Comportamento e habilidades
Adeus ao currículo? Soft skills estão na mira de recrutadores e viram moeda de troca em processos seletivos
Há tempos o principal meio pelo qual um candidato é convocado e avaliado durante processos seletivos, o tradicional currículo parece estar perdendo relevância — pelo menos para os profissionais de recursos humanos. Ainda que as competências técnicas, resumidas em poucas linhas e misturadas a um emaranhado de informações sobre cargos e períodos de passagem em outras companhias ainda sejam válidas, as habilidades sociais se tornaram o novo alvo de empresas em busca de candidatos cada vez mais capacitados para a nova realidade do mercado de trabalho.
A conclusão é de uma pesquisa da plataforma de empregabilidade e tecnologia InfoJobs, que indica a importância das habilidades interpessoais, as chamadas soft skills, durante processos seletivos no Brasil. O estudo evidencia a tendência de equilíbrio entre a relevância dada a habilidades como trabalho em equipe e inteligência emocional e atributos mais técnicos como o domínio de plataformas e softwares específicos.
De acordo com o InfoJobs, que ouviu profissionais de RH do país, 77,2% dos recrutadores já consideram as hard skills e soft skills igualmente determinantes em processos seletivos. Enquanto, para 20,3%, as soft skills já são mais importantes.
Trata-se de um cenário comum e também já identificado por outras plataformas ligadas à empregabilidade no Brasil. Na Gupy, HRTech que já atraiu investidores de peso e hoje conta com o título de startup de RH detentora da maior rodada de venture capital no país, uma pesquisa indica o mesmo. Ao ouvir 1.000 empresas entre julho e setembro de 2022, a Gupy concluiu que a grande maioria delas (89,59%) já levam as soft skills em consideração em todas as contratações.
O que buscam os recrutadores
Segundo o relatório “O Futuro do Trabalho 2020”, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), entre as soft skills mais desejadas pelas empresas até 2025 destacam-se o pensamento analítico, inovação, capacidade de resolução de problemas, negociação, criatividade, flexibilidade, raciocínio lógico e inteligência emocional.
Já a pesquisa da InfoJobs destaca oito soft skills, já pré-estabelecidas pelo levantamento. São elas:
- Saber trabalhar em equipe (37,10%)
- Inteligência emocional (32,20%)
- Boa comunicação (8,90%)
- Resiliência (6,9%)
- Resolução de conflitos (5,40%)
- Boa organização de tempo (4,50%)
- Criatividade (4%)
- Senso de liderança (1%)
Encontrando os candidatos
Com as recentes mudanças no mercado de trabalho em função da pandemia de covid-19, palavras como adaptabilidade e flexibilidade tornam-se termos-chave para descrever competências emocionais e sociais valorizadas em profissionais.
Do lado das empresas, modelos como o trabalho remoto, híbrido e anywhere office e também fenômenos em ascensão mundialmente como o da demissão silenciosa moldam novas configurações que têm forçado a criação de processos seletivos.
A busca agora é por profissionais dotados de soft skills que se atualizem tão rápido quanto o próprio mercado em si. De acordo com o InfoJobs, 51% dos profissionais de RH passaram a avaliar as soft skills nos últimos 5 anos.
Nesse cenário, as habilidades sociais servem como moeda de troca no caso de candidatos que possuem pouca ou nenhuma experiência em determinada área. Isso acontece porque, ao avaliar as competências sociais durante processos de transição de carreira ou mudança de nível hierárquico, há uma certa “compensação” pela ausência de competência técnica, apenas pelo fato de um candidato se destacar pelas competências que vão além do currículo.
“Quando há um candidato que tem as habilidades técnicas (hards skills), mas não tem as soft skills alinhadas com a vaga, e o outro que é o oposto, a empresa hoje opta pelo que tem as soft skills; e isso acontece porque desenvolver as habilidades comportamentais não é um trabalho simples”, explica Lucedile Antunes, consultora e palestrante de empregabilidade e autora de três best-sellers sobre soft skills.
De acordo com Guilherme Dias, CMPO e cofundador da Gupy, empresas que desejam também incorporar a análise de soft skills em seus processos devem levar em consideração, antes de mais nada, os testes comportamentais. “Os testes comportamentais como o da Gupy são importantes, mas não devem ser usados só para avaliar as pessoas candidatas. Os dados fornecidos são valiosos e podem direcionar algumas perguntas de uma entrevista com a pessoa recrutadora ou gestora, por exemplo, o que pode ajudar a conhecê-la ainda melhor’, diz.
Após os testes digitais — que costumam ser uma das primeiras etapas em processos seletivos — o próximo passo compreende as entrevistas individuais. Nessa etapa, a recomendação de Dias é avaliar as habilidades comportamentais desenvolvidas também fora do ambiente profissional. “As soft skills podem ser desenvolvidas dentro e fora da empresa”, justifica.
Como chegar lá?
Para profissionais em busca das competências mais almejadas pelas empresas daqui em diante, Lucedile recomenda o desejo de evolução constante. “Quando compreendemos que o desenvolvimento faz parte do nosso processo de evolução, isso já é um passo inicial”, diz.
Em segundo lugar está a auto análise em busca de pontos fortes e fracos. “Perguntar a opinião de pessoas com as quais convivemos, no trabalho e fora dele, é algo que pode ajudar muito neste processo”, afirma.
Por fim, a identificação dessas características e do impacto delas no comportamento e desempenho deve servir de alavanca para mudanças e definição de novos objetivos — como o de adquirir uma nova soft skill, por exemplo. “A partir do momento que reconheço o resultado que quero ter eu passo a agir de maneira diferente, e isso nos torna mais disciplinados em determinada prática, o que nos leva a adquirir um novo hábito, o que culmina em um novo comportamento”.
Para a especialista, inteligência emocional (que consiste na capacidade de lidar com as nossas emoções e com os outros, além de saber trabalhá-las dentro de nós), e comunicação assertiva são as duas principais habilidades na mira de recrutadores daqui em diante. No entanto, ela destaca também a escuta, presença e a empatia. “Eu as considero muito importantes não para qualquer profissional, independente do nível hierárquico ou área de atuação. É através da empatia que desenvolvemos a capacidade de compreender a necessidade e a dor do outro, e assim construir soluções mais pertinentes, resolver problemas de maneira assertiva e inovar, por exemplo; já a presença e a escuta caminham juntas, pois falta a presença genuína nos dias de hoje. O que mais buscamos atualmente nos profissionais é serem, acima de tudo, seres humanos. Não pessoas que estão no piloto automático”, conclui.
Ajuda da tecnologia
Apesar de já ser um consenso para boa parte dos profissionais de RH, a relevância dada às soft skills durante processos seletivos esbarram em dificuldades estruturais para encontrar candidatos que as tenham e também na ausência de recursos capazes de identificá-las.
O desafio começa ainda na divulgação das vagas. Muitas empresas ainda têm dificuldades em deixar claro as competências nas descrições das vagas, o que dificulta a aplicação de filtros mais assertivos para encontrar candidatos. Parte disso se justifica na falta de clareza na própria definição das soft skills necessárias para cada cargo, explica Dias, da Gupy.
“O conceito de soft skills é complexo até para quem está contratando, por isso é necessário que a área de Recursos Humanos realize um trabalho de conscientização e construa junto com os gestores das vagas quais são as habilidades importantes para cada função”, explica.
É neste momento que a tecnologia entra em cena. A adoção de recursos de inteligência artificial em plataformas digitais podem não apenas agilizar o processo, como auxiliar o setor de recursos humanos a identificar soft skills dos candidatos. Na Gupy, por exemplo, isso funciona graças à interpretação do contexto dos currículos para identificar as soft skills contidas nas experiências profissionais, mesmo que o currículo não tenha um campo específico para listar estas habilidades e mesmo que elas não sejam nomeadas.
Na prática, a plataforma é capaz de reconhecer uma habilidade por meio de uma descrição de projeto ou experiência pontual, como fruto da vivência daquele candidato com aspectos como liderança, motivação e adaptação. Mas, para que tudo isso funcione, é necessário que a empresa que está utilizando a plataforma da Gupy para a divulgação da vaga explicite as soft skills requeridas para ela.
Ele, no entanto, destaca a importância do fator humano em todo o processo. “A melhor forma de usar a tecnologia para aproveitar ao máximo os seus benefícios é deixá-la fazer o que nós, seres humanos, não somos bons em fazer, para que assim você possa focar no que é mais importante e precisa das suas habilidades”, afirma.