Vida profissional
Empresas contratam profissionais na faixa etária acima de 40 anos
Não é apenas a necessidade de adaptação a novos padrões de consumo. O uso massivo de tecnologia e a dificuldade em encontrar mão de obra qualificada é o que preocupa empresas inseridas no atual contexto do mercado de trabalho. A inversão contínua da pirâmide etária faz da diversidade geracional um dos temas de ordem na agenda corporativa daqui em diante.
A população acima dos 50 anos é a que, atualmente, mais cresce no Brasil. Até 2050, 30% dos brasileiros terão mais de 60 anos, estima o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão de pesquisas ligado ao Governo Federal. Em duas décadas, 57% da população em idade economicamente ativa no Brasil terá mais de 45 anos.
O cenário põe em xeque modelos de contratação que ainda esbarram no etarismo, a discriminação de pessoas com base em sua idade. No Brasil, o absenteísmo em relação ao tema preocupa especialistas.
Uma pesquisa das consultorias Ernst Young (EY) e Maturi, que ouviu 191 empresas, mostra que 80% das companhias não possuem políticas específicas de combate à discriminação etária em seus processos seletivos. O resultado disso está em corporações com pouca representação etária em seus quadros de funcionários, além de um discurso em favor da diversidade etária que pouco reflete as reais ações conduzidas pelo setor de recursos humanos.
“Ainda há muito a se fazer. As grandes empresas no Brasil ainda estão numa média de 5% de colaboradores 50+, enquanto nossa população já conta com 26% de pessoas com 50 anos ou mais. O maior desafio é a contratação de pessoas com essa idade, já que boa parte desses 5% está nessas empresas desde bem antes dos 50 anos”, avalia Mórris Litvak, fundador da Maturi, empresa dedicada a inserir profissionais maduros no mercado.
Na guerra global por talentos, considerar profissionais acima dos 40 anos parece ser uma estratégia válida, visto que o maior tempo de experiência e multiplicidade de habilidades dessa faixa etária podem ajudar empresas a alcançarem objetivos diversos. “Os benefícios são inúmeros, como redução de turnover e absenteísmo, melhor clima e equipes mais criativas e mais inovadoras, desde que o ambiente seja propício para o diálogo geracional”, afirma Litvak.
A pesquisa também evidencia que poucas empresas inserem o quesito geracional como um dos pilares que compõem a estratégia de diversidade e inclusão como um todo – apenas 45% das companhias brasileiras adotam essa postura.
O Grupo Pereira contraria a regra. A rede atacadista passou a ampliar seus programas de empregabilidade também a funcionários acima dos 50 anos de idade junto ao olhar para a diversidade racial e de gênero, já presentes na empresa.
“Sempre investimos em diversidade e inclusão. São pautas importantes e o mercado de trabalho finalmente compreendeu que o ‘novo profissional’ deseja estar em ambientes que respeitem a pluralidade”, diz Paulo Silva, diretor de Gente e Gestão.
A ação se tornou um ponto de partida para a adição do pilar geracional como parte da estratégia de diversidade e inclusão. Atualmente, 10,7% do total de 17 mil colaboradores estão acima dos 50 anos. Quando somados os profissionais com 40 anos ou mais, esse percentual chega a 27%. “Precisamos enxergar esse tipo de contratação como uma oportunidade estratégica, já que a população está envelhecendo de forma acelerada”, conclui.
Como encarar o desafio?
Com o potencial de se tornar um dos países com a maior quantidade de profissionais maduros à disposição no mercado no médio prazo, o Brasil deve ter pressa nas tratativas do tema. De um lado, há a tendência do envelhecimento da população e a preocupação em manter economicamente ativa uma população duramente afetada pela pandemia de covid-19 (cerca de 700 mil profissionais acima dos 50 anos perderam seus empregos na pandemia, segundo a ONU). De outro, a visão de que o envelhecimento dos profissionais será tema prioritário nas companhias nos próximos dois anos.
Nesse período, 57% das organizações pretendem executar ações voltadas ao envelhecimento, como investir no recrutamento de profissionais maduros e na preparação da cultura organizacional, ainda segundo a pesquisa da EY e Maturi.
Como parte de uma estratégia mais robusta de inclusão, o olhar para o público 50+ deve ir além do fim dos vieses inconscientes e etarismo durante os processo seletivos, mas contemplar também ações contínuas de capacitação da porta para dentro. Nas organizações, ações voltadas à retenção desses talentos, como trilhas de reskilling e upskilling, de aprendizado contínuo voltado a habilidades técnicas e comportamentais.
“Empresas que praticam a capacitação e contratação dos 50+ estão se preparando para o futuro próximo, no qual a força de trabalho será cada vez mais madura e a contratação e retenção dos jovens será ainda mais desafiadora. Por fim, com essas pessoas, a empresa estará mais apta a entender e atender melhor os seus clientes 50+”, diz Litvak.
A preocupação começa a mostrar seus primeiros resultados efetivos, pelo menos no que se refere à contratação de profissionais mais velhos. No primeiro semestre de 2021, o número de vagas preenchidas por profissionais na faixa etária de 40 a 50 anos quadruplicou na Gupy, uma das principais plataformas de recrutamento do país. No período, 10% de todas as vagas publicadas foram preenchidas por pessoas maduras.
“Ainda que seja um movimento pequeno e incipiente, olhando para um contexto mais geral, o tema ganhou espaço e se mostra uma forte tendência para os próximos anos. Além de estar muito em pauta na mídia, os líderes têm percebido que será uma questão estratégica e de sobrevivência ter todas as gerações em suas organizações em função da rápida mudança demográfica que estamos passando”, diz Litvak sobre o futuro.
Silva, do Grupo Pereira, concorda. É também uma forma de promover a diversidade geracional dentro da empresa, algo tão fundamental atualmente, que ajuda na tomada rápida de decisão, inteligência emocional, confiança diante dos desafios e liderança, skills que só a experiência traz”.