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Augusto, de 8 anos, interage com o Mirimim, app inspirado em suas vivências para apoiar no desenvolvimento da comunicação e socialização de crianças neurodivergentes. Crédito: Acervo pessoal.

Tecnologia para apoio terapêutico

Aplicativo Mirimim propõe solução inédita para ajudar crianças autistas na socialização

Fernando Henrique de Oliveira
Fernando Henrique de Oliveira
11/04/2025 12:26
A dificuldade de comunicação e interação social é uma das principais características do Transtorno do Espectro Autista (TEA), impactando significativamente tanto a construção de relacionamentos quanto o processo de aprendizagem. Embora práticas terapêuticas promovam a inclusão de crianças autistas em contextos de socialização - muitas vezes com resultados expressivos -, barreiras ainda persistem. Por isso, alternativas inovadoras são sempre bem-vindas para facilitar a assimilação de condutas sociais de forma mais efetiva e, por que não, mais divertida. É nesse cenário que surgiu o Mirimim, um aplicativo inédito que combina inteligência artificial e processos terapêuticos para oferecer estímulos personalizados e apoiar o progresso de crianças autistas ou neurodivergentes (termo que designa pessoas cujos processos neurológicos e de pensamento se desenvolvem de forma distinta do padrão considerado “típico”, abrangendo variações cognitivas e comportamentais sem necessariamente caracterizá-las como transtornos).
Ao integrar métodos terapêuticos aplicados por especialistas com recursos digitais, o Mirimim transforma o desenvolvimento social e comunicativo em uma experiência mais acessível, interativa - e também cativante. Jogos, desafios e personagens carismáticos ajudam a tornar o processo de aprendizagem mais leve e envolvente para as crianças.

Tecnologia desenvolvida com base em evidências clínicas

Com base em metodologias terapêuticas e educacionais reconhecidas, o Mirimim auxilia crianças autistas e neurodivergentes no aprimoramento de habilidades sociais, emocionais e cognitivas. A plataforma gamificada adapta-se ao progresso individual de cada criança, promovendo estímulos personalizados e incentivando uma evolução contínua.
A inteligência artificial do Mirimim ajusta os desafios e atividades conforme o desempenho da criança, proporcionando um aprendizado sob medida. Com mais de 300 atividades organizadas em seis dinâmicas diferentes - Escolhas e Consequências, Escuta Ativa, Associação Lógica, Empatia Visual, Sequenciamento Lógico e Expressões Idiomáticas -, o app favorece o desenvolvimento de competências essenciais, como comunicação, autonomia e regulação emocional. Além disso, todas as metodologias aplicadas são fundamentadas em evidências clínicas, garantindo um suporte confiável para terapeutas e profissionais da área.
Em seus consultórios, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e outros especialistas já estão utilizando o Mirimim como complemento aos tratamentos convencionais, aumentando o engajamento das crianças e ampliando os benefícios das intervenções terapêuticas.
Em abril, o Mirimim deve alcançar 500 crianças atendidas por profissionais de sete estados do Brasil. A Casa do Autista de Balneário Camboriú, considerada o maior e mais moderno centro de autismo da América Latina, é uma das instituições que já implementaram a ferramenta na prática terapêutica.
A proposta, agora, é ampliar o alcance do Mirimim por meio de parcerias com clínicas, profissionais e prefeituras do país.

Da experiência familiar à solução digital

A história do Mirimim começou com a experiência de Augusto, uma criança autista de oito anos que sempre enfrentou desafios na socialização devido às dificuldades de comunicação. Seus pais, a engenheira Aline Bernardi e o empresário Diogo Ruiz, já notavam essas barreiras, mas foi durante uma viagem à Espanha que perceberam a necessidade de algo que estimulasse o garoto a agir com mais autonomia.
Em um parquinho, ao ver uma menina brincando com um patinete, Augusto não soube pedir para se juntar à brincadeira; em outra ocasião, tentando se comunicar, recorreu a frases aprendidas no Duolingo, como “queres um té ou um café?” — que repetia com frequência, mesmo fora de contexto. “Não fazia sentido, mas era o que ele tinha aprendido”, lembra Diogo, que inicialmente concebeu a ideia do Mirimim em um PowerPoint.
Essa experiência despertou neles uma inquietação: como ensinar habilidades sociais de forma lúdica e envolvente? Aline teve, então, a ideia de um aplicativo que, assim como o Duolingo ensina idiomas, pudesse ajudar crianças autistas a desenvolver habilidades sociais de maneira divertida. “A motivação para ele também é um fator importante para aprender as coisas”, explica.
Durante as pesquisas, perceberam que não existia uma ferramenta digital que abordasse a socialização de forma gamificada. “O que encontramos eram ferramentas específicas para cada necessidade, mas nenhuma que englobasse tudo em um formato divertido e interativo”, afirma Diogo. Além disso, constataram que terapeutas utilizavam dinâmicas simples, como cartinhas e histórias sociais, que poderiam ser digitalizadas. “Essas atividades já são feitas há décadas e são validadas. Então, pensamos: por que não transformar isso em um jogo?”, completa.
Aline ressalta que a necessidade de tornar o aprendizado mais acessível sempre esteve presente na criação do Mirimim.
A gente queria algo que fosse fácil de usar, que não exigisse conhecimento técnico dos pais ou das crianças. A tecnologia precisa ser um facilitador, não uma barreira
, diz.
Assim nasceu o Mirimim, um aplicativo que digitaliza estratégias terapêuticas e as apresenta em formato de jogo. “Temos dinâmicas como escolhas e consequências, que reforçam a retenção do conhecimento; escuta ativa, que fortalece a compreensão social; e sequenciamento lógico, que melhora a compreensão de narrativas e rotinas”, explica Diogo. O objetivo é transformar o aprendizado social em uma experiência envolvente e acessível para crianças autistas e suas famílias.

Aliado para terapias tradicionais

O aplicativo, que funciona como um complemento terapêutico, está sendo disponibilizado para profissionais e clínicas, permitindo aprimoramentos contínuos com base no uso prático. Atualmente, especialistas de sete estados brasileiros já adotaram o Mirimim como ferramenta auxiliar no atendimento a crianças neurodivergentes, tornando o aprendizado de situações complexas mais acessível e envolvente.
A fonoaudióloga Márcia Loss de Carvalho, com mais de três décadas de experiência no atendimento a crianças com TEA, foi uma das primeiras profissionais a testar o Mirimim e se tornou uma das consultoras do projeto. A especialista de Curitiba ressalta a importância da comunicação em um sentido mais amplo, indo além da fala e incluindo linguagem corporal e compreensão de interações sociais - algo que o aplicativo ajuda a desenvolver.
O Mirimim tem mas de 300 atividades organizadas em seis dinâmicas diferentes: Escolhas e Consequências, Escuta Ativa, Associação Lógica, Empatia Visual, Sequenciamento Lógico e Expressões Idiomáticas.
O Mirimim tem mas de 300 atividades organizadas em seis dinâmicas diferentes: Escolhas e Consequências, Escuta Ativa, Associação Lógica, Empatia Visual, Sequenciamento Lógico e Expressões Idiomáticas.
Segundo Márcia, muitas crianças neurodivergentes enfrentam desafios ao aprender por imitação, habilidade fundamental para o desenvolvimento social. O Mirimim atua justamente nesse aspecto, reforçando comportamentos e habilidades sociais de forma interativa e acessível.
A fonoaudióloga destaca que o aprendizado por meio da tecnologia pode facilitar a aquisição de novas competências, tornando o processo mais dinâmico e motivador para as crianças. Além disso, ela aponta que ferramentas como o Mirimim permitem que cada criança evolua no seu próprio ritmo, respeitando suas particularidades e necessidades específicas.
É essencial que os estímulos sejam apresentados de forma estruturada, considerando as dificuldades de cada criança. A interatividade do aplicativo possibilita essa adaptação de maneira muito mais precisa
, explica.
Outro ponto destacado por Márcia é a possibilidade de complementar as terapias convencionais com recursos digitais, tornando o aprendizado mais envolvente. "A criança autista pode se beneficiar de reforços visuais e da repetição estruturada, aspectos que o Mirimim consegue oferecer de forma intuitiva. Isso pode auxiliar tanto no desenvolvimento da linguagem quanto no reconhecimento de padrões sociais", afirma.

Estratégias estruturadas e uso intuitivo

A plataforma incorpora estratégias educacionais baseadas em evidências para tornar a experiência mais cativante. Entre as abordagens utilizadas, estão atividades que ajudam a criança a compreender melhor as consequências de suas ações, fortalecem sua capacidade de escuta e estimulam a tomada de decisões. O sequenciamento lógico e a associação entre causa e consequência são explorados para aprimorar a cognição e o entendimento de interações sociais.
O Mirimim pode ser usado tanto em sessões terapêuticas quanto no ambiente familiar, permitindo uma abordagem personalizada conforme as necessidades de cada criança - embora, no momento, o app esteja disponível apenas para utilização na prática terapêutica. O design intuitivo e acessível facilita a integração do aplicativo à rotina terapêutica, promovendo um acompanhamento mais dinâmico e eficiente.
Entre os principais recursos do Mirimim, estão a adaptação inteligente das atividades ao progresso da criança, suporte a diferentes abordagens terapêuticas e a oferta de insights para monitoramento contínuo do desenvolvimento. Criado para ser inclusivo e acessível, o aplicativo se destaca como um avanço significativo no apoio ao desenvolvimento infantil, proporcionando uma experiência inovadora e eficaz na aprendizagem de habilidades sociais e emocionais.

Desenvolvimento acelerado com apoio da IA

Todo o processo do Mirimim se deu de forma muito rápida. A inteligência artificial facilitou o desenvolvimento da ferramenta. Da concepção da ideia até hoje, foram pouco mais de três meses. “A tecnologia ajudou para que avançássemos rapidamente e para que possamos estar sempre atualizando o aplicativo, para que mais e mais situações possam ser apresentadas às crianças e ajudar no desenvolvimento delas”, diz Diogo.
Da versão inicial em PowerPoint para o aplicativo que deve chegar a 500 crianças em abril, o Mirimim colecionou resultados expressivos. O primeiro deles, Aline e Diogo puderam confirmar já na Espanha, poucos dias depois de propor atividades por meio do modelo inicial para Augusto.
De novo, na mesma pracinha, depois de inúmeras tentativas, Augusto - que antes pegava brinquedos sem pedir ou saía correndo atrás das crianças sem interagir - surpreendeu os pais. Em vez de agir impulsivamente, ele se aproximou de uma menina com um patinete e iniciou uma conversa. De longe, os pais observavam enquanto ele falava e gesticulava. Até que, num momento revelador, a menina assentiu com a cabeça, e Augusto pegou o patinete com a permissão dela. "Ele fez exatamente o que propusemos na historinha social do modelo que criamos no PowerPoint", lembra Diogo. "Naquele momento, olhamos um para o outro e dissemos: é o Mirimim".

Tecnologia, diversão e olhar profissional

O nome, aliás, surgiu antes mesmo do aplicativo existir. Em casa, entre brincadeiras e atividades para estimular a criatividade, Augusto criou um amigo imaginário. Inicialmente, ele o desenhava com olhos e braços padronizados, mas, com o tempo, foi flexibilizando essa imagem. "E aí o Diogo perguntou: ‘esse boneco precisa ter um nome’. E Augusto disse: ‘Mirimim’", conta Aline. O desenho virou o símbolo do projeto: um monstrinho colorido, que ganhou forma a partir daquela experiência lúdica.
O Mirimim nasceu para ajudar crianças neurodivergentes, especialmente com autismo e TDAH, a desenvolverem habilidades sociais. Mas, logo, Aline e Diogo perceberam que ele poderia ir além. "Até terapeutas que trabalham com crianças com TOD (Transtorno Opositivo Desafiador) começaram a utilizá-lo", diz o empresário. O diferencial, segundo ele, está em unir ciência, jogabilidade e design de qualidade.

Experiências personalizadas para dar suporte às famílias

A inteligência artificial é parte essencial da proposta. "Nosso objetivo é que a ferramenta esteja à frente das tecnologias disponíveis", destaca Aline. A IA não apenas personaliza a experiência para cada criança, como também coleta feedbacks de terapeutas e famílias para aprimorar as atividades.
"Hoje, temos parcerias com centros como a Casa do Autista de Balneário Camboriú, a AMA (Associação de Amigos do Autista) de diversas cidades e, com o Hospital de Clínicas da UFPR, estamos discutindo como o Mirimim pode auxiliar crianças que estão na fila do SUS aguardando atendimento", acrescenta Diogo.
No final, o propósito do projeto vai muito além da tecnologia. "Eu entendo muito as dores das famílias e vejo que existe espaço para quem está disposto a ajudar", reflete Aline.
Quero que o Mirimim atinja o maior número de famílias possível, que terapeutas confiem na ferramenta e tenham suporte no trabalho que já realizam. Porque, para muitas famílias, esse processo é duro e difícil. Mas, com um apoio, com alguém que olhe para essa dor, podemos alcançar grandes vitórias. E é isso que queremos
, completa Aline.

Busca por parcerias para impulsionar desenvolvimento

Com resultados promissores e potencial transformador, o Mirimim agora busca investimento para acelerar o desenvolvimento da tecnologia que já vem revolucionando a prática terapêutica com crianças autistas. O aplicativo está em uma rodada pre-seed e busca parceiros estratégicos que compartilhem da missão de promover inclusão por meio da inovação. “Estamos em uma rodada pre-seed voltada a fundos e investidores-anjo com foco em healthtech. Queremos crescer com quem acredita no impacto positivo que a tecnologia pode gerar na vida das pessoas”, completa Diogo.