Ação Inovadora
Evasão, inadimplência e descontos fragilizam instituições privadas de ensino do PR na pandemia
Depois de correrem contra o tempo para garantir a continuidade dos trabalhos desenvolvidos com os alunos apesar da suspensão das atividades presenciais por causa da pandemia de Covid-19, escolas e universidades da rede privada vêm enfrentado outro desafio: se manterem em funcionamento sem a mesma disponibilidade de recursos.
“A receita foi fortemente afetada, por causa dos descontos e do aumento da inadimplência”, afirma Gisele Mantovani Pinheiro, diretora pedagógica do Colégio Amplação, focado no ensino infantil, fundamental e médio em Curitiba.
A negociação das mensalidades, com descontos coletivos, foi uma realidade necessária devido à situação financeira das famílias no período da pandemia e também pelas alterações no serviço prestado. “A escola particular tem um contrato de prestação de serviços [com os pais], então há uma expectativa da família sobre o que a escola vai fazer pelo valor contratado”, explica o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Ademar Batista Pereira.
Cada segmento de ensino foi afetaado de uma forma diferente. De acordo com representantes do setor, o mais afetado foi o da educação infantil. O Amplação, por exemplo, teve evasão de 40% dos alunos com até cinco anos de idade, além de um aumento na inadimplência, que em agosto chegou a 35% ante o índice de 0,1% registrado em março. Com isso, a receita diminuiu 68%. Em Curitiba, a estimativa da Associação das Escolas Particulares de Educação Infantil (Assepei) é de que o número de alunos no segmento tenha caído 40% e a receita, em torno de 60%.
No Brasil, a Fenep estima que 95% dos contratos da etapa não-obrigatória (de zero a 3 anos) tenham sido cancelados, provocando uma redução de 60% na receita dessas escolas. A entidade diz ainda que entre 2 e 3 mil estabelecimentos dedicados exclusivamente aos primeiros anos da educação fecharam até o momento - e que até o fim do ano, o número pode chegar a 7 mil.
“Hoje, estamos numa situação extremamente fragilizada, mesmo com as ações do governo federal para reduzir [jornada] e suspender contratos. Como os pais entendem a educação infantil como um serviço que mescla o ensino com o cuidado, eles passaram a ter a percepção de que, nesse período, isso não estava sendo executado”, explica o presidente da Assepei, Newton Andrade.
Além disso, conforme a Fenep, como o ano já está próximo do fim e as escolas estão fechadas há vários meses, é difícil recuperar os alunos perdidos no período. “Provavelmente, a família já resolveu esse assunto para esse ano. Ou deixou com a avó ou contratou alguém ou então um dos pais perdeu o emprego, porque isso aconteceu também. Então esse aluno não deve voltar em 2020”, avalia Pereira.
Fundamental, médio e superior
No caso dos ensinos fundamental e médio, a evasão foi menor. Isso se deveu não só à obrigatoriedade do ensino a partir dos 4 anos, mas também a uma adaptação melhor das atividades voltadas aos estudantes a partir dos 6 anos. “No fundamental, tivemos alunos que, claro, por conta de os pais perderem o emprego ou de a renda familiar diminuir, os pais tiraram. Mas no médio praticamente não tivemos prejuízo nesse sentido”, afirma Sueli Silvério, coordenadora dos ensinos fundamental e médio do Colégio Geração Cima, de Umuarama.
O Amplação registrou situação semelhante, com apenas 5% de evasão desses estudantes no período. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação, entre março e agosto foram 11.697 transferências do ensino privado para público*. Apesar de ser considerado um número historicamente alto, ele representa cerca de 2,57% dos 455 mil alunos que compõem a rede privada no Paraná (dado do Censo Escolar de 2019).
“Hoje temos cerca de 480 mil estudantes e perdemos 11 mil no estado. Então, o maior desafio é a inadimplência - e a inadimplência extremamente alta, porque sempre tivemos que trabalhar com ela, mas não alta como está”, diz a presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Paraná (Sinepe/PR), Esther Cristina Pereira.
A entidade não tem dados consolidados ou estimativas sobre a taxa atual de não pagamento das mensalidades no estado, mas as escolas ajudam a ilustrar: no Geração Cima o índice está em torno de 30% e no Amplação, em 44%. “Em março tínhamos 8%”, afirma a coordenadora do último.
No ensino superior, estimativas nacionais indicam que a taxa também está próxima de 30%, três vezes maior do que o registrado normalmente. “O ensino superior privado tem muitos alunos que são da classe D e E, que trabalham para pagar a universidade ou que contam com a ajuda da família. Com eles, o que aconteceu? A família perdeu o emprego ou fechou o negócio, enfim, diminuiu a renda. Então, alguns trancaram e a inadimplência subiu bastante”, diz o presidente da Fenep.
Os reflexos de tudo isso podem ser vistos nos empregos do setor: o saldo positivo do primeiro trimestre, de 4.787, foi anulado durante o segundo, o mais afetado pela pandemia, e o setor terminou o primeiro semestre tendo demitido 111 pessoas a mais do que contratou. Conforme o Sinepe/PR, a maior parte das demissões atingiu os profissionais que não são responsáveis pelas aulas, como auxiliares, faxineiros, cozinheiros, etc.
Impactos da pandemia no setor de educação
Experiências positivas
A transferência repentina das aulas para o mundo virtual acarretou despesas extras para as instituições de ensino com softwares, equipamentos e treinamento de professores, além de provocar impactos pedagógicos e psicológicos. Contudo, quem já trabalhava com o ensino híbrido, ou seja, já misturava o aprendizado offline ao online, relata que a adaptação foi mais rápida e a experiência vem sendo positiva.
“Já usávamos uma plataforma e o ensino híbrido, então, no início, conversei com professores, colocamos atividades na plataforma, entrei em contato com os pais e as aulas foram acontecendo meio online, meio offline. Passados 15 dias, viemos trabalhar internamente na escola, porque aqui tem equipamentos que facilitariam as aulas online. Hoje, nossas aulas são remotas, mas os alunos participam em tempo real, interagindo com o professor e com os colegas, e os pais estão satisfeitos”, conta Sueli sobre a experiência do Colégio Geração Cima.
No Amplação, a situação foi parecida. “O ensino híbrido acontece há dez anos na nossa escola. Então, quanto precisamos virar a chave, professores e alunos não sofreram, porque eles já faziam isso no dia a dia. As escolas que não tinham esse hábito tiveram que capacitar rapidamente os professores e, por isso, vemos um impacto emocional muito grande. Eles tiveram que virar youtubers quando não são youtubers”, resume Gisele.
Estando um passo à frente, as escolas puderam investir no acolhimento aos alunos e às famílias. No Geração Cima, por exemplo, foram criados grupos de WhatsApp para cada turma e a escola passou a usar um aplicativo para se comunicar com os pais. No Amplação, foi criado um sistema de atendimento individual para alunos autistas e com déficit de atenção, além aulas de reforço em grupos menores para os alunos que apresentarem qualquer dificuldade para assimilar os conteúdos trabalhados durante as aulas.
*As transferências registradas pelo Estado dizem respeito aos alunos dos ensinos fundamental II, ensino médio, profissional e EJA.