etnias e deficiências auditiva e visual, promovendo iniciativas de inclusão.
As pesquisas do centro também incluem a colaboração com outras instituições e especialistas para alcançar seus objetivos. “Trabalhamos em parceria com universidades e centros de pesquisa para estar na vanguarda da ciência dos aromas. Esse trabalho colaborativo é fundamental para expandir nosso conhecimento e aplicar descobertas de maneira prática”, revela Dieamant.
O centro também desenvolve análises detalhadas das moléculas aromáticas e a interação delas com o sistema olfativo humano. Isso permite o desenvolvimento de perfumes e cosméticos com fragrâncias que não apenas atendem às expectativas dos consumidores, mas também criam experiências sensoriais únicas.
Mas não só isso. Além do impacto no desenvolvimento de produtos, o Centro de Pesquisa do Olfato desempenha um papel social significativo. Ele está envolvido em pesquisas voltadas para ajudar pessoas que perderam a capacidade de olfato, uma condição conhecida como anosmia, algo notado durante a pandemia de Covid.
Estamos explorando como as fragrâncias podem ser utilizadas para melhorar a qualidade de vida de indivíduos que enfrentam a perda do olfato. Nossas pesquisas vão no sentido de oferecer soluções que ajudem essas pessoas, proporcionando um benefício real para seu bem-estar
, acrescenta o diretor.

Esmalte auto-regenerativo e novos avanços

Para além do Batom Inteligente, o Grupo Boticário está mirando seus esforços de pesquisa para o desenvolvimento de uma tecnologia de esmaltes auto-regenerativos. A ideia é produzir uma solução que envolva a encapsulação do pigmento no esmalte, tornando-o "inteligente" e que permita sua regeneração automática quando sua superfície é danificada.
Dieamant explica que, quando o esmalte for arranhado ou lascado, o pigmento encapsulado seria liberado para começar a regenerar a camada danificada, reduzindo a necessidade de reaplicação constante. Segundo ele, o projeto está em fase inicial de desenvolvimento, e a tecnologia ainda não está disponível no mercado.
Outros avanços das pesquisas do grupo vão no sentido de criar maior customização e personalização de produtos. A empresa está investindo em soluções que proporcionem uma experiência de beleza mais completa para as necessidades individuais de cada consumidor. A personalização, ele diz, pode ocorrer em várias frentes, incluindo dispositivos, produtos e a própria experiência de uso. Isso significa desenvolver soluções que considerem todos os aspectos pessoais, como tipo de pele e cabelo, para proporcionar essas experiências mais individuais.
Para isso, o grupo também está estudando como a genética pode influenciar a personalização de produtos, o que inclui entender a genética altamente miscigenada da população brasileira. As pesquisas caminham na direção da compreensão dos diferentes perfis genéticos e como eles podem influenciar a eficácia dos produtos e a experiência do consumidor.
Em paralelo, a empresa está explorando tecnologias que aumentem a resistência e a durabilidade dos seus produtos. Exemplos incluem maquiagens que duram mais tempo e máscaras de cílios que permanecem intactas mesmo em condições extremas. Além disso, o grupo possui um "mapa do futuro" da beleza, que orienta suas frentes de inovação e rumo à evolução dos seus produtos, para que eles se adaptem às mudanças nas expectativas e necessidades dos consumidores, além de enfrentar os desafios do desenvolvimento de tecnologias avançadas e personalizadas.

Testes com o Batom Inteligente em Curitiba

Depois de completar duas semanas em teste em São Paulo no mês de julho, o protótipo do Batom Inteligente chegou ao centro de pesquisa e desenvolvimento na fábrica de O Boticário em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. Assim como aconteceu na capital paulista, grupos de consumidores serão convidados para a experimentação do produto. A seleção e direcionamento dos testes serão conduzidos pelo Grupo Boticário.