Desenvolvimento Sustentável
Água Camelo: com mochila inteligente, startup desafia escassez hídrica e leva água potável a comunidades carentes do Brasil
Desde que decidiu se tornar um designer de produto, o carioca Rodrigo Belli entendeu que cada projeto poderia servir para atender a demandas sociais - e a criação de produtos que considerava necessidades gritantes da humanidade era o seu verdadeiro tino. A premissa para que o estudante chegasse à essa conclusão surgiu de dentro de uma sala de aula. Durante um projeto acadêmico conduzido com alguns colegas do curso de Design de Produto na PUC do Rio de Janeiro, Belli mergulhou de cabeça nos estudos sobre o processo de urbanização informal na cidade.
Com visitas em campo e o contato direto com moradores de comunidades, o grupo concluiu que a ausência de saneamento básico, dentre tantos outros problemas, deveria receber maior atenção. “Percebemos que a questão da água era urgente, mas diferente de questões como moradia e outros requisitos sociais, poucos players olhavam para isso”, conta o empreendedor.
Assim, em 2018, eles desenvolveram o Kit Camelo — à época, um humilde produto que tinha como objetivo facilitar o acesso à água potável em bairros carentes. O kit era composto por uma mochila e um filtro de água. Afinal, o propósito era facilitar o transporte e armazenamento por moradores que, via de regra, tinham de se deslocar por longos trajetos para captar água potável. Além disso, o design mais enxuto da bolsinha permitia não apenas a armazenagem, mas a sustentação em paredes dentro de casa.
Apaixonado pelo propósito de impacto das mochilas, Belli continuou à frente do projeto, ainda que os outros colegas tenham decidido seguir diferentes desafios profissionais depois do curso. Mas foi apenas em 2020 que a ideia virou, de fato, uma empresa.
Novos caminhos
Em julho daquele ano, a empresa ganhou outros dois sócios — um deles, também designer de produtos. A chegada da nova dupla pretendia dar novo fôlego ao propósito da empresa que, durante a pandemia de Covid-19, foi totalmente transformado.
“Entendemos que o Kit Camelo poderia ser uma maneira de mitigar os impactos da pandemia, já que a urgência de condições sanitárias melhores era nítida”, diz. Também em 2020, a startup teve a chance de testar e comprovar o seu modelo de negócio de empresa para empresa (B2B).
A Água Camelo passou a receber pedidos de empresas interessadas em “apadrinhar” os kits, confiando à startup o trabalho de confecção e distribuição aos grupos vulnerabilizados. “Vendemos para quem tem dinheiro e levamos a quem precisa, numa lógica Robin Hood”, brinca Belli.
De agosto a dezembro, a startup entregou mais de 400 kits, impactando mais de 4 mil pessoas. Para atender à demanda crescente, Belli e os demais sócios tiveram de aprender a driblar os desafios da quarentena, como o desabastecimento e os gargalos de importação de matérias-primas que vinham de outros países, como a China.
“Aprendemos muito sobre comércio internacional e sobre como continuar de pé, mesmo quando parecia loucura. Digo que se nascemos em um dos momentos mais complicados da economia, então podemos qualquer coisa hoje”, revela.
De lá para cá a ideia decolou. Belli foi, inclusive, reconhecido como um dos jovens de destaque no cenário do empreendedorismo de impacto do Brasil, segundo a revista Forbes. Além do Rio de Janeiro, a Água Camelo passou a atender também o semiárido brasileiro e comunidades indígenas na Amazônia com a ajuda de parceiros locais, como institutos e ONGs.
A startup também já foi selecionada para diferentes programas de aceleração. Entre elas, a 100+, da Ambev e Quintessa, dedicada a negócios ambientais. Já em 2022, participaram do Braskem Labs, conduzido pela Braskem e, atualmente, fazem parte da Yunus Negócios Sociais.
Por trás do crescimento da Água Camelo, estão empresas interessadas em desenvolver projetos personalizados com a startup, com o intuito de promover ações de impacto social. Entre os clientes estão Ambev e Nestlé. Trata-se de um reflexo direto da popularidade do ESG (ambiental, social e governança), que tem regido ações corporativas na nova economia.
Hoje, a Água Camelo está presente em 10 estados, em mais de 96 comunidades. Ao todo, foram distribuídos 977 Kits Camelo e são 12 pontos de coleta e distribuição de água, disponíveis a mais de 12.000 pessoas.
Rumo à Agenda 2030
A Água Camelo, como empresa de impacto, está diretamente ligada aos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU, uma espécie de cartela que determina as grandes metas almejadas para a próxima década, do ponto de vista social e ambiental. O principal deles, para a startup, é o ODS número 6, que prevê o alcance universal e equitativo à água potável e segura para todos até 2030. Ainda assim, segundo Belli, a Água Camelo também tem relação com pelo menos outros sete objetivos da Agenda.
O desafio é global. De acordo com a ONU, hoje uma em cada quatro pessoas não tem acesso à água potável em suas casas. Apenas no Brasil, são 35 milhões de pessoas nessa condição.
“O camelo leva água nas costas em situações de emergência, daí nossa origem. Estar onde estamos e fazendo o que estamos fazendo é o que sempre deslumbramos. Mas sabemos que essa é a ponta do iceberg”, completa.